O Contrato de doação no Direito Civil Brasileiro – Parte 1.
Diante da difícil tarefa de conceituar é interessante conhecer uma lúcida lição de Pablo Stolze Gagliano que in verbis alude:
“contrato jurídico é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelo princípio da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades.”
É sua pedra fundamental a manifestação de vontade que é acompanhada pela responsabilidade do contratante respeitando tanto as normas superiores da convivência humana, como também as normas de assento da Carta Magna da República Brasileira.
É inegável que o contrato representa a espécie mais importante de negócio jurídico, contemporaneamente entendido não só como meio de conciliação de interesses contrapostos, mas manejado visando à pacificação social e ao desenvolvimento econômico.
A autonomia privada e a livre iniciativa não são desprezadas.
Redimensiona-se o contrato como instrumento de realização e, não mais como aríete egoísta para subjugar a parte economicamente mais fraca em desrespeito à sua função social.
É o contrato um veículo de manifestação expressiva do direito de propriedade e, tal instituto sofrera socialização explícita conforme os termos constitucionais brasileiros vigentes de 1988.
O princípio constitucional da função social (art. 170, III da Constituição Federal) traduz que esta representa o segmento estático da economia enquanto que o contrato representa o segmento dinâmico, portanto, está implicitamente afetado pela cláusula geral da função social da propriedade.
“Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
III - função social da propriedade;”
[grifo nosso]
Enfim, o contrato revela-se em ser poderoso instrumento de circulação de riqueza e, mesmo da propriedade.
Não olvidemos que essa socialização também atingiu outros institutos como a empresa, a responsabilidade civil e, mesmo, o direito da família.
Deixa o contrato de gravitar somente em torno do indivíduo numa acepção liberal burguesa. Assim legitimado pela sociedade, o contrato deixou as rédeas atreladas somente ao interesse individual do contratante onde só fortalecia e privilegiava o forte e, prejudicava e debilitava o fraco.
Curioso é verificar que a socialização no Direito Privado não é algo tão inovador e recente e, nem mesmo invenção do novo codex civil.
Na história do Direito já constava registro onde Clóvis Beviláqua abordava tema em sua clássica obra “Direito das obrigações”.
Verifica-se que a autêntica vocação do contrato não é ser mero conciliador de interesses colidentes, mas o fato do contrato substituir a lei no campo restrito dos negócios privados. É a sua substitutividade.
Revela-se o contrato como traço civilizatório juntamente com a religião e a opinião pública e demais disciplinas sociais capazes de “trazer bem enjaulada a fera, que cada homem traz dentro de si”.
O próprio processo de constitucionalização do Direito Civil Brasileiro gerou um repensar sobre a função social da propriedade e nos demais institutos jurídicos que passaram forçosamente por uma releitura norteada pelo respeito à dignidade da pessoa humana.
Aliás princípio esse que é o alicerce e fundamento do Estado Democrático de Direito, onde prevalece o contrato sem prejuízo ao livre exercício da autonomia privada.
Além de desdobrar na relativização do princípio da igualdade dos contratantes, somente aplicável nos contratos realmente paritários (que atualmente são minorias).
Consagra-se implicitamente em todos contratos e em todas fases contratuais a cláusula geral de boa-fé objetiva que impõe deveres colaterais ou anexos de lealdade, confiança, assistência, confidencialidade de informação. Não baste cumprir a risca o contrato.
É necessário que o contrato respeite o meio-ambiente, o valor social do trabalho, amalgamando o princípio da função social assentado no art. 421 do Código Civil.
“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”
(na verdade, deveria o legislador ao invés de liberdade de contratar cogitar de liberdade contratual).
Mas o reconhecimento desse princípio não acarreta a supressão do princípio da autonomia privada e da livre iniciativa.
Reeduca-se assim o contrato, atualmente redefinido como negócio jurídico bilateral sendo meio para se atingir determinados interesses patrimoniais, criando dever jurídico principal (de dar, fazer ou não fazer) bem como outros deveres anexos, mas não se esquecendo de seu impacto propulsor no meio social e, na cidadania.
A doação é, sem dúvida, negócio jurídico onde nitidamente se identifica a faculdade real de disposição que é atributo inerente do direito de propriedade.
Em tempos remotos existiam juristas que sustentaram em priscas eras a impossibilidade de ser a doação contrato e, sim apenas liberalidade.
E calcavam tal crença no fato da parte beneficiária (donatário) que não manifestar vontade contraposta (formadora do consentimento) tendo natureza simplesmente unilateral.
Pressupunha a lei, noticiou Beviláqua que enquanto não houvesse manifestação positiva em contrário, reputava-se realizada a doação. Ilustrando seu relato referia-se a Savigny para demonstrar a possibilidade desta hipótese, recorda em forma de pagamento de uma dívida do donatário.
O Código Civil Português (art. 940) elucida bem o animus donandi que é típico da doação e o diferencia da renúncia de direitos. Vejamos:
“ARTIGO 940º
(Noção)
1. Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente.
2. Não há doação na renúncia a direitos e no repúdio de herança ou legado, nem tão-pouco nos donativos conformes aos usos sociais.”
(CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS - Atualizado até à Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro – incorporando Declaração de Retificação 24/2006, de 17/04).
[http://www.portolegal.com/CodigoCivil.html] Acesso em 16/02/2008.
De forma resumida, o diploma civil pátrio frisa em seu bojo sobre a liberalidade conforme o art. 538 do Código Civil.
“Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.”
Nosso legislador não considerou a doação como assunção de uma obrigação, cuja finalidade refere-se mais a idéia de adimplemento. (animus solvendi) do que à de mera liberalidade.
Também é relevante monitorarmos as influências jurídicas no Direito de Família e das Sucessões. Enredado em seu esboço histórico vige a instigante controvérsia sobre a natureza jurídica.
Anotou o jurisconsulto Paulo sobre o étimo afirmando que donatio provém doni, datio (doação). Daí cabe distinguir dar que é entrega sem remuneração.
DAR  DOAR
(entrega sem remuneração) (ato de liberalidade)
Historicamente, em verdade no Digesto, Livro XXXIX, Título VI, fragmento 35, parágrafo primeiro temos “dicta est a dono quase dono datum”, (prometida é ao dono, quase ao dono dá). Não havia referências quanto à natureza jurídica da doação bem como sua origem.
Nas Institutas de Justiniano consta a doação apenas como modo de adquirir propriedade (Título VII, Livro II).
O grande Teixeira de Freitas em sua Consolidação das Leis Civis, comparava a doação à alforria gratuita.
O texto do codex civil de 1916 tratou a doação dentro do direito contratual (arts. 1.165 a 1.178) hoje revogados conforme os arts. 538 a 564 do Código Civil.
Urge avisar que não há sinonímia entre doação e “cessão de direitos”. Tem por objeto coisas materializadas, corpóreos, passíveis de alienação, enquanto a cessão versa sobre direitos.
Evita-se utilizar o vocábulo “alienar” (que significa tornar alheio, alhear do patrimônio para transferir para o patrimônio de outrem).
Para caracterizar a cessão gratuita ou onerosa de direitos. A boa técnica nos informa que direitos não são vendidos nem doados, mas sim cedidos.
Os romanistas mais modernos, entre eles Savigny, Arndts e Unger sustentavam tratar-se de “causa genérica de atos e relações jurídicas diversas”. Somente depois os pandectistas (Windscheid e Dernburg) sustentaram a natureza contratual da doação.
Posto que alienação caracteriza a transferência de bens corpóreos e materiais, coisas de um titular para outro, reservando-se o termo “cessão” para direitos em geral.
Crucial é pontuar definições entre liberalidade e motivo. A primeira é a autêntica mola propulsora da doação e que guarda íntima relação com a gratuidade e da unilateralidade.
A liberalidade é a causa da doação [grifo nosso], ou seja, a razão determinante, o fim imediato que gera a declaração de vontade no contrato de doação.
O motivo ou animus (móvel subjetivo) está no plano psíquico do agente, não tendo relevância para o Direito.
Pressupõe o art. 538 do Código Civil o ânimo de generosidade do doador. Expressando ser contrato benéfico que se propõe a beneficiar o donatário com uma liberalidade.
“Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.”
A liberalidade é a intenção de bem fazer, de proteger e, é elemento integrante do contrato de doação.
O motivo que leva a doar, se é amor, vaidade, ou temor de censura alheia. Mas pode conforme o art, 166 do Código Civil determinar nulidade, no inciso III, o motivo determinante, comum a ambas partes, for ilícito.
“Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
(...)
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;”
O motivo nesse contexto traduz a idéia de causa.
A liberalidade enceta-se como causa da doação, diversa da acepção do motivo mais afeita ao plano psicológico.
Relembra Caio Mario que o Código Civil Napoleônico não incluía a doação entre as modalidades contratuais, encarando-a como forma de aquisição de propriedade, mantendo-se fiel a herança romana.
E, isso se deveu a ausência da bilateralidade das prestações que para dogmática francesa era imprescindível para caracterizar o contrato. (art. 893, Code Napoleon).
Formado e firmado entre doador e donatário, o primeiro transfere bens, móveis ou imóveis para o patrimônio do segundo, que os aceita pelo mote da beneficência ou liberalidade (como causa da avença negocial).
Não é contrato real, pois diferentemente do mútuo, depósito ou comodato se aperfeiçoa antes mesmo da traditio (entrega) da coisa ao donatário, perante solu consensu.
Principal característica contratual é a unilateralidade que revela que implica em direitos e obrigações para um dos contratantes, embora deflua da existência de duas ou mais manifestações de vontade.
É possível, leciona Pablo Stolze cogitar-se em contrato plurilateral (ou multilateral) na medida em que haja mais de dois contratantes com obrigações, como é o caso do contrato de constituição de uma sociedade ou de condomínio.
Estabelecendo o contrato “uma via de mão única”, com as partes em posição estática de credor e devedor e pelo fato de fixar prestação pecuniária apenas para uma das partes, como na doação simples, temos o contrato unilateral.
Ao passo que o contrato bilateral ou plurilateral têm-se a produção simultânea de prestações para todos os contratantes, pelo sinalagma (daí os contratos serem chamados de sinalagmáticos ou de prestações correspectivas e correlatas).
Defendem alguns que há um tertium genus que seria o contrato bilateral imperfeito que ab initio seria unilateral mas, durante a execução contratual, converter-se-ia em bilateral. É o caso do depósito (art. 643 do Código Civil de 2002) em virtude de circunstância superveniente.
“Art. 643. O depositante é obrigado a pagar ao depositário as despesas feitas com a coisa, e os prejuízos que do depósito provierem..”
Embora seja doação essencialmente unilateral, a doação onerosa é aquela que impõe encargo ao donatário, apesar de não ser contraprestação, a ponto de determinar a natureza do contrato.
O ônus deverá ser cumprido pelo donatário em benefício dele mesmo, e não tem o matiz de contraprestação obrigacional.
Poderá o doador revogar o negócio se o encargo não for cumprido. Desde o dia da celebração do ato, o donatário já adquire a propriedade da coisa, ainda que não tenha efetivado o pagamento devido (art. 136 do Código Civil).
“Art. 136. O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva.”
A rigor, o contrato de doação somente impõe obrigação para uma das partes, que é o doador, não desvirtuando sua unilateralidade nem mesmo com existência de onerosidade (doação com encargo). Seria contrato oneroso e unilateral.
Seria mais um exemplo de contrato unilateral oneroso (bem como no caso de mútuo feneratício).
Vige a regra geral que para os negócios jurídicos há a forma livre, podendo, entretanto o legislador prescrever determinada forma como requisito de validade para o ato (forma ad solemnitatem).
Expressa o direito positivo pátrio o princípio da liberalidade da forma (art. 107 do Código Civil).
“Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”
É o resultado da evolução jurídica oriunda dos atos realizados pelos particulares, a expansão da autonomia da vontade e conseqüente abstenção do Estado que se aparta de sua preferência, na sua função de superintendente, pronto a intervir, quando é necessário restabelecer coativamente o equilíbrio de interesses.
Não confunda a forma com elemento existencial do negócio, com a adequalidade da forma como pressupostos de validade.
Forma especial requisitada por lei dá azo ao negócio ad solemnitatem. Como exemplo temos, o testamento, (formas pública, cerrada e particular). E, ainda os contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis acima do valor fixado em lei, onde a forma é indispensável para a validade do ato.
A exigibilidade da forma não atinge a liberalidade como essência do contrato de doação. A doação excepcionando-se da liberdade das formas, caracteriza-se por ser formal.
Ressalta Ripert e Boulanger que o contrato de doação é negócio jurídico formal ou solene.
Mas poderá ser meramente consensual (verbal) se tiver por objeto bens móveis de pequeno valor e se lhe seguir de imediata tradição.Porém, tal fato não o torna contrato real. Reafirmo que é contrato consensual.
É possível a doação verbal e, nesse caso a tradição do bem doado se traduz em execução da avença firmada.
A mensuração do conceito de “pequeno valor” verificar-se-á a cada caso concreto e como sugestão doutrinária indica Pablo Stolze que não suplantasse o teto de um salário mínimo vigente.
Melhor será verificar em comparação ao patrimônio do doador à época da doação.
Registre-se que não perdura a mesma para a doação verbal quando versar sobre bem imóvel de valor superior a 30 (trinta) salários mínimos, sendo indispensável a lavratura de escritura pública sob pena de nulidade absoluta.
O art. 108 do Código Civil determina que:
“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”.
Aliás, é exigível a escritura pública não apenas nas alienações onerosas, mas também nas gratuitas e nas constituições de garantia real imobiliária.
O animus donandi entendido como o ânimo ou propósito de beneficiar patrimonialmente o destinatário da vontade do doador.
Não pode ser confundido com a simples renúncia abdicativa, ou seja, que é manifestação negocial por meio da qual o declarante simplesmente se despoja do bem do patrimônio, sem beneficiário certo ou determinado.
Diferentemente da renúncia translativa onde o declarante abre mão do bem em favor de certo beneficiário.
Também não se pode confundir animus donandi com animus solvendi que é a intenção de solver uma obrigação a que está patrimonialmente vinculada.
Eis aí a diferença entre doação e a dação em pagamento (arts. 356 a 359 do Código Civil de 2002) que é forma especial do pagamento, visa solucionar a obrigação principal.
“Art. 356. O credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida. Art. 357. Determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as partes regular-se-ão pelas normas do contrato de compra e venda.”
(...)
“Art. 358. Se for Título de crédito a coisa dada em pagamento, a transferência importará em cessão. ”
“Art. 359. Se o credor for evicto da coisa recebida em pagamento, restabelecer-se-á a obrigação primitiva, ficando sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiros.”
Enquanto a doação pura prima por sua gratuidade e, unilateralidade a doação com encargo ou modal prima por sua onerosidade.
A doação por definição e conceituação doutrinária é: contrato gratuito. O que pode realçar eventual fraude contra os credores, se produz empobrecimento do doador e, como efeito deste, o enriquecimento do donatário caracterizando a certeza do prejuízo do doador, e do lucro do donatário.
Sufocada a gratuidade peculiar ao contrato de doação conforme se tem no negotium mixtum cum donatione.
Há curiosa passagem jurisprudencial do Tribunal de Relações de Coimbra pois a despeito da gratuidade típica da doação, admitiu o tribunal luso que a doação poderia gerar obrigação alimentar a cargo do donatário.
O processo em questão se referia a uma senhora que doava quase diariamente cheques e dinheiro a certa organização religiosa mas que posteriormente quando acometida de leucemia veio a necessitar de apoio financeiro para custeio de seu tratamento médico.
Argumentou-se que a instituição donatária multiplicou os rendimentos doados, sendo imperioso que amparasse a antiga doadora num instante de grande necessidade.
Verifica-se que a referida decisão seria inaplicável ao direito brasileiro por falta de previsão legal, mas se percebe o nítido atuar do princípio do solidarismo na relação contratual da doação.
Assim mitigando-se e em suma, relativizando a gratuidade da doação.
Outra questão é atinente a doação remuneratória que não deixa de ser liberalidade bem como a doação em contemplação do merecimento de alguém.
Como tal reflete demonstração de gratidão que visa recompensar o donatário por serviços prestados mas que pelos quais não se torna credor de prestação exigível.
Será doação pura o quanto exceder ao valor de serviços remunerados ,ou seja, patente está a onerosidade mista. Assim responde o doador pelos riscos da evicção e pela garantia dos vícios redibitórios (arts 441, parágrafo único e art. 447 do Código Civil).
“Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.
Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.”
(...)
“Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública”
Classifica a boa doutrina como doação remuneratória como imprópria.
Outra norma relevante para nossa análise é o art. 548 do Código Civil onde se encerra dispositivo de cunho moral, não se admitindo a emulação grave de doação em prejuízo da própria sorte do doador.
“Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.”
A nulidade da referida doação in totum visa preservar o crédito posto o patrimônio que o doador constituiu a garantia geral dos credores.
A miserabilidade do doador ainda se verifica se não se reservara usufruto de bens ou renda suficiente à sua subsistência.
Assim em tese a doação com reserva de usufruto afasta a nulidade prevista no art. 548 do Código Civil, mas se a doadora é idosa, em avançada idade, analfabeta e sem nenhuma segurança para sua sobrevivência, eis a plena identificação do vício da manifestação de vontade (vide STJ, 3ª T, Resp 656.985, julg. 07/10/2004, publ. 06/12/2004).
“Doação. Reserva de usufruto. Art. 1.175 do Código Civil de 1916.
Prova.
1. Em tese, doação com reserva de usufruto afasta a violação do art. 1.175 do Código Civil de 1916, como alinhavado em precedente da Corte. Todavia, no caso, não se impõe o precedente diante das circunstâncias de fato detectadas pelo Tribunal de origem, sendo a doadora pessoa de idade avançada, com cerca de noventa anos, analfabeta e sem nenhuma segurança para a sua sobrevivência, com a identificação de vício com relação à dificuldade da autora em manifestar sua vontade.
2. O exame da prova deu-se de acordo com esse cenário de fato, não havendo falar em valoração para os fins de seu reexame escapar da Súmula nº 7 da Corte.
3. Recurso especial não conhecido.”
(STJ, 3ª T. REsp 656.985/PR / RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes, julg. 07.10.2004, publ. DJ. 06.12.2004, p. 310 – RNDJ vol. 64, p. 118 – RSTJ vol. 199, p. 379).
Embora sendo nula a doação in totum, reprovava Clóvis Bevilaqua que ainda se precisasse do credor intentar ação pauliana para anulá-la.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 26/02/2008