"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos

carta de despedida
É muito esquisito escrever uma carta de despedida. Partir é deixar reticências ao acaso... sei lá. Bem, não acho que nossa interação e respeito mútuo sejam pelo menos razoáveis.

Depois, há sempre a impressão de ser deverasmente penoso um aturar o outro. Até por que se instalou um desconhecimento, um estranhamento, nunca antes experimentado. Há em você uma figura bizarra que não conheço, e confesso, que não quero conhecer. Sei que todos possuem quer queiram ou não, um lado sombrio, um lado meio que obscuro, mas não se trata do desconhecido. Trata-se de bizarrice mesmo, a mais pura e adolescente bizarrice, e estou velha demais para entender ou sequer suportar.

Há muito tempo que estamos distantes, mas agora acredito que abriu-se um enorme abismo entre nós. Não há palavras, não inflexões e, nem as lembranças do passado servem de ponte. Há um vazio expectante.

Um silêncio desconfortável.

Um entreolhar confuso que não encontra nem objeto e nem luz. Por isso, partir é imperioso. E pouco importa se serei eu a partir, ou será você. Também pouco importa o que será bagagem, e o que será bobagem.

Uma coisa devemos ter certeza, o tempo não volta. A juventude se foi definitivamente, posso sentir isso nos ossos, na pele, e principalmente na alma.
E é ela que clama por alguma coerência, por alguma decência. Não se pode fingir que está tudo bem, que o fato de haver ausência é apenas normal e circunstancial.

Não é. É preciso encararmos como gente adulta e com a calma da sabedoria e, enfim reorganizarmos o que sobrou de nós. Ou os nós que sobraram...

Desatá-los e prosseguir, cada qual seu caminho, com suas escolhas, suas opções... seus misteriosos desígnios. Não adianta sentir raiva, remorço ou mesmo emoção.  Por que o fim já ocorreu, e selar essa carta é apenas uma misericordiosa pá de cal sobre o túmulo.

Um dia, quando nos acostumarmos com tudo, com o assentamento da separação. Você constatará que foi melhor assim, que foi mais digno sair, pois insistir é um insulto diário. É um enxovalho daqueles duros de engolir...

Quem irá com você, se tem  quem o apoiará, é ótimo, pois com minhas convicções não careço de apoio, nem trégua e nem a boa vontade de quem não tem como decidir por mim.

Espero que quando você acabar de ler essa carta, a mala já esteja pronta, o coração já esteja fechado para poder se curar... Se é que cura ele conhecerá um dia, de qualquer modo, não precisa dizer nada, esbravejar, xingar, e nem fazer caras e bocas como se fosse o filme mexicano de gosto duvidoso...

Apenas saia, discreta e calmamente, como quem vai até o jardim, ver que o orvalho não secou. Chore todas as lágrimas possíveis, e as impossíveis guarde para si, para um dia em que você finalmente aprender a sofrer sozinho.

Felicidades para que lhe resta, e que você encontre tudo aquilo que jamais fui capaz de lhe dar. As mágoas com o tempo se abrandarão, com as dores o corpo se acostumará, e o tempo , esse velho amigo nos acompanhará até a morte.

Adeus.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 16/03/2008
Alterado em 21/11/2017
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