"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos


Entre Dostoiévski e Nietzsche


A colaboração desses dois estudiosos influenciaram muito Freud e a psicanálise, de formas distintas. E, as mais profundas análises psicológicas ecoaram sobre o conceito do inconsciente e a complexidade da psiquê humana, evidenciando a riqueza de ideias que contribuíram par a transição para o entendimento moderno da psiquê humana.

A narrativa de Dostoiévski inicia com o personagem-narrador, o homem ridículo estabelecendo monólogo sobre
alguns acontecimentos de sua vida. E, o personagem sobrevoa seu passado, relatando tudo com uma indiferença, e encadeamento  de fatos desprovidos de sentido. Há arrebatamento niilista.

 

Ainda imbuído num ímpeto niilista, o homem ridículo diria que todas e quaisquer tergiversações em relações o suicídio não são suficientemente radicais. Ser um sádico (o homem do subsolo), ser um assassino (Raskólnikov, Crime e Castigo), ser um pedófilo (Stavróguin, Os Demônios), ser o Todo-Poderoso
(O Grande Inquisidor, Os Irmãos Karamazov), tudo isso é atuar num mundo, que após o crespúsculo dos deuses, já não faz sentido algum. Tanto que o homem se encaminha para o suicídio. Toda e qualquer tergiversação após a morte de Deus não passa de mera covardia.

 

Portanto, que Dostoiéviski está refletindo sobre o espírito do seu tempo, isto é, o clima cultural e intelectual que permeava toda a atmosfera da modernidade – a crise de valores e o fim da metafísica. Esse desarranjo cultural faz parte do projeto dostoieviskiano, como fez em Crime e Castigo, em que a “morte” da metafísica, a negação de um sentido atado a transcendência, trouxe uma vacuidade para a vida, uma crise de valores e, ao mesmo tempo, a possibilidade de invalidar o “não mataras”, porque se Deus não existe, tudo é permitido!

Bem como Dostoievski, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche também discutiu no interior de sua filosofia sobre a crise de valores e “morte de Deus”.

 

Em sua obra "A Genealogia da Moral", ao dissertar sobre o surgimento da má consciência, Nietzsche explica que depois de um longo processo histórico em que a noção de culpa foi se consolidando na psiquê humana, e com o advento do cristianismo elevando ao máximo esse sentimento, este estado interior provocou um ato reverso, um declínio da fé em Deus e o enfraquecimento do sentimento de culpa.

 

O homem ridículo, nesse sentido, apresenta-se como um modelo dessa noção da morte da transcendência na tangibilidade da vida, pois seus traços psicológicos incidem, em certa medida, para uma postura que decide orientar sua existência a partir de leis que ele mesmo determina, não mais uma instância metafísica que valora a vida, mas o próprio ser como ponto de referência de suas concepções e daquilo que deve fazer.

 

Nietzsche, igualmente ao pensador russo, de forma poética, no famoso "Aforismo 125" da "Gaia Ciência", anuncia essa temática da crise da crise de valores e o fim da metafísica com um brilho estilístico próprio da linguagem literária.

 

Assim descreve:

"Nunca ouviram falar do louco que acendia uma lanterna em pleno dia e corria pela praça, gritando: “Eu procuro Deus! Eu procuro Deus!” Mas aqueles que não acreditam em Deus, ficavam rindo, e diziam: “Estará perdido, tal uma criança?”, “Estará escondido? Estará com medo de nós?”, “Terá viajado?” O louco então gritou: – Para onde foi Deus? O que vos direi! Nós o matamos! Vós e eu! Somos nós, nós todos, os assassinos! Mas como fizemos isso? Como esvaziamos o mar? Como apagamos o horizonte? Como tiramos a terra de sua órbita? Para onde vamos agora? Não estamos sempre caindo? Para frente, para trás, para os lados? Mas haverá ainda um acima, um abaixo? Não estaremos vagando através de um infinito Nada? Não sentiremos na face o sopro do vazio? O imenso frio? Não virá sempre noite após noite? Não acenderemos lâmpadas em pleno dia? Não podem ouvir o barulho dos coveiros – enterrando Deus? Ainda não sentiram o fedor da decomposição divina? Os deuses também apodrecem! E Deus morreu! Deus está morto! E nós o matamos! Conta-se também que no mesmo dia o homem louco irrompeu em várias igrejas e em cada uma entoou o seu Réquiem. Levado para fora e interrogado, limitava-se a responder: “O que são ainda essas igrejas, se não os mausoléus e túmulos de Deus?” (NIETZSCHE,  2002).

 

“Os cínicos escarnecedores, reunidos na praça do mercado, somos também nós, vencedores do combate da ciência contra as trevas da ignorância” (GIACÓIA, 2000). Essa crise de valores que permeia a construção poética do filósofo alemão, portanto, encontra voz na postura trágica do herói dostoievskiano.

 

Embora Dostoiévski no oriente e Nietzsche no ocidente, ambos refletiram sobre a decadência do homem moderno — a crise de sentido que atravessava os tecidos mais ínfimos da vida, o fim de um modo metafísico dominante de pensar e, consequentemente, as possibilidades de transformação da humanidade a partir deste novo cenário.

 

Diante dessa situação, o herói trágico é assaltado por uma breve reflexão sobre o que deveria fazer com aquela criança. Mas logo decide seguir a coerência de seus pensamentos: se tudo lhe era indiferente, se nada fazia sentido e a apatia orbitava sua personalidade, ele decide enxotar a garota, já que não faria sentido para um homem niilista e à beira do suicídio sentir pena.

 

Em Dostoievski, a falta de sentido, a vacuidade da vida leva o personagem a optar pelo suicídio — o niilismo, ou seja, um estado psicológico que se caracteriza pelo ponto de vista que não há nenhum sentido e utilidade na existência. Mas ao tentar levar essa lógica às últimas consequências, o personagem entra em conflito.

 

Em Friedrich Nietzsche, este diagnóstico também pode ser considerado a partir da crise de valores, resultando também do niilismo. Mas no caso do homem ridículo, na filosofia de Nietzsche, este se enquadraria em um niilismo específico: o niilismo negativo — uma espécie de ideal ascético, já que a vida não tem sentido surge a incapacidade de suportar este universo, de realizar sua vontade de potência.

 


Os Dez Mandamentos de um Nietzsche
1. Você afirmará a vida com toda a sua complexidade: Aceite e celebre a vida em todas as suas facetas, inclusive o sofrimento e a luta. A vida é uma obra de arte que merece ser vivida intensamente.
2. Buscará o seu próprio caminho: Rejeite os dogmas e as regras impostas. Encontre e siga seu próprio caminho, sendo fiel a si mesmo e à sua vontade.
3. Você vai superar o Homem: Aspire a se tornar o Übermensch (super-homem), transcendendo suas limitações e buscando constantemente o auto-melhoramento.
4. Você questionará a moral tradicional: Desafie as morais estabelecidas e crie seus próprios valores. Moral deve ser uma expressão do seu poder e criatividade, não uma limitação.
5. Celebrará a Vontade de Poder: Reconheça e aceite que a vontade de poder é a força fundamental da vida. Use seu poder para criar e afirmar sua existência.
6. Você viverá o Eterno Retorno: Viva como se sua vida fosse se repetir eternamente. Essa perspectiva deve guiar suas ações e decisões, garantindo que cada momento seja significativo.
7. Você vai adotar o Perspectivismo: Entenda que a verdade é subjetiva e depende da sua perspectiva. Não existe verdade absoluta; cada indivíduo tem sua própria interpretação do mundo.
8. Você desprezará o Niilismo Passivo: Rejeite o desespero e o vazio do niilismo. Em vez disso, adote um niilismo ativo que o impulsione a criar novos valores e significados.
9. Você vai praticar o amor Fati: Ame seu destino. Aceite tudo o que acontece com você, bom ou ruim, como parte essencial da sua vida e crescimento.
10 Desafiarás as Instituições e Autoridades: Mantenha uma atitude crítica em relação às instituições e autoridades que tentam controlar o teu pensamento e comportamento. Liberdade individual é primordial.
 

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 27/09/2024
Alterado em 28/09/2024
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