Minha avó, Dona Sissi falava:- Deus escreve certo por linhas tortas. Eu, no auge de minha juventude, ficava a imaginar um senhor barbudo, usando linhas tortas... É verdade que muita coisa retira o sono. E, nos deixa deslumbrados diante do mundo... Alguns, infelizmente, sempre serão vassalos e, outros, almejam ser patrões. A vida inteira minha avó desejava trabalhar. Era professora de música. Porém, meu avô não lhe dava permissão para trabalhar. Naquele tempo, as esposas tinham que ser obedientes aos maridos. Era impensável a mulher contrariar o esposo. Mesmo quando ele não tinha razão. Desta forma, assisti durante minha infância que minha avó era mais forte e potente que meu avô, Seu Vavá. Além de maior maturidade e inteligência, era uma líder natural. Enquanto meu avô, era imaturo, brincalhão e, até irresponsável. Enfim, até hoje ser mulher na sociedade patriarcal e desigual é sempre complexo e desafiador. Era engraçado, perceber que o feminismo sempre existiu. Fosse uma ostensiva manifestação ou uma reticente resistência cheia de lirismo e contratempos. Minha avó era exímia costureira, e de forma escondida arrumou uma colocação numa fábrica de camisas. E, para justificar suas saídas diárias, ela convenceu meu avô que estava participando de um projeto social na sinagoga. E, assim, tinha seu dinheiro e certa independência. O que era crucial para prover consertos na casa e adquirir eletrodomésticos para a casa. E, meu avô tacitamente concordava. Só temia contrariar minha avó. Era engraçado, ver que através de linhas tortas, o enredo transcorria de forma escorreita. Enfim, os tortuosos caminhos do destino nos ensinam que em cada curva, aprendemos a lidar com a gravidade e, ainda, a vencer o desafio da sobrevivência. São as tortas linhas retas.