Você tinha música.
Eu tinha as palavras
e um enorme silêncio.
Você tinha graça e alegria.
Eu tinha a sisudez de olhos caídos.
Você tinha polifonia de sustenidos.
Enquanto eu contava os bemóis saltitantes
a beira do abismo...
Você tinha as cores da palheta
repletas de arte e lirismo.
Eu tinha a tristeza crônica
com certo tom esquisito.
Éramos opostos.
Perplexos.
Paradoxais.
Você sabia meu nome.
E, eu nem o sabia o seu.
Apelidei-lhe de orvalho
Pois vivia suado e
com gotículas penduradas na face.
Eu disfarçava minha timidez.
E, você esgoelava sua presença.
Tingida na tez
e nos cadernos.
Minha letra era bonita
A sua letra era uma garatuja
Indecifrável.
Um dia, me entregou um bilhete.
E, então: conheci o significado
do que seja enigma...
Você sorria lépido.
Enquanto eu franzia a testa...
quase num surto epiléptico.
Anos passaram.
Nos desencontramos.
E, depois de meio século
nos reencontramos.
As reticências.
O abismo.
O enigma
Todos naufragavam na memória.