"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

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Resumo:

Platão jamais disse que seu conceito de amor se referia a uma pessoa inatingível. Existe o amor mais superficial e, até o mais profundo, tão presente no discurso final de Sócrates. Pausânias cogitou sobre dois tipos de amor: o amor corporal e o amor celestial. Um mais físico e táctil e, outro relacionado com a perfeição e afinidade moral. Enfim, Sócrates tratou do amor como a força para a contemplação da beleza mais pura e ideal.

Palavras-Chave: Amor platônico. Platão. Sócrates. Pausânias

 

A expressão amor platonicus fora usada pela primeira vez pelo filósofo neoplatônico florentino Marsílio Ficino, no século XV, como sinônimo de amor socrático.

Refere-se ao sentimento que seja perfeito, eterno e imutável, mas que só existe no âmbito das ideias. Em acepção vulgar se refere a uma ligação amorosa entre duas pessoas, onde não há qualquer tipo de interesse envolvido, sobretudo o sexual.

Porém, tal conceito difere do amor ideal de Platão, que concebera o amor como algo essencialmente puro e desprovido de paixões, ao passo que estas são essencialmente cegas, materiais, efêmeras e falsas.

O amor platônico se contrapõe ao amor carnal que busca continuamente a satisfação sexual. Essa espécie de amor socrático tinha como referencial o afeto entre dois homens a que Platão cogitou em um de seus diálogos, exemplificando-o com o afeto existente entre Sócrates[1] e seus discípulos, particularmente, entre Sócrates e Alcibíades[2].

A mesma expressão galou nova acepção com a obra de Sir William Davenant, intitulada Platonic Lovers (Amantes platônicos) de 1636 onde o poeta inglês se baseou na original concepção de amor de Platão[3], como sendo o amor direcionado à ideia do Bem, que é a raiz de todas as virtudes e da verdade.

Foi melhor examinado no diálogo, chamado “O Banquete” que tem como tema principal o Amor ou Eros em geral. Onde explica as possibilidades de como o sentimento de amor começou, evoluiu, tanto o sexual como o não sexual. É relevante o discurso de Sócrates onde atribuiu à profetisa Diotima de Mantineia[4] uma ideia de amor platônico como meio de ascensão à contemplação do divino. Essa subida é conhecida como a "Escada do Amor".

Segundo Diotima e, para Platão em geral, o escorreito uso do amor dos seres humanos e direcionar a mente para o amor à divindade. Lembremos que Sócrates definiu o amor com base em separadas classificações de gravidez. A gravidez da alma, o próximo passo no processo, produz a verdade, que é a alma que traduz em forma material.

Em síntese, com o genuíno amor platônico, a pessoa bonita ou o outro amável inspira a mente e a alma e direciona a atenção para as coisas espirituais. Pausânias, no Banquete de Platão (181b-182a), explicou dois tipos de amor ou Eros - Eros vulgar ou amor terreno e Eros divino ou amor divino. O Eros vulgar não passa de mera atração material em direção a um corpo bonito para prazer e reprodução físicos.

O Eros Divino começa a jornada da atração física, isto é, a atração para a forma ou corpo bonito, mas transcende gradualmente o amor pela Beleza Suprema. Este conceito de Eros Divino é posteriormente transformado no termo amor platônico.

Eros vulgar e Eros divino são ambos conectados e fazem parte do mesmo processo contínuo de buscar a totalidade do próprio ser, com o objetivo de consertar a natureza humana, chegando finalmente a um ponto de unidade onde não há mais uma aspiração de mudar.

A Escada do Amor (scala amoris) é nomeada como tal porque relaciona cada passo em direção ao Ser do Belo em si como degraus consecutivos de uma escada. Cada passo mais perto da verdade distancia ainda mais o amor da beleza do corpo, em direção ao amor que é mais concentrado na sabedoria e na essência da beleza.

A escada começa com a atração carnal de corpo por corpo, progredindo para um amor por corpo e alma. Eventualmente, com o tempo, com os consequentes degraus da escada, a ideia de beleza eventualmente não está mais conectada com um corpo, mas totalmente unida ao próprio Ser, na Ideia do Belo.

Durante a Idade Média, surgiu novo interesse em Platão[5] e por sua filosofia bem como sua visão do amor, causado por Georgios Gemistos Pletão durante os Conselhos de Ferrara e Firenze em 1438 a 1439. Mais tarde, em 1469, Marsílio Ficino apresentou teoria do amor platônica, na qual definiu o amor como habilidade pessoal de um indivíduo que guia sua alma em direção dos processos cósmicos e, aos elevados objetivos espirituais e celestiais.

O amor platônico geralmente está relacionado à adolescência, àquela paixão pelo mestre, pela professora, ou ainda pelo mais popular das escolas, além de ídolos da Tv e do cinema. Trata-se de amor idealizado, dotado de certo glamour, ilustrado por cenas e afagos imaginários.

A distância do ser amado se projeta de diversas formas diferenças que podem ocorrer no âmbito social, de idade, hierárquico, por meio de uma relação proibida, ou simplesmente por um bloqueio em demonstrar o sentimento, que acaba tornando a pessoa amada, um ser inalcançável.

Em todas as manifestações do amor platônico guardam a mesma característica em comum: a impossibilidade. Afinal, a pessoa deseja simboliza justamente algo que nos falta, pode ser a beleza, a inteligência, o charme, ou certa habilidade especial. O fato platônico do amor que o torna tão inatingível, pois, em realidade, é aquilo que buscamos dentro de nós mesmos[6].

Na obra "O banquete", de Platão, o personagem Fedro começa elogiando Eros como fonte de maiores bens, inspirador de amantes e instigador do arrebatamento nos heróis. Já Pausânias, para quem, existem dois deuses, a saber: o Eros urânio (celeste) e o Eros pandêmio (popular).

Enquanto um é associado à força educadora da excelência humana (virtude), o outro é relacionado à satisfação de apetites, de modo irrefletido. Agathon, por sua vez, uma poeta trágico, propôs que só há um Eros, do qual pinta imagem positiva e exacerbada, é o mais belo, o mais jovem, feliz e hábil e, o mais corajoso, o mais temperante, e só favorece coisas boas, tais como a paz e amizade ente os seres.

Afinal, amor é e não um sentimento, é forma de como são afetados os seres humanos perante objetos e outros seres que os atraem e os marcam. Para Fedro, o amor é espécie de sentimento de solidariedade civil que move os indivíduos, os leva a se associar e construir pactos, seja pela amizade, reciprocidade, levando ao cuidado com o bem do outro, nobre e elevado.

Em grau máximo, é o que leva o amigo guerreiro a morrer por seu companheiro de armas, ou ainda, a fazer com que a esposa se sacrifique pelo marido.

Quando Pausânias propôs dois tipos de Eros, separa o ato de amar da maneira como realizamos o amor. Se o ato de amar, é em si mesmo, indiferente, o sentimento que marco o modo como amamos faz a diferença. O amor instintivo é vil porque não traduz uma consciência do outro. Enquanto o amor elevado é o sentimento que nos conduz a desejar e a promover o bem e o crescimento do amado.

Para Aristófanes, o amor não é mero sentimento, mas algo permanente, como modo de ser da espécie humana, na medida em que está presente no fato de sermos estruturalmente incompletos. E, a busca da plenitude e completude determina-nos, fazendo-nos estar sempre voltados para o outro.

Essa escritura carente seja em graus maiores ou menores de consciência, que, por sua vez, determinam o nosso modo de ser e agir.

Segundo Diotima[7], se o amor é busca, é movimento que parte da falta e vai em direção da possibilidade da plenitude. E, se ele se tornar posse, deixa de ser o que é, pois, perderá a qualidade de ser intermediário.

Como processo, o amor parte de uma determinação ou qualidade que vai na direção de seu oposto, então o feio busca o belo, o sem recurso busca o com recurso e, o que é ruim tenta buscar o que é bom, o ignorante deve tomar consciência de sua falta de conhecimento.  Decisivamente, o amor é "um ser entre".

Importante ressaltar que vivenciar as ilusões de um amor platônico faz parte de nosso amadurecimento afetivo. É através desses amores platônicos da vida, que somos desafiados a vencer nossos medos, e com isso, fortalecer a autoestima e o poder pessoal[8]. Tais experiências nos convidam a superar a nós mesmos, para estarmos aptos a viver um amor de verdade. E a sentir a intensidade da essência humana.

 

 

 

 

Referências

ARISTOPHANES. The Complete Plays. Translated by Paul Roche. New York: New American Library, 2005.

BRAZIL, Vicente. Pausânias no Banquete de Platão: Encômio ao Eros Sofístico. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/kalagatos/article/view/6240/5020 Acesso em 16.02.2022.

CABRAL, João Francisco Pereira. "Amor Platônico"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/amor-platonico.htm . Acesso em 16 de fevereiro de 2022.

DE MELLO, Celina Moreira. O Jogo da Leitura: O Banquete de Platão. Disponível em:  http://revistas.ufpr.br/letras/article/download/19240/12532. Acesso em 16.02.2022.

FÉLIX, Luciene. O Banquete - Platão: o que é o Amor? Disponível em: http://www.esdc.com.br/CSF/artigo_2008_10_o_banquete.htm  Acesso em 16.02.2022.

FERREIRA, A. B. de H. Amor. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1ª edição. São Paulo: Nova Fronteira, 1981.

LUCCHESI, Marco. O Livro de Amor de Marsilio Ficino. Disponível em:https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/download/35730/18777   Acesso em 16.02.2022.

MARQUES, Marcelo P.  Amor Platônico? Revista Cult. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/amor-platonico/ Acesso em 15.02.2022.

MENDES, Mayra. O Discurso de Diotima em O Banquete de Platão. Disponível em: http://sip.prg.ufla.br/arquivos/php/bibliotecas/repositorio/download_documento/20192_201510468 . Acesso em 16.02.2022.

PLATÃO. O Banquete. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000048.pdf Acesso em 16.02.2022.

PLATÃO. O Banquete, ou, Do amor. Tradução de José Cavalcante de Souza. Rio de Janeiro: Editor Victor Civita, 1972.

PLATÃO. Apologia de Sócrates. Coleção Universidade. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998.

SCANDOLARA, Adriano. Iniciação, Profanação e Mitopeia no Banquete de Platão: uma aproximação entre literatura e filosofia. Disponível em: http://revistas.ufpr.br/vernaculo/article/download/20783/20233. Acesso em 16.02.2022.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


[1] Sócrates cultivava, através da filosofia, um exercício continuado de autoconhecimento, uma análise das próprias faltas e a tentativa de superá-las. Conhecer-se a si mesmo implica em conhecer que a alma precisa ser superior ao corpo no domínio das paixões. Em sua Paideia (pedagogia) a virtude era muito mais que a simples repressão dos desejos, ela devia levar o homem a dominar paixões e oferecer a ocasião dele manifestar o domínio de si mesmo. Pois, o homem virtuoso não é aquele que renunciou às paixões, ou que conseguiu abranda-las; o homem virtuoso é o que aprimora sua conduta e pode medir, assim, o quanto de paixão seus atos comportam, pois, as paixões são movimentos e, como tais, contínuas. A paixão socrática une indissoluvelmente logos e eros, fala filosófica e amor se mesclam em sua composição. O Eros socrático ilumina o território do discurso direcionando o pensamento filosófico para os ideais ascéticos, onde a ética, a moral e a filosofia estabelecem estreitos laços.

[2] Alcibiádes o bem amado discípulo de Sócrates, foi o homem mais belo de seu tempo. Pertencia a mais alta nobreza ateniense, e foi tutelado de Péricles. ... Alcibíades tornou-se discípulo de Sócrates, ouvia sempre seus discursos, nasceu desse contato constante, a grande paixão que Alcibíades lhe devotou.

[3] O neoplatonismo foi uma vertente filosófica que se desenvolveu entre o século III e IV. A corrente possuía várias doutrinas e pensamentos diferentes, porém matinha a filosofia platônica como sua inspiração principal. Além de ser uma corrente filosófica, o neoplatonismo também foi identificado como uma seita. O Neoplatonismo foi uma corrente filosófica, metafísica e epistemológica de alento platônico, que se desenvolveu durante a crise Império Romano do século III e IV e abordou questões filosóficas e religiosas. Com efeito, esta ponderação teológica caracterizou "Deus" enquanto plenitude, estabelecendo um monismo idealista que influenciou tanto as religiões pagãs quanto as monoteístas, sobretudo o Cristianismo. De partida, vale ressaltar que o Neoplatonismo não retoma o Platonismo, pois evita o dualismo de Platão em favor de um princípio único para todas as coisas.  Por outro lado, é interessante notar que nessa vertente, os aspectos cosmológicos e espirituais do platonismo são mais valorizados. Vale salientar também que esta concepção possui três estágios ou hierarquias: a primeira seria a emanação do Uno, representada pelo Intelecto (Nous, ou Logos) o qual seria a manifestação suprema de Deus, o qual é todas as coisas e nenhuma, fonte incondicional de tudo. Portanto, Logos seria a primeira manifestação de Deus. Num segundo nível hierárquico, estaria a “Alma do Mundo”, a qual seria, por sua vez, uma mediação entre a Inteligência e o mundo sensível, o qual, por sua vez, seria uma representação da verdade obscurecida. Por fim, num estágio inicial, estaria o mundo material, o qual encontra-se mais afastado da luz original e, por isso, permeado pelas vontades da carne e pelo peso da matéria. Apesar disso, este é o estágio de que partimos para nos elevarmos até o "Princípio Original".

[4] Diotima de Mantinea foi uma sacerdotisa e filósofa grega antiga que se pensa ter vivido por volta de 440 a.C. e que é apresentada com um papel importante no Banquete (Symposion) de Platão, nele afirmada como mentora de Sócrates nas questões de Amor (em grego, Eros). No diálogo, suas ideias são a origem do conceito de scala amoris (escada do amor), parte do amor platônico. A maioria dos estudiosos do século XIX e do início do século XX pensava que Platão baseava Diotima em Aspásia, a amante de Péricles, tão impressionado ficou com sua inteligência e esperteza. No entanto, Aspásia aparece sob seu próprio nome no diálogo de Platão Menexêno, e alguns estudiosos argumentaram de forma convincente que Platão não usava nomes falsos; portanto, Diotima poderia ser uma figura histórica. No Banquete, Diotima apresenta ideias diferentes das de Sócrates e Platão, representando assim uma posição filosófica diferente. Sócrates também afirma ter aprendido com ela. Ambos os casos no diálogo de Platão foram usados para argumentar por sua existência.

[5] A fala do amor, em Platão, é fundamentalmente mítica, o próprio amor que ele concebe é mítico, seja personificado como a própria imagem do filósofo, um ser que busca a perfeição mediando a ignorância e o saber, um daimon apolineo, o qual Sócrates encarna com perfeição; seja o aparente desequilíbrio dionisíaco, expresso na paixão enlouquecida de Alcibíades que contrasta com a calma e serenidade do amor “celestial” que impulsiona o filósofo. O amor é, em Platão, sempre um dom: 6“A maior sabedoria humana ou loucura divina que um deus pode oferecer a um mortal”.

[6] Uma das composições mais famosas de Drummond, o poema refere o amor como algo que não pode ser explicado ou justificado racionalmente.

"Amar

Que pode uma criatura senão,

entre criaturas, amar?

amar e esquecer, amar e malamar,

amar, desamar, amar?

sempre, e até de olhos vidrados, amar?" (...).

[7] Diotima de Mantinea foi uma sacerdotisa e filósofa grega antiga que se pensa ter vivido por volta de 440 a.C. e que é apresentada com um papel importante no Banquete (Symposion) de Platão, nele afirmada como mentora de Sócrates nas questões de Amor (em grego, Eros). No diálogo, suas ideias são a origem do conceito de scala amoris (escada do amor), parte do amor platônico.

[8] O homem, como duplo corpo-alma, jamais conhecerá a verdade de modo absoluto. Isso cabe somente aos deuses. Mas nem por isso deve deixar de se desenvolver. É moral dever agir procurando o melhor sempre. Ao homem, ser desejante intermediário entre os deuses e os outros seres não conscientes, cabe buscar o conhecimento que o aproxime dos deuses, não se deixando fascinar pelo sensível, mas buscando compreender o inteligível, o reino das ideias, o que propriamente é o saber. Assim, naturalmente, o homem é filósofo (ou deveria ser!) buscando a sabedoria, entendendo por isso a melhor forma de usar a parte que lhe é principal – a alma – para agir, ser dono dos desejos, compreendendo a função de cada um e não se tornar escravos desses.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 06/03/2022
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