Anotações sobre o contrato de depósito
O contrato de depósito está situado entre os contratos de empréstimo e está disciplinado entre os arts. 627 ao 652 do Código Civil de 2002. É o contrato pelo qual o depositário recebe determinado bem para sua guarda até que o depositante o reclame (art. 627 do C.C.).
Recebe o depositário bem móvel e corpóreo para guardar até que o depositante o reclame. Conforme a manifestação de vontade, o depósito pode ser necessário (ou obrigatório) subdividindo-se este último em legal e miserável.
O depósito voluntário é o que decorre de acordo de vontades entre as partes, sem que haja qualquer tipo de imposição exterior (art. 627 a 646 do C.C.). O depósito necessário decorre de uma imposição legal ou de uma situação de calamidade (art. 647 a 652 do C.C.). São três as hipóteses de depósito necessário: a) o decorrente de imposição legal; b) o depósito miserável; c) depósito de bagagens dos hóspedes.
Sua natureza jurídica é contrato real (ou seja, aquele que se aperfeiçoa com a traditio da coisa), gratuito e não-solene e unilateral. É não-solene pois não há forma exigida por lei como requisito de validade. No entanto, a forma escrita exigida para a prova do depósito voluntário conforme prevê o art. 646 do CC. Além de ser contrato típico, nominado, gratuito, não solene, intuitu personae e unilateral.
Afirma a boa doutrina que a distinção entre os contratos bilaterais imperfeitos e os bilaterais está em que, nestes, as obrigações recíprocas existem desde a origem e são correlatas, enquanto naqueles a obrigação de um dos contratantes advém ulteriormente e não guarda correspectividade com a prestação do outro contratante, originado causação independente e eventual. Portanto, é eventual e superveniente.
Assim, vale dizer que não poderá ser provado depósito mediante somente testemunhas. A forma é ad probationem tantum. Mesmo para o depósito necessário carece para a prova a forma escrita (conforme prevê o art. 648, parágrafo único do C.C.).
Em regra, o depósito é gratuito pois se refere a um favor que o depositário faz em relação ao depositante. Mas é possível haver disposição expressa estabelecendo remuneração ou mesmo esta decorrer de profissão (como o guarda-móveis) e, nesse caso, o depósito Será oneroso (art. 628 do C.C.).
Podemos evidenciar o depósito na forma de contrato bilateral e oneroso no caso de guarda de veículos em estacionamentos de shoppings centers, sendo modalidade contratual atípica além de ser comutativo. Podendo ainda ser tanto um contrato paritário como contrato de adesão.
Por fim, trata-se de um contrato causal, cujos motivos determinantes podem impor o reconhecimento da sua invalidade, caso sejam considerados inexistentes, ilícitos ou imorais. Por sua função econômica é o depósito um contrato de crédito pois resta caracterizado pela obtenção de um bem para ser restituído posteriormente, calcado na confiança existente entre os contratantes. É também contrato principal, definitivo além de ser temporário, não havendo impedimento que se por prazo indeterminado.
Na ausência de previsão legal ou contratual esta será fixada pelos usos do local e, na sua falta por arbitramento judicial conforme o art. 628, parágrafo único do C.C. Privilegia o C.C. a aplicação dos usos locais e costumes para fixação de prazos, conforme também, o art. 445, segundo parágrafo do C.C.
O depósito necessário não se presume gratuito e, no caso dos hóspedes, tem sua remuneração embutida no valor cobrado pela hospedagem. Em relação à tipicidade do contrato e do objeto, poderá o depósito poderá ser classificado em regular, quando se tratar de coisa infungível, sendo irregular, quando se tratar de coisa fungível.
Em regra, é contrato unilateral pois gera apenas para um dos contratantes deveres em face do outro, ou seja, do depositário em face do depositante. Apesar de ser contrato unilateral este decorre forçosamente de duas vontades, mas que só geram deveres apenas para um dos contratantes.
Mas é possível o depósito bilateral e oneroso diante da convenção das partes. Há ainda o depósito oneroso prestado por instituições bancárias que podem ser configurados como contratos de consumo, aplicando-lhes o CDC.
Outro dado relevante é frisar que o Banco e instituição financeira não podem reter salário automaticamente por causa de débitos oriundos de cheque especial ou cartão de crédito e, só para melhor elucidar vide a jurisprudência noticiada pelo consultor jurídico (http://conjur.estadao.com.br/static/text/60955,1).
O contrato é comutativo e também personalíssimo se fundado na confiança do depositante em face do depositário. Via de regra, é temporário embora possa ser fixado por prazo indeterminado.
A guisa do contrato de comodato e do mútuo só se aperfeiçoa com a entrega da coisa a ser depositada, o que já identificamos que é um primitivismo desse contrato,
(vide in “A evolução doutrinária do contrato
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revistajuridica/index.htm).
No depósito vige a obrigação de custódia sobre a coisa sem poder usá-la. Em regra, o depósito incide sobre bens infungíveis. Sobre o depósito irregular aplicam-se as regras relativas ao mútuo (art. 645 do C.C.).
As regras do depósito voluntário ou convencional onde deverá o depositário devolver a coisa depositada com todos os frutos e acrescidos (art. 629 do C.C.). Por essa razão, é que a jurisprudência tem entendido que não tem validade da cláusula de não-indenizar, particularmente no depósito de jóias e pedras preciosas em cofres bancários, cabível a aplicação do CDC.
(1º. Tribunal de Alçada Civil de SP, Proc. 1224607-6, Apelação: Origem SP, Julgador 5ª. Câmara j. 10/12/2003, relator: Álvaro Torres Junior, Revisor: Manoel Mattos. Decisão deram provimento em parte, v. u.).
A proteção ao sigilo (art. 630 CC) é decorrente da proteção ao direito da personalidade (art. 21 do CC e art. 5º, X da CF/88). Descumprido este dever pelo depositário, poderá o depositante ingressar com ação de rescisão de contrato por resolução (inexecução voluntária) sem prejuízo das perdas e danos. (arts. 389, 391, 402, 403 e 404 do CC) incluindo-se danos morais (art. 5º, V e X da CF de 1988).
O art. 631 CC prevê que, salvo disposição em contrário, a restituição da coisa deve dar-se no lugar em que tiver de ser guardada. As despesas da restituição correm por conta do depositante.
O depósito feito em interesse de terceiro, deverá ser cientificado o depositário. Do contrário, não poderá o depositante exonerar-se restituindo a coisa ao depositante sem o consentimento do terceiro interessado (art. 632 do CC). É uma exceção ao princípio da relatividade dos efeitos contratuais aproximando-se da estipulação em favor de terceiro (prevista nos arts. 436 a 438 do C.C).
Em regra, deve devolver a coisa depositada assim que a mesma seja requisitada pelo depositante (art. 633 do CC) mas, há exceções nos casos de:
a) se tiver o direito de retenção previsto no art. 644 do CC, em relação às despesas e prejuízos do depósito;
b) se o objeto for judicialmente embargado;
c) se sobre o bem depositado pender execução, sendo notificado o depositário;
d) se houver motivo razoável de suspeitar que a coisa fosse dolosamente obtida, quando deverá requerer que seja recolhida ao Depósito Público, mediante pedido judicial (art. 634 do CC).
Há de se discernir o que é depósito voluntário do depósito necessário (art. 647 CC). Em qualquer das hipóteses, todavia, o dever do depositário consiste no “cuidado de custódia”.
Aliás, pela definição depositário é aquele que, segundo o art. 627 do CC, recebe um bem para guardar, até que o depositante o reclame, e que tem a obrigação de conservar a coisa depositada com cuidado e diligência que costuma ter como proprietário (vide TJRJ, 7ª. C.C. Ap. cív. 200400129136, Des. Rel. Marcos Aurélio Fróes, julg. 03.05.2005).
O objeto do contrato é sempre bem móvel e corpóreo. Para a caracterização de bem móvel é preciso dois elementos: a) possibilidade de remoção, por força própria ou alheia; b) conservação da própria substância ou destinação econômica-social.
A maioria da doutrina pátria não admite depósito de bens imóveis e, a entrega das chaves de imóvel para guarda, na realidade se traduz em contrato de prestação de serviços, uma vez que não faz parte do contrato de depósito a obrigação de conservação ou a “vigilância mais ativa”. Ao revés, no entanto, Caio Mário afirma a possibilidade de depósito mesmo de bens imóveis, nos casos de depósito judicial e, no seqüestro (seriam obviamente hipóteses de depósitos necessários).
Venosa também o admite, principalmente em razão de ato judicial, e mesmo na ausência de contrato, são aplicáveis as regras do Código Civil Brasileiro, que não sejam incompatíveis com a medida judicial, como o poder do depositante de exigir a devolução da coisa a qualquer tempo. Tepedino alerta para o fato de o depósito judicial ser distinto da etiologia contratual do depósito, mais ligado às regras de direito adjetivo e direito administrativo.
O conceito de bens corpóreos prende-se a materialidade que pode sentir pelo tato. Os chamados bens incorpóreos padecem da dificuldade e de se efetuar a traditio (entrega). Mas, contudo, é possível haver o depósito de bens ainda que imateriais e incorpóreos, ou venha se materializar através de títulos de crédito, direitos autorais e, etc.
Como contrato real, com a traditio opera-se a transmissão de posse do objeto, ainda que pela simples inversão do animus.
Venosa observa que embora boa parte da doutrina refute, o depositário exerce a posse direta sobre o bem enquanto em seu poder. E, o depositante a posse indireta.
Serpa Lopes acompanhando outras vertentes doutrinárias discorda, assim como o faz em relação ao comodato e mútuo, e sustenta que a traditio seria mero ato executório do depósito, sendo que, para sua formação bastaria a manifestação de vontade das partes, já que o depositante pode exigir do que assumiu a obrigação de depositário, o recebimento da coisa. Considerando-se consensual o contrato de depósito
A jurisprudência segue a majoritária doutrina e reafirma a natureza real do contrato de depósito, cuja consumação se efetiva no momento da entrega do bem, e depende, portanto, de o depositante deter a posse direta do bem a ser depositado.
Tradicionalmente é considerado o contrato de depósito como gratuito ou benéfico, mas podem as partes convencionarem por sua onerosidade. Dentro da evolução doutrinária dos contratos, é o contrato de depósito nitidamente dotado de vestígios primitivos, exatamente como todos os contratos reais em geral.
Pontifica o grande e saudoso mestre baiano Orlando Gomes que a gratuidade não é da essência do depósito. Classifica-se, ainda, o depósito em face de sua gratuidade como contrato unilateral em face de atribuir obrigações somente ao depositário. Ao depositante cumpre apenas a entrega do bem que tecnicamente selaria a avença contratual. Tendo este ainda, o direito de exigir que seja dada a conservação do bem e, sua restituição quando findo o prazo contratual, ou quando do interesse do depositante quando houver prazo indeterminado.
O depósito já era freqüentemente utilizado pelos gregos sob a denominação parakatatheke e. que existia sob a proteção dos deuses tendo peculiaridades num ritual sagrado. Para os romanos existiam sanções que protegiam o depósito: a actio depositi directa, que punia a violação das obrigações do depositário, obrigando-o à devolução e a actio depositi contraria, que punia o descumprimento das obrigações do depositante, compelindo-o a reembolsar o depositário pelas despesas indispensáveis, feitas para manutenção da coisa depositada.
Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho sustentam que o contrato de depósito tem por objeto bens móveis, afastando-se do que prevê as legislações de Portugal e Argentina que admitem o depositário imobiliário.
No entanto, alguns doutrinadores, seguindo a mesma orientação dada aos contratos de empréstimo, consideram o depósito como contrato bilateral imperfeito, na medida em que eventualmente surgem obrigações para o depositante, como a de indenizar o depositário das despesas realizadas na conservação da coisa depositada.
Renega tal classificação Serpa Lopes posto que as eventuais obrigações do depositante, no curso do contrato, constituem fato casual e posterior, não podendo ser considerado traço peculiar do depósito.
Será considerado o depósito um contrato oneroso ou sinalagmático quando estabelecida remuneração ao depositário, caracterizando obrigações para ambas as partes. A onerosidade modifica radicalmente a causa do contrato de depósito que nessa hipótese passaria a ser bilateral e sinalagmático e, até mesmo consensual, diante do vínculo de interdependência entre as prestações contratuais, com todos os efeitos jurídicos previstos no C.C.
Utilizando-se a noção de causa de contrato como síntese dos efeitos essenciais do negócio jurídico, deve-se ressaltar que tais efeitos se interligam entre si, ou não. De tal forma que o depósito oneroso e bilateral será regulado juridicamente de maneira diversa, do que sua modalidade gratuita e unilateral.
É contrato intuitu personae posto que o depositário seja pessoa de confiança do depositante, devendo atuar com a mais estrita boa-fé objetiva, sendo um negócio típico de fidúcia. E, por essa razão justifica-se a agudeza da prisão do depositário infiel bem como do devedor de alimentos excepcionada e permitida expressamente pela Constituição Federal Brasileira vigente. (Vide ainda: http://conjur.estadao.com.br/static/text/43674,1 ).
Cumpre assinalar que é contrato não solene vez que não haja exigência de qualquer formalidade para que o contrato se constitua completa e validamente. Sendo a forma escrita necessária somente para a prova do depósito voluntário.
A finalidade precípua do depósito é a guarda do bem para sua posterior restituição que pode ser pedida pelo depositante. Aliás, é exatamente a finalidade que diferencia o depósito do comodato, onde o prazo é fixado em favor do comodatário que está utilizando a coisa.
A possibilidade de o depositário poder usar a coisa, cria certa similitude com o comodato ou mesmo com mútuo, onde o uso da coisa constitui seu elemento principal (empréstimo de uso), o que seria “um defeito de orientação” assinale que a referida faculdade de uso não descaracteriza o depósito.
O dever de custódia é fundamental e inclui a providencial conservação e manutenção da coisa, e dependerá da natureza do bem depositado. A guarda, a possibilidade de utilização da coisa e a obrigação de restituição são relevantes aspectos para diferenciação do depósito dos demais contratos, especialmente o de locação de coisas.
É fervoroso o debate sobre a natureza jurídica da guarda de valores em cofres bancários e de automóveis em garagens. No primeiro caso, a tendência é reconhecer como locação, mas no segundo caso, é assunto complexo, devendo evidenciar quando configurar relação de consumo, como por exemplo, nos estacionamentos em shopping centers, supermercado, restaurantes e locais públicos.
No entanto, a jurisprudência já pacificou a celeuma e procura considerar a guarda de carros nas garagens como contrato de depósito (vide TJRJ, 6ª. CC, Ap. Cív. 199500102200, TJRJ 12ª. CC, Ap. Cív. 1998 00 11377).
O verbete 130 sumulado pelo STJ em 1995 diz in verbis: “ A empresa responde, perante o cliente pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento.”.
Todavia o mesmo estacionamento dos carros em logradouros públicos não é visto pela majoritária jurisprudência como depósito. Apesar de não haver nítida distinção no Código Civil vigente, é possível o depósito de coisa alheia. Aliás, o depositante não precisa ser necessariamente o proprietário da coisa depositada, mas precisará ter legitimidade para transferir a posse direta do bem.
Aliás, no caso do mútuo operou-se uma inversão, pois se presume oneroso, ou seja, presume-se que seja feneratício. O que demonstra melhor adequação à realidade social e econômica das figuras contratuais reguladas pelo novo codex.
A diferença entre contratos onerosos e gratuitos deve se pautar pelo teor do art. 392 do CC principalmente para fins de aferir a responsabilidade civil. O favorecido só responde pelo descumprimento em caso de conduta dolosa, a gratuidade do depósito pó si só, não elide a responsabilização do depositário por danos ou perda do bem depositado.
O parágrafo único do art. 628 do CC traz nova disposição em relação ao antigo código civil, ao prever que, não prevista contratualmente a retribuição do depositário e não a prevendo a lei, o valor será pautado pelos usos locais e, em sua falta por arbitramento judicial ou extrajudicial. A excepcionalidade onerosa ganhou abrigo no direito positivo vigente.
O art. 629 CC explicita que a primeira obrigação do depositário consiste na custódia, guarda e conservação da coisa depositada. Deve agir como se a coisa depositada fosse sua, pois, agindo com animus domini vide TJRJ, 5ª. CC, Ap. Cív. 70008619025, Des. Rel. Umberto Guaspari Sudback, julg. 13.05.2004.
A diligência é mensurada em concreto, considerando-se a pessoa do depositário, conforme se atua com sua propriedade e, em função da estima e do valor econômico do bem depositado. Não se pode exigir a diligência maior ao que dispensaria com suas próprias coisas, como ocorre, por exemplo, no comodato (vide art. 583 CC) feito a benefício do comodatário.
O desleixo habitual do depositário, ou mesmo um perfil negligente não lhe exige a responsabilidade peculiar no contrato de depósito. O dever de custódia e conservação da coisa depositada é que serve de distinção, por ser obrigação típica do depositário. Embora seja a priori intransferível, este não é personalíssimo, podendo mesmo ser exercido através de prepostos ou auxiliares que atuem sob a responsabilidade direta do depositário, salvo se as circunstâncias do contrato expressamente não o admitam.
A segunda obrigação de depositário é a restituição do bem, assim que lhe for solicitada pelo depositante com os frutos e acrescidos (art. 97 CC), é típica obrigação de resultado enquanto que a obrigação de guarda é correspondente a uma obrigação de meio.
A restituição deve ser do exato objeto depositado, é portanto, in natura, de sorte que se forem títulos de crédito deverá o depositário devolver os papéis e, não o seu respectivo valor, não responderá por eventual prescrição, decadência ou inadimplência do devedor.
No depósito irregular (art. 645 CC) não é possível a restituição in natura, posto que os bens sejam fungíveis e poderão ser restituídos por bens de mesma espécie qualidade e quantidade, é o caso por exemplo, do depósito bancário (vide TJRJ, 7ª. CC., Ap. Cív. 1999 00111058, Rel. Des. Luiz Roldão F. Gomes, julg. 19.10.1999).
Porém a fungibilidade pode se transformar em infungibilidade, em face da segurança pública, como ocorre, por exemplo, com o gás liquefeito (vide TJRJ, 7ª. CC, Ap. Cív. 19970010 7830, Rel. Des. Luiz Roldão F. Gomes, julg. 15/09/1998).
Outras exceções são admitidas quando por força maior o bem depositado é perdido sendo substituído por outro, ou ceder ao depositante as ações que tiver contra terceiro responsável pela restituição da primeira (art. 636 C.C.).
Outro caso é quando o herdeiro do depositário de boa fé vende o bem depositado, fica obrigado a assistir o depositante em ação reivindicatória e a restituir o preço pago pelo terceiro adquirente (art. 637 C.C.) e, por fim, quando o bem depositado é perdido em função da culpa do depositário que responderá civilmente pelas perdas e danos e, até criminalmente se tipificar apropriação indébita. (art. 168 do CP)
Caracteriza ainda apropriação indébita a negativa de restituição do numerário depositado quando o banco ou instituição financeira exigir maior prazo ou outros requisitos para que o correntista realize o saque.
O contrato de depósito transfere apenas a posse direta sobre a coisa ao depositário e, não a propriedade. Portanto, devem ser restituídos ao depositante tantos frutos naturais, civis e industriais que sejam percebidos ou pendentes, diferindo da regra contida no art. 1.214 do C.C.
Cumpre o depositário informar ao depositante da existência desses frutos e, se os ocultar ou omitir-se estará violando o princípio da boa-fé objetiva, produzindo inadimplência contratual. A violação do princípio da boa-fé objetiva em qualquer contrato ou fase contratual corresponde à inadimplência contratual. É princípio cogente, ditado pela ordem pública.
Não responde o depositário pela perda ou deterioração da coisa em depósito se esta ocorrer em decorrência de fortuito ou força maior, cabendo-lhe provar sua ocorrência. O que for sub-rogado no lugar do bem depositado e destruído ou deteriorado, e deve ser entregue ao depositante (art. 636 C.C.).
O prazo para restituição mesmo prefixado em contrato, não impede que o depositante possa requerer a devolução do bem a qualquer tempo. Esse prazo deverá ser estabelecido a favor do depositário, no caso do contrato estar vinculado a outro negócio jurídico.
A não restituição do bem depositado sujeita o depositário à prisão civil e ao ressarcimento dos prejuízos causados (art. 652 C.C.). Entende Caio Mário que o depositário deve guardar sigilo sobre o depósito como decorrência da natureza fiduciária do contrato, e se lhe foi entregue o bem lacrado, fechado ou selado, assim deve permanecer e ser restituído. Salvo se ocorrer o rompimento do lacre ou do invólucro por caso fortuito ou força maior, quando não restará ao depositário o dever de ressarcir o depositante, devendo comprovar cabalmente a ocorrência de tais excludentes.
Assinale-se que agrava a responsabilidade do depositário se o depósito lhe foi entregue fechado, lacrado ou selado, pois surge também obrigação acessória de sigilo sobre o bem depositado. Descumprida essa obrigação, deverá indenizar o depositante, podendo submeter-se a incidência de cláusula penal compensatória. Também ocorre a violação do dever contratual, se o depositário indiscreto revela a outrem sobre o conteúdo do depósito.
As despesas decorrentes da restituição do bem depositado deverão ser arcadas pelo depositante bem como as referentes ao transporte da coisa. Inova o C.C. de 2002 ao positivar normas atinentes ao lugar e as despesas da restituição na esteira de entendimento já pacificado em doutrina.
Em regra geral, o pagamento efetua-se no domicílio do devedor (portable), no contrato de depósito, o devedor in casu é o depositário, logo o bem deverá ser restituído ao depositante no domicílio do depositário.
Não se exime o depositário de seu dever de restituição se não provar que fez a entrega do bem ao procurador dotado de poderes especiais para tanto. A lei em verdade não diferencia a responsabilidade do depositário em função de ser o depósito oneroso ou gratuito e, nem quanto à responsabilidade do depositante no que tange as despesas de restituição.
O art. 632 do CC passível de simples interpretação, ou seja, o contrato de depósito pode ser feito no interesse de terceiro. Assim se revela como contrato em favor de terceiro (arts. 436 ao 438 do C.C.). Sabendo o depositário dessa particularidade, não se libera restituindo o bem ao depositante, sem a expressa anuência do terceiro beneficiado.
A obrigação do depositário de restituir o bem depositado é ad nutum, isto é, logo que lhe seja exigida, mesmo havendo expressa previsão contratual estipulando prazo para a restituição, posto que este prazo é laborado em benefício do depositante.(vide TJRJ, 8ª. CC Ap. Cív. 200400135317, Rel. Des. Letícia Sardas, julg. 12.04.2005.
O prazo obriga o depositário, mas serve também para delimitar temporalmente a extensão de sua obrigação de custódia e guarda. Se não fixado o prazo para restituição, presume-se o prazo razoável necessário para a realização da finalidade do contrato, sempre no interesse do depositante.
A obrigação de restituir é a regra, porém há exceções expressas positivadas em lei, onde cabe recusa e tais hipóteses devem ser interpretadas restritivamente. A primeira exceção diz respeito à existência de direito de retenção do bem (art. 644 CC); a segunda exceção refere-se ao embargo judicial ou pendência de execução que recaia sobre o objeto depositado, notificada ao depositário.
A simples existência da demanda não labora, contudo justo motivo para a recusa legítima de restituição ao depositante. É curial distinguir com nitidez o conceito de coisa litigiosa e coisa embargada.
Perde-se a disposição sobre o bem embargado que sofreu (arresto, seqüestro e outras medidas cautelares similares). Com embargo, o depositário (por via contratual) é considerado depositário judicial. O mesmo ocorrerá em caso de penhora do bem depositado.
A derradeira exceção ao dever de restituição do bem é consoante ao motivo razoável e, não se exige que o depositário tenha certeza absoluta quanto à origem ilícita do bem. Basta a suspeita fundamentada em motivo razoável. Do contrário, prevalece o direito do depositante a indenização por recusa infundada e por quebra contratual.
Defende Caio Mário que não pode o depositário recusar-se a devolver o bem apenas por suspeitar de sua procedência ilícita em tal caso, deverá recolhê-lo ao depósito público (art. 634 CC) de forma fundamentada. É curial diferenciarmos seqüestro que é o depósito de coisa litigiosa e tanto pode compreender bens móveis como imóveis, é efetuado por mandado judicial cuja expedição obedecerá aos requisitos ditados pelo Código de Processo Civil Brasileiro (arts. 822 e s.).
Com a morte do depositante, a restituição passa ser direito de seus herdeiros necessários. Pode o depositário, no entanto, adiar a dita restituição, caso não exista prova cabal da qualidade dos herdeiros necessários ou dos sucessores deixados pelo depositante.
A falta de comprovante de depósito também justifica a recusa legítima de restituição do bem, é o que acontece com a bagagem nos aeroportos, estações ferroviárias e rodoviárias e guarda-roupas.
Há uma faculdade e não dever do depositário em não restituir a coisa depositada, se não há prova hábil do depósito ou da evidência do real depositante. Como faculdade é uma exceção somente aplicável mediante circunstâncias especiais indicada pela lei civil. Poderá outros documentos identificar com precisão a pessoa do depositante.
O art. 635 CC erige faculdade em prol do depositário, pois permanece obrigado a custodiar a coisa em depósito enquanto não findar o prazo contratual ou presumido, assim entendido que o depositário poderá eximir-se quando houver “motivo plausível”.
Realmente, trata-se de expressão vaga e de conteúdo complacente e que varia conforme o caso concreto, mas doutrinariamente pode-se entender como doença, viagem longa ou qualquer razoável razão impeditiva e que torne inviável ou extremamente penosa a guarda da coisa. Não se confunde com caso fortuito ou força maior.
Contudo, diverge a doutrina sobre alguns dos requisitos necessários para o exercício da faculdade de se requerer depósito judicial, cogita-se ser indispensável que haja motivo plausível e/ou a recusa do depositante em receber a coisa.
Para João Luiz Alves pode haver contrato de depósito com prazo determinado ou não; para Beviláqua e Carvalho Santos e W. Barros Monteiro tal faculdade só é cabível ao depositário sem prazo fixado para restituição.
Porém, Silvio Rodrigues alega ser justificável mesmo ante o depósito gratuito, mas não parece ser tão evidente no depósito oneroso. Promovendo o depósito judicial do bem, exonera-se o depositário de sua obrigação de restituir, livrando-se das conseqüências do inadimplemento, provado ser o motivo plausível.
Nessa situação ensina Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho que temos a hipótese de consignação em pagamento, uma vez que é obrigação do depositário de guardar, conservar e restituir a coisa. Sem dúvida a norma aberta do art. 635 do CC possui espectro amplo, composta de conceito impreciso, exigindo do magistrado extrema cautela, ao preenchê-la, no caso concreto, à luz do princípio da operabilidade.
Apesar de ser o depósito em proveito do depositante, este não poderá prejudicar ou ser muito penoso ao depositário, mormente se a título gratuito. Teresa Ancona Lopez, (apud Tepedino) alega ser a exceção ao princípio do pacta sunt servanda em face da gratuidade do contrato de depósito.
Contudo, para a ilustre doutrinadora, se oneroso o depósito, restará bem caracterizado o rompimento contratual, e, o depositário arcará com as perdas e danos daí decorrentes. Somente o distrato, o caso fortuito e a força maior são capazes de exonerar a responsabilidade do depositário em restituir a coisa.
O art. 638 CC expressa a principal obrigação de depositário que é a restituição. Por ser tão importante, seu descumprimento é sancionado com a prisão civil do depositário infiel. Não cabe ao depositário escudar-se de devolver o bem depositado alegando que este não pertence ao depositante, posto que não seja mandatário e nem representante de terceiros para defender-lhe a propriedade.
Pode o depositário negar-se a devolver a coisa depositada quando alega que lhe pertence, e também não lhe é exigido agir contra seus próprios interesses. Não se trata de direito de retenção, mas de desdobramento do direito de propriedade.
O direito de retenção ou jus retentionis não é um direito real e, sim direito de natureza pessoal com eficácia coercitiva, especialmente, pois visa forçar cumprimento de prestação devida ao seu titular, (no caso, pagamento devido ao depositário).
Excepcionalmente poderá o depositário exercer o direito de retenção, conforme explicita o art. 644 CC. Mas, não pode o depositário reter a coisa para fins de compensação, salvo se à sua dívida puder opor crédito de depósito, igualmente líquido e exigível.
A prisão civil do depositário é tema polêmico e na dicção de Álvaro Villaça Azevedo pode ser definida como: “o ato de constrangimento pessoal, autorizado por lei, mediante segregação celular, do devedor, para forçar o cumprimento de um determinado dever ou de uma determinada obrigação.” Tal prisão não tem conotação de pena e nem de castigo, serve apenas como meio coercitivo,
A partir da Constituição Federal Brasileira de 1967 passou tal medida ser de caráter excepcional e cabível nas taxativas hipóteses de inadimplemento de obrigação alimentar e do depositário infiel. Apesar de ser o Brasil signatário do Pacto de San José da Costa Rica (vide Decreto Executivo 678/92), o qual restringiu a prisão civil apenas à dívida de alimentos. Todavia, o STF reafirmou entendimento no sentido da admissibilidade da prisão para o depositário infiel. (vide em sentido contrário o Ac. 700149866525 do TJRS).
Pesa ainda divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a aceitação da prisão civil em caso de alienação fiduciária em garantia pois a legislação ordinária não permite que se caracterize como autêntico contrato de depósito, daí inadmissível a prisão civil do devedor. (vide http://conjur.estadao.com.br/static/text/62169,1 , http://conjur.estadao.com.br/static/text/52386,1).
Imprescindível o ajuizamento da ação de depósito para que o depositário possa ter garantia do contraditório, com oportunidade de restituir ou justificar a recusa ou ainda a impossibilidade quer seja fática ou jurídica de devolução dos bens depositados.
A existência de mais de um depositante quando houver co-propriedade, ou quando de seu falecimento, deixando vários herdeiros que possa ter o direito sobre a restituição do bem depositado. Nesse caso, é curial que o depositário verifique se a obrigação é divisível ou não.
Mesmo sendo divisível, não poderá esta ser restituída em partes a cada um dos depositantes. Não está autorizado o depositário a repartir ou fracionar a coisa entre os depositantes existentes, na ausência de convenção contratual, tal entendimento é endossado por Beviláqua e Carvalho Santos. Não é possível ao depositário atentar contra a natureza do bem depositado, fracionando-o ou modificando-lhe sua integridade.
Destaca-se no art. 639 CC que trata da indivisibilidade natural do bem depositado. Entende-se por indivisível o dinheiro colocado em saco ou cofre. Não pode o depositário violar tal embalagem do depósito, e, entregar a cada depositante as quantias respectivas.
Não sendo cômoda a divisão, ou seja, em porções reais e distintas, os depositantes deverão acordar sobre qual maneira de receber, cabendo a decisão judicial suprir a eventual ausência ou impossibilidade de acordo.
Antes disso, não resta obrigado o depositário a restituir o bem. Pois somente a restituição legítima, feita a quem por direito, é capaz de exonerá-lo de sua obrigação.
Ante a indivisibilidade poderá ainda o depositário entre a todos depositantes conjuntamente ou a um deles, desde que dê caução de ratificação aos outros credores. Lícita a consignação judicial, caso os depositantes não aceitarem essas alternativas.
Se houver solidariedade entre os depositantes, há, portanto, solidariedade ativa, seja por força da lei, seja por vontade das partes. Poderá o depositário entregar o bem por inteiro a qualquer destes, exonerando-se da obrigação de restituir tão peculiar ao contrato de depósito.
O art. 640 CC elenca as proibições impostas ao depositário que possui a guarda do bem e, portanto, apenas a posse direta, e não sua propriedade. É mero possuidor da coisa depositado e, em regra, não poderá utilizá-la. Para tanto necessitará de consentimento expresso do depositante.
Importante frisar que o uso da coisa depositada é excepcional posto que contrarie a natureza jurídica do contrato de depósito. Assim consentido, desnatura-se o depósito e tipifica-se como comodato (se gratuito e sobre bem infungível). Ou ainda em mútuo feneratício (se oneroso e sobre bem fungível).
Contrai o depositário outras obrigações bem similares as do locatário ou comodatário, sem prejuízo de sua obrigação de restituir.
O depositário responderá por perdas e danos pelo uso não autorizado bem como pela entrega da coisa a outro depositante. Assim, responderá inclusive por riscos à coisa, no caso de fortuito. Observe que tal proibição outrora no CC de 1916 não era textual, mas é justificável pela natureza fiducial do contrato. [grifo nosso]
O parágrafo único do art. 640 CC traduz inovação ao permitir que a coisa seja confiada a terceiro diante de consentimento expresso do depositante para tanto. O que torna a ratificar o dever de custodiar embora este não seja intransferível porém, não é personalíssimo, seja no depósito gratuito ou oneroso.
Entende Serpa Lopes que nada modifica a responsabilidade do depositário posto que a natureza jurídica da obrigação de guarda da coisa é de meio e, não de resultado (ou fim). Mas, a obrigação de restituir o bem depositado, é sem dúvida, uma obrigação de resultado.
De maneira que na traditio a terceiro remanesce intacta a responsabilidade do depositário pelos danos que eventualmente ocorram. Já mediante o consentimento do depositante, só responderá o depositário se agiu com culpa in eligendo, ou seja, na escolha do terceiro (a quem transmitiu a posse direta do bem depositado).
Não havendo o dito consentimento, é cabível a responsabilidade objetiva do depositário por atos de terceiros (arts. 932, III e 933 CC).
(vide: http://conjur.estadao.com.br/static/text/60393,1 ).
A capacidade é a regra e, requisito de validade para todos os negócios jurídicos, inclusive o depósito. A incapacidade como exceção existe no sentido de proteger aqueles que a lei nomeadamente considera como vulneráveis ou inexperientes. A incapacidade superveniente atinge e compromete a eficácia do contrato de depósito, exigindo medidas protetivas efetivas dos interesses do incapaz.
Tornando-se incapaz o depositário este não responderá pelas obrigações contraídas e, não poderá sofrer seus efeitos. Poderá o representante do depositário ser rejeitado pelo depositante (por exemplo, por não merecer a confiança deste).
Assim deverá o representante do depositário promover de imediato a restituição da coisa depositada, notificando o depositante da resolução do contrato por fato superveniente. Caso o depositante não receba a coisa, esta será recolhida ao depositário público ou nomeado judicialmente outro depositário.
A incapacidade pode decorrer da falência do depositário, com a impossibilidade de substituição do bem depositado ou ainda de seu equivalente em pecúnia e, diante da indisponibilidade patrimonial do falido, não como cogitar-se da prisão civil do depositário. (vide STJ, 4ª. T, HC 38.391, 11ª. CC Ap. 2001001127443, Des. Rel. Otávio Rodrigues, julg. 06/02/2002, TJRS HC 599 005048, Rel. Des. Genaro José Baroni Borges, julg. 04/03/99).
Reprisando, em regra, o depósito é contrato unilateral, estabelecendo somente obrigações somente para o depositário. Desta forma, as obrigações para o depositante são eventuais e supervenientes e, não se ligam pelo sinalagma contratual.
O direito positivo brasileiro não especifica amiúde quais despesas devem ser suportadas pelo depositante, e presume-se que sejam as necessárias para a conservação do bem. Já as despesas úteis e voluptuárias pressupõem o uso da coisa, o que não é peculiar do contrato de depósito. Mesmo se autorizado o uso da coisa depositada pelo depositante, não cabe exigir ressarcimento a esse. [grifo nosso]
Principalmente se atuou o depositário como bom gestor ou administrador deve ser indenizado pelo depositante pelas despesas úteis que teve até a valorização acrescida à coisa, não se admite o enriquecimento sem causa do depositante.
Igualmente os prejuízos decorrentes do depósito deverão ser amplamente indenizados pelo depositante não tendo culpa o depositário. O não-pagamento dessas despesas e/ou prejuízos gera para o depositário a possibilidade de manter-se na posse direta dos bens depositados, até ser finalmente indenizado, exercendo assim direito de retenção conforme lhe é assegurado pelo art. 644 do CC.
A remuneração, as despesas e prejuízos devem ser líquidos e certos aptos a autorizar a retenção, devendo ainda ser efetivamente provados pelo depositário. Sendo ilíquidas as despesas, não terá direito a retenção, mas poderá exigir caução idônea do depositante, ou na sua ausência, a remoção do bem para o depósito público. [grifo nosso]
Regulamenta o art. 645 do CC o depósito irregular assim denominado por incidir em bem fungível, sendo o depositário autorizado expressamente a consumi-lo, sob a condição de restituir coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade. Não é a natureza do bem depositado que tipifica se o depósito é irregular e, sim o ajuste entre as partes, que pode convencionar a devolução da coisa ainda que fungível. [grifo nosso]
Para Caio Mário dois fatores propiciam o depósito irregular: a possibilidade de consumo da coisa dada ao depositário (fator material) e o propósito de beneficiar o depositário (fator anímico).
Ao depósito irregular aplicam-se as regras do mútuo o que traz a baila antigo debate doutrinário quanto à equiparação do depósito irregular ao mútuo. Mas, não se pode confundir tais figuras contratuais, e nas sagradas lições de Pontes de Miranda apud Tepedino, temos in verbis:
(...) “O art. 1.280 do CC de 1916 ao pontificar que o depósito de coisas fungíveis, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo, desde que não se choque com o conceito de depósito”.
Mais nítida distinção entre tais figuras contratuais reside em seus fins econômicos: o do depósito irregular é a guarda da coisa, constituindo o uso, um fim acidental e acessório enquanto que no mútuo, o uso é um fim principal e direto da convenção. É empréstimo de uso. Mantém-se também nesse tipo de depósito, a obrigação de restituição da coisa, a qualquer tempo que exigida pelo depositante.
Há divergências ainda, quanto a natureza jurídica do depósito bancário, para Serpa Lopes, por exemplo, é genuíno empréstimo de consumo. Venosa em virtude do busilis sobre a natureza jurídica do depósito irregular alega ser incabível a prisão civil do depositário infiel e, em vista ainda, que o gênero nunca perece.
O depósito involuntário resultada da autonomia privada e submete-se às regras comuns da matéria. A forma escrita não é da substância do ato, sendo mera formalidade ad probationem tantum.
Poderá o instrumento de depósito a guisa do que ocorre com o seguro, ser suprido por outros comprovantes (art. 221, parágrafo único do CC) o que é prevalente tanto em doutrina como na jurisprudência.
No entanto, só se admite prova somente testemunhal nos contratos cujo valor não ultrapasse o décuplo do salário mínimo vigente (hoje, no valor de R$ 380,00 – trezentos e oitenta reais), ao tempo que foram celebrados (art. 227 CC).
Sendo coisa móvel, o escrito poderá ser instrumento particular. Caio Mário mais complacente ressalta que a forma particular é admissível qualquer que seja o valor ou natureza do bem.
A realidade fática é pródiga a nos mostrar casos de custódia comumente realizados em bares, clubes, teatros, inclusive incidindo sobre bens valiosos e, como prova de contrato de depósito há a entrega de ticket ou ficha numerada.
O art. 648 CC dispõe sobre depósito legal que resulta da lei ou da autoridade, não se formando pela vontade das partes. E, se distingue do seqüestro previsto no CPC e que incide sobre bens litigiosos, sendo remunerado podendo mesmo recair sobre imóveis, e, confere poderes de administração necessários à conservação dos bens.
Esse depósito de natureza processual pode ser voluntário ou judicial. Para Caio Mário o seqüestro voluntário equipara-se ao depósito voluntário, do qual se distingue pela litigiosidade do bem depositado, acrescido das normas de mandato se o depositário assumir encargos administrativos.
As regras de depósito voluntário se aplicam ao depósito miserável que por sua natureza, é antes ato necessário do que um contrato. O contrato de hospedagem é complexo onde predominantemente há prestação de serviços, englobando diversas obrigações entre as quais a guarda de bagagens. Mas não é um contrato de depósito perfeito posto que não admita a retenção por dívidas pelo depositante, salvo nos casos do art. 644 do CC.
Tepedino esclarece que o depósito de bagagens equipara-se ao depósito para efeitos de conservação, mas terá o hoteleiro o direito de penhor legal para a garantia de pagamento das despesas de hospedagem (art. 1.467, I CC). Assimilado do depósito necessário pela falta de escolha livre do depositário e dispensa prova por escrito, qualquer que seja o valor das bagagens.
A referência no dispositivo legal é exemplificativa e nela estão abrangidas todas as coisas onde se recebem hóspedes por dinheiro, inclusive casas onde se alugam cômodos e internatos, pensões familiares. Porém, não se aplica aos alugueres e outros mensalistas e nem a restaurantes, cafés, bares, balneários, teatros e cassinos por estarem ausentes os pressupostos do depósito necessário.
No depósito voluntário requer-se a tradição real no depósito do hoteleiro, bastando que as bagagens sejam introduzidas no hotel ou no estabelecimento similar, simultaneamente ou não ao hóspede.
A responsabilidade dos hospedeiros é evidente posto que, é remunerado o depósito (art. 651 do CC) e abrange o risco do negócio. Ou seja, mesmo que terceiros, prepostos ou não causem prejuízos Às bagagens, responderá efetivamente e integralmente por perdas e danos aos hóspedes.
A responsabilidade por atos de terceiros não se limita aos furtos e roubos e, pode ser afastada pro convenção celebrada pelas partes. Mas não é elidida por meros letreiros ou cartazes que traduzem declarações unilaterais afixadas em quaisquer partes do estabelecimento.
Configura-se a hospedagem uma relação de consumo sendo a responsabilidade do hospedeiro objetiva e regida pelo CDC (seja esta própria ou por terceiros). Pelo art. 51 do CDC tornou-se inválida a cláusula posto que abusiva a previsão contratual de não-indenizar.
Já se criticava outrora a redação do dispositivo correspondente no Código Civil de 1916, é óbvio que é isento de responsabilidade o hospedeiro que causou prejuízo por força maior. Mas, atualmente, quanto ao caso fortuito há de se verificar se é interno ou externo.
É prevalente em doutrina, e também na jurisprudência pátria que somente o fortuito externo é de fato excludente da responsabilidade do hospedeiro. Também a culpa do hóspede ( ou exclusiva da vítima, ou como quer Cavalieri, o fato da vítima)que, por exemplo, deixa inadvertidamente a porta do quarto aberta, é igualmente excludente de responsabilidade do hospedeiro.
Caio Mário defende a exclusão da responsabilidade se o dano decorrer da natureza da coisa depositada, e só a título de exemplificação, citamos, explosivos, infamáveis, gases corrosivos, ácidos, e etc.
E, restringe-se aos bens habitualmente com os hóspedes não abrangendo bens de valor como jóias caras, altas quantias, salvo se ocorreu depósito voluntário com a administração do estabelecimento. Segundo esse douto doutrinador, é lícita a cláusula de não-indenizar desde que livremente ajustada entre as partes.
Mas, atualmente e por força do art. 51 do CDC, o hospedeiro enquanto fornecedor de serviços, só resta ser eximido de responsabilidade se provar a inexistência de defeito de serviço, ou culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 14, § 3º, incisos I e II do CDC). Por fim, a derradeira excludente, prende-se a morte do hóspede por “bala perdida”.
Há para o depósito voluntário a firme presunção de gratuidade, ao passo que para os depósitos necessários, inverte-se essa presunção, e, é tido normalmente como oneroso.
A remuneração do depósito das bagagens dos hóspedes está inserida no preço da hospedagem, e de forma em geral, não é gratuito. E, se estende até mesmo ao automóvel estacionado no pátio do hotel.
No depósito legal assim como no miserável a lei silencia quanto sua remuneração esta será determinada por arbitramento judicial onde se mensurará o valor da coisa e respectivo custo para sua guarda.
A prisão civil aplicável ao depositário infiel, ou seja, aquele que não atende ao pedido de restituição do depositante seja no depósito voluntário ou necessário, não é pena mas apenas medida constritiva e compulsória de caráter civil ou administrativa e, não se exige a comprovação nem de culpa e nem de dolo do depositário.
Serpa Lopes entendia que a culpa está (in re ipsa, pela simples não-restituição) da coisa depositada. Se perecer a coisa, mesmo em face de fortuito ou força maior, o depositário não poderá ser compelido a devolvê-la por meio de prisão civil e, estará liberado mediante pagamento de perdas e danos ao depositante.
Assinale-se que só é cabível a prisão civil do depositário infiel em face de depósito regular. Embora haja discussões dissidentes na jurisprudência pátria. (vide STJ, 4ª. T., HC 16666, Rel. Min. Barros Monteiro, julg, 06.11.2001, publ, DJ 08.04.2002).
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Sobre as autoras:
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, Doutora em Direito Civil. Leciona na FGV, EMERJ e Univer Cidade. Conselheira chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ).
Email: professoragiseleleite@yahoo.com.br
Denise Heuseler
Professora assistente, bacharel em Direito pela UNESA, Pós-Graduada Lato Sensu em Direito Civil, Advogada, Tutora da FGV On-line. Membro do Conselho do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ); E-mail: dheuseler@gmail.com
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 30/01/2008