"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos

A dissolução da sociedade conjugal
As peculiaridades da lei divorcista e os efeitos da separação judicial em comparação ao divórcio. Traça breve histórico sobre o divórcio no Brasil e sua importância no contexto jurídico atual. As mudanças ocorridas nas feições do casamento em face da Emenda constitucional divorcista. As causas do desquite litigioso e respectiva caracterização.

Em 1967 o casamento no Brasil de então segundo a Constituição Federal vigente em seu art. 175 § único, era indissolúvel.

Previa então o Código Civil Brasileiro em seu art. 313 que o casamento válido e eficaz só se dissolveria fatalmente com a morte de um dos cônjuges.

Drástica mudança na ordem jurídica brasileira se operou com a adoção do divórcio posto que aboliu a indissolubilidade do vínculo matrimonial que era fortemente endossado pela mais tradicional corrente religiosa de nosso povo.

Neste contexto, adveio a Emenda Constitucional nº 9 de 28 de junho de 1977 que inauguraria a crescente constitucionalização do Direito de Família e que se faz presente até aos nossos presentes dias. Regulando o divórcio a Lei 6.515/77 em seu art. 53 revogou o parágrafo único do art.315 do C.C. que previa que o casamento válido só se dissolveria coma morte de um dos consortes. Portanto acrescentado à morte, foi o divórcio incluído como causa dissolutória do casamento.

Porém, se o casamento não fosse válido , poder-se-ia cogitar em ser ele nulo ou anulável, desde que ocorresse a inobservância de qualquer um dos doze incisos do artigo 183 do Código Civil que determina os impedimentos matrimoniais, apesar de sempre se tratar de nulidade sanável se não for denunciada tempestivamente em dois anos.

Afora o fato de se configurar o casamento putativo que apesar de nulo será plenamente válido para o cônjuge de boa fé e sua respectiva prole.

Ocorre também a dissolução quer na nulidade ou na anulabilidade do casamento (mas só que neste caso não seria considerado como juridicamente válido e eficaz).

Por força da Emenda constitucional de 1967 e, da lei regulamentadora do divórcio que deu início ao processo de constitucionalização do Direito de Família, desapareceu a nomenclatura “desquite” em nosso ordenamento jurídico, passando a denominar-se simplesmente separação judicial que poderá ser consensual ou não.

Aliás o vocábulo desquite advém do francês, quitter, e corresponde a acepção de abandonar, largar, junto ao qual, no português, o prefixo “des” que informa o sentido de intensidade. Há também outra história etimológica que alega ser de origem latina e corresponde a dificuldade de quitar, pagar plenamente, e se desvincular juridicamente, desembaraçando-se

No dizer do mestre Caio Mário com o nome de desquite – mais adequado em face de seus efeitos limitados _ e diferenciando-o do divórcio a vínculo, o direito brasileiro sempre adotou a separação de corpos e dissolução da sociedade conjugal como sanção para o comportamento de um dos cônjuges, contraveniente aos deveres fundamentais do matrimônio. Aí está, pois, o desquite litigioso punindo o adultério, a tentativa de morte, as sevícias, a injúria grave, o abandono do lar. Mas, num arremedo do divórcio-remédio, já conhecia nosso sistema o desquite por mútuo consentimento (que alguns denominam impropriamente de desquite amigável).

Alguns doutrinadores informam que a palavra desquite é terminológicamente mais apropriada do que a separação judicial que passa ser previamente imprescindível ao divórcio, exceto se o casal já estivesse separado de fato por mais de dois anos ininterruptos a partir da data de publicação da lei divorcista. Não se pode confundir a dissolução da sociedade conjugal com a dissolução do vínculo matrimonial. Esta necessariamente inclui a dissolução da sociedade conjugal, mas no entanto, não inclui a dissolução do vínculo matrimonial.

O homem que possui o estado civil de separado judicialmente, não é desimpedido para casar; já o divorciado é livre para casar-se novamente.

A nova CF/88 prevê ainda o divórcio a vínculo ou o direito desde que já se tenha mais de um ano de separação judicial ou dois anos comprovadamente de separação de fato (art.226§6ºCF/88).

O art. 38 da Lei 6.515/77 que impunha a restrição de se poder formular pedido de divórcio por apenas uma vez foi revogado pela Lei 7.841/89 e alterou os dispositivos da Lei Divorcista (§1’art.40), não restando mais restrições quanto ao número de vezes que se pode pleitear o divórcio que será sempre deferido quando reunir as condições legais exigidos para tanto.

O desquite litigioso se desenvolvia em ação ordinária privativa dos cônjuges, salvo o caso do incapaz que para tal fim se faz representar-se por curador através de ascendente ou irmão (Lei 6.515/ art. 3º§1º). Falecendo um deles no tramitar da ação, a ação fica extinta, não podendo prosseguir seus sucessores.

As causas deveriam ser alegadas e provadas pela parte que o postulava (Código Civil art.317) quais sejam adultério, tentativa de morte, sevícias ou injúria grave, abandono voluntário do lar conjugal durante dois anos. O recém-aprovado Projeto de C.C. reduziu tal lapso temporal para um ano.

O adultério corresponde à quebra de fidelidade que os cônjuges reciprocamente se devem.

No direito oriundo das Ordenações fazia-se certa distinção relativamente ao do marido e da mulher, punida coma pena de morte e aquele com as penas de degredo e multa, somente aplicadas aos barregueiros casados já que infidelidades descontínuas e transitórias não eram puníveis.

Espínola salienta que tal distinção sobreviveu ao tempo do Império na legislação penal (1830). Mas, segundo Pontes de Miranda cessou no direito moderno , embora subsista em alguns sistemas jurídicos.

Adultério quer como delito ou causa cível de litígio não se presume, há de restar cabalmente provado. É considerado como a mais grave violação conjugal e afeta a família e a legitimidade dos filhos e ainda, o regime monogâmico.

Não é necessário ser repetida ou reiterada a prática para sua caracterização, basta que ocorra uma só vez.

O adultério envolve a cópula carnal consumada, e não se caracteriza pelo encontro, pelo namoro, correspondência epistolar que quando muito poderá importar em injúria em relação ao outro cônjuge.

A jurisprudência engendrou o conceito de infidelidade moral que corresponde à injúria grave.

A cópula carnal devem ser ainda voluntária pois se ocorrida com ausência de animus ou mesmo com a incapacidade de discernimento descaracteriza o comportamento como infração de um dever jurídico.

Se ocorrer por erro, quando por exemplo, a mulher acredita que esteja o marido morto, não há adultério.

Também descaracteriza o adultério o estado de ausência, inconsciência, hipnose, sonambulismo, embriaguez involuntária, coação moral ou material e outros semelhantes.
Apesar da não enumeração do direito positivo quanto às hipóteses desfigurantes de adultério, coube à doutrina e à jurisprudência.

A prova de adultério far-se-á por todos os meios incluindo-se indícios, porém não bastam os indícios para defini-lo juridicamente.

Não há o adultério se a prática foi aliciada ou favorecida pelo outro cônjuge.
Também não se tem adultério como causa cível se o cônjuge inocente perdoou o culpado quer de modo expresso ou tácito.Apesar da lei divorcista não aludir ao perdão como fato hábil a ilidir a falta.

Cogita-se se a inseminação artificial constitui adultério, alguns o definem como o adultério científico. Mas inexiste a cópula carnal, mas se praticada à revelia da vontade do marido pode qualificar-se como injúria.

Também é injurioso o procedimento do marido que provoque a gravidez pelo processo de inseminação artificial, contra a vontade dela ou à sorrelfa.

Tentativa de morte era considerada pelo direito canônico como uma forma de adultério não se requer a condenação no juízo criminal, mas ocorrendo a absolvição por negativa de autoria venha ilidir a ação civil, ou se fundada em legitimidade de defesa (excludente de criminalidade).

Sevícias constituem maus-tratos, ofensas físicas, agressão de toda espécie; atentado à integridade corporal do outro cônjuge.

Ou como Pothier qualificava como maus-tratos corporais. As sevícias incluem atos vexatórios, constrangimentos que se avizinham da injúria. São excessos, apesar da expressão codificada ser no plural, bastará uma to isolado de agressão ou de mau-trato.

Provar-se-á pelo exame de corpo de delito (médico-legista) e até testemunhas.

Injúria grave é a ofensa à honra e a boa fama e a moral do cônjuge. Neste caso não corresponde integralmente ao crime contra honra chamado de injúria.

São ofensas à respeitabilidade do outro cônjuge, também a transmissão de doença venérea contagiosa, a imputação caluniosa, práticas homossexuais e , a injusta recusa das relações sexuais, o ciúme infundado e excessivo. Também não há mister a reiteração do comportamento injurioso (conforme exige o direito francês) e não se cogita em perdão tácito.

Ë imprescindível que o procedimento injurioso revista em caráter intolerável à sobrevivência da vida conjugal. Deve o julgador apreciar a repercussão da injúria no meio social do cônjuge ofendido.

Abandono para ser causa de desquite, há de ter voluntário, injusto e prolongado. O abandono não se configura na separação livremente consentida, quer expressamente ou tacitamente.

Aliás, o Estatuto da Mulher Casada já se prevenia quanto à mudança caprichosa de domicílio capitaneada pelo marido sem a anuência da esposa, se esta se recusa a acompanha-lo, não se configura abandono.Aliás, poderia ela recorrer ao suprimento judicial para tal questão.

O abandono ainda há de ser prolongado (pelo menos por dois anos contínuos), há quem se insurja contra tal requisito legal, aliás pelo direito francês o abandono é considerado pela jurisprudência como injúria, independentemente do tempo decorrido.O recém-aprovado projeto de C.C. reduziu para um ano a caracterização de abandono.

Ausências intermitentes não caracterizam abandono de lar, não sendo possível somar os tempos destacados de afastamento.

Ausência é o desconhecimento do paradeiro da pessoa, aliado à falta de notícias, a pessoa se encontra em lugar incerto e não-sabido e sem deixar representante ou indicativo de domicílio.

A Lei 6.515 simplificou incluindo tais causas como conduta desonrosa ou outro ato que importe em violação dos deveres matrimoniais e torne insuportável a vida em comum (art. 5º). De tal sorte elástico o conceito deixando de discriminar detidamente as causas da separação judicial conforme o Código Civil.

Por conduta desonrosa sem tentar uma enumeração exaustiva, pode-se dizer que é todo menosprezo no ambiente familiar ou no meio social, inclui o lenocínio, o vício com jogatinas, com tóxicos, bebidas alcoólicas e a’te delitos sexuais dolosos.

A violação dos deveres conjugais (tais como fidelidade recíproca, vida em comum no domicílio conjugal, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos).

Caberá ainda a separação judicial contenciosa se houver a ruptura da vida em comum; pela ausência da affectio maritalis por mis de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição conforme a nova redação da Lei 8.408/92, deu ao art. 5º §1º da Lei 6.515/77. Outrora, o prazo já fora maior de cinco anos.

Tal ruptura é caracterizada materialmente ou moralmente e pode provar-se por qualquer meio.

Diversamente da separação de fato, que autoriza o divórcio consensual quando prolongada por um biênio, a ruptura da vida em comum fundamenta a comprovação judicial da ruptura e a impossibilidade de reconstituição da vida conjugal.

Já não é indispensável à separação de corpos nem mesmo como medida prévia.

De qualquer modo é importante ressaltar as peculiaridades da teoria das nulidades no direito matrimonial pois que admite nulidades textuais e implícitas como também, sanáveis, prescritíveis e exigindo legitimação das pessoas que pretendem argúi-la. Não podendo o juiz de ofício decreta-las. E ainda, a vigência da prova subsidiária e complementar da posse do estado de casados e , ainda do princípio in dubio pro matrimonium.

Pois a própria tutela jurídica sobre a família valoriza e justifica hierarquicamente sua superioridade e peculiaridade em face de qualquer outro ato jurídico.

Diante da hipótese de desquite consensual, é indispensável que conforme art. 40 da lei divorcista que estejam casados há mais de dois anos e, manifestem tal vontade de separar perante o juiz, através de petição assinada, por ambos com firma reconhecida por tabelião, também deverá ser assinada pelos advogados ou por terceiro assinando a rogo dos cônjuges(art. 34 §3º).

A homologação pelo juiz da separação é crucial para a plena validade doa to, e não depende do arbítrio exclusivo dos cônjuges, é ato judicial complexo e só terá efeito liberatório após a regular homologação e aprovação da autoridade judiciária. Muitos doutrinadores discutem sobre a natureza jurídica desta homologação.

Não é o juiz mera testemunha qualificada da vontade dos cônjuges em se separar e, sim sua presença é crucial e indispensável.

Tal estrutura judicial funda-se no duplo grau de jurisdição obrigatório com o escopo fiscalizador

Pode o juiz negar homologação se verificar que a convenção que não preserva suficientemente os interesses do filho ou de um dos cônjuges(art.34§2º).

Deve tal petição esboçar a partilha de bens, o acordo referente à guarda e a visitação dos filhos menores. Poderão deixar a partilha para fase executória ou ainda ser decidida de ofício.

É lícito a mulher já que suficientemente dotada de recursos próprios pode até dispensar a pensão alimentícia do marido mas sem ter efeito de renúncia definitiva. Já que quanto à pensão dos filhos esta é igualmente irrenunciável (vide Súmula STF 379).

A separação judicial não tem o poder de romper o vínculo matrimonial porém desfaz a sociedade conjugal com tríplice conseqüência (na esfera pessoal, patrimonial e relativa a prole). Com a separação cessa o debitum conjugale, cessar o dever de fidelidade.

A lei divorcista expressamente prevê o fim dos deveres matrimoniais de coabitação, fidelidade recíproca e o regime matrimonial de bens . Cessa o direito hereditário entre os cônjuges.

Além dos alimentos pode ocorrer indenização por perdas e danos em face do prejuízo sofrido pelo cônjuge inocente (isto, supondo haver culpa conjugal).

Desta maneira, opera-se a reversão ao cônjuge inocente e que não houver pedido a separação bem como os bens remanescentes dos bens que levou para o casamento, bem como sua meação dos aqüestos que o regime de bens matrimonial permitir.

É inalterável o status dos filhos em função da separação judicial quer consensual quer litigiosa sendo que neste caso, a guarda dos filhos menor ficará com o cônjuge inocente porém o recém-aprovado Projeto de C.C. dispõe diversamente deixando para quem melhores condições oferecer para a educação do menor.

A guarda prioritária da mãe através do projeto recém-aprovado é postergada.

De qualquer maneira o interesse do menor é a maior prioridade e fica a autoridade judiciária investida em plenos poderes para definir a guarda e o direito de visitação bem como o direito à pensão alimentícia.

Na hipótese de moléstia grave, o juiz deferirá a sua guarda ao cônjuge que estiver em condições de assumi-la normalmente e de promover a educação.

O direito de visitação do pai ou da mãe não pode ser negado mesmo que a conduta dos pais seja condenável e reprovável, hipótese em que poderá ter a visita supervisionada.

Apesar de transitar em julgado, a sentença por ser tratar de jurisdição voluntária e, voltada para os direitos de família, não produz coisa julgada absoluta. A qualquer momento, é lícito o juiz modificar com relação aos filhos e a pensão à mulher.

De qualquer forma, tem a legislação facilitado ao máximo que os separados venham a ser tornar desimpedidos para casar-se, quer pela possibilidade de requer o divórcio vincular quer, pela redução do lapso temporal para o requerimento do divórcio.
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GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 04/03/2008
Alterado em 07/03/2008
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