Diário de um dia qualquer
Diário de um dia qualquer
Todas as palavras estão sujas de sangue. São sangrentas e guardam muita culpa. Todas as sentenças de morte não colocam um ponto final no infinito. E, pouco importa, a justificação, se houve ou não houve justiça. Se os pecados foram punidos até a redenção. São pecadores condenando pecadores. Humanos fossilizados punindo outros humanos, os animalizados. Na selva contemporânea, tudo é desafio. Viver, falar, se alimentar e, principalmente, silenciar.
Há fonemas uivando pelos ventos, há mensagens criptografadas e enigmas deslindáveis. A esfinge morre de fome, pois não devora ninguém.
Todas as palavras estão sujas de sangue. Já magoaram, já vilipendiaram. Já destruíram esperanças. Agora, só me resta o silêncio de cúmplice. De quem cala e consente mesmo sem proferir uma reles palavras ou opinião. Eis que diante do ritual diário de acordar, permaneço imersa num torpor. Experimenta-se a quase existência.
Meus pensamentos são bobagens, meus sentimentos são bobagens piores, pois não aliviam nada. Meus pulmões arfam e esmo com oxigênio, teimam em falhar...
Aqui estou diante do culto aos corpos. Há espíritos esquecidos em gavetas. Provavelmente a mediúnica evolução não chegará até a mim.
Pergunto-me: O que faz uma pessoa se tatuar pela metade do corpo? Qual mensagem quer passar? Será o desejo de ser diferente e escrevem nomes, mensagens, ou tudo é mais uma maneira inútil de se diferenciar num oceano profundo de iniquidade?
Jamais saberemos. Se há uma utilidade é o fato de ser mais facilmente reconhecível em face dos demais corpos ou cadáveres. Talvez seja a derradeira distinção que a vida não lhe deu.
Pobres criaturas mortais e imaturas. Descobri que aqui, na academia, há uma espécie de assembleia de tatuados. Há dragões, espadas, símbolos célticos, mitológicos, inclusive há também expressões em latim. Guardo sinceras dúvidas se entendem ou interpretam tamanha simbologia.
Mas é certo que confirmam muitas teses freudianas. O recalque pode ser entendido como meio de defesa que mantém distância de algo que lhe pareça ameaçador. Há três fases: o originário (fixação), o propriamente dito e o retorno do recalcado.
Essencialmente, o recalque segundo Freud consiste em afastar e manter distância do consciente e, só ocorre quando há uma cisão psíquica entre a atividade mental consciente e a do inconsciente.
Freud mencionou as tatuagens na obra “Totem e tabu” (de 1912-1913) descrevendo-as como forma de gravar a imagem de um animal totêmico.
Lacan já posiciona o corpo atravessado pela linguagem sendo este responsável pela busca da identidade do sujeito. Enfim, a tatuagem situa o sujeito no lugar e no tempo dentro das relações com o grupo.
A tatuagem pode ter diferentes significados e interpretações variando conforme a cultura. Destacou Sigmund a importância do corpo, principalmente, do eu corporal servindo de bordejamento da identidade egóica.
O sujeito está submetido a um processo quando as vezes não está consciente e cujos sintomas se manifestam quando não se pode sustentar a ampla subjetividade humana.
Enfim, a tatuagem é um refúgio do inconsciente. A Psicologia explica que o desejo de aprovação social nos faz expor ao mundo nossas crenças e uma das formas de fazer isso é exatamente por meio da tatuagem.
Referências
SILVA, Gláucia F. Um estudo sobre as funções da tatuagem e a identificação à luz da psicanálise freudiana. Tese de Doutorado. Instituto de Psicologia da USP, 2012.