"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos


A retórica do cinismo de Diógenes de Sínope.

Do sensível ao risível.

 

"O cinismo é portanto essa espécie de careta que a filosofia faz para si mesma, esse espelho quebrado em que o filósofo é ao mesmo tempo chamado a se ver e a não se reconhecer” – Foucault, A Coragem da Verdade, p. 238.

"Uma vida cuja alteridade deve levar à mudança do mundo, uma vida outra para um mundo outro” – Foucault, A Coragem da Verdade, p. 253.

 

 

O cinismo se notabilizou na Antiguidade e constituiu certo valor histórico, literário e filosófico por narrarem o modo de vida dos filósofos cínicos e, por exibir modo peculiar de se fazer filosofia, através do humor.

Diógenes foi um filósofo que usou o expediente retórico único chamado de pedagogia do riso, como forma de transmitir princípios filosóficos da escola, utilizando-se do cômico.

De fato combinar filosofia com humor é, a priori, complexo e difícil. Há no senso comum a noção de que os filósofos negam o cômico e o riso e, apesar da crítica sagaz de Erasmo de Roterdã sobre o exagerado recolhimento dos filósofos, além de eles não conseguirem se divertir e impedir que os outros se divirtam. E, assim, para melhor elucidar a ética e a moral como duas atividades relacionadas à filosofia.

À primeira vista, combinar humor e filosofia é mesmo complexo e desafiador. E, no senso comum há a justificável intuição justificável pela própria história da filosofia que os filósofos negam o cômico e o riso. Foi crítico mordaz Erasmo de Roterdã (1466-1546) criticou contundentemente o exagerado recolhimento dos filósofos. Além de não conseguirem se divertir nem permitir que os outros se divirtam.

 Luciano de Samósata (120-192 d.C.) já publicava obras realizando observações, muito similares e, em "Diálogo dos Mortos", Luciano coloca um de seus personagens descrevendo pejorativamente um filósofo como alguém de aspecto altivo, venerável, sobrancelhas eriçadas, barbas longas e perdido em meditações (LUCIANO, Diálogos, 10, 8), fazendo troça desse caráter quase divino que vários filósofos buscam passar.

E, por mais que alguns filósofos e historiadores de filosofia tenham tentado cristalizar essas visões há uma escola filosófica, e um filósofo em particular que resistiu a todas elas –Diógenes de Sínope, o cínico (404-323 a.C.). Diógenes de Sínope é o principal expoente da escola cínica.  Ele teria sido aluno de Antístenes, um seguidor de Sócrates bastante influente na época que a tradição considera como o fundador do cinismo (embora essa seja uma discussão ainda em aberto pelas datações e cronologia).

Diógenes foi também mestre de outros cínicos, um destes é Crates de Tebas que foi outro relevante filósofo e que foi mestre de Zenão, o fundador da grande escola estoica. Diógenes ficou conhecido por suas atitudes desconcertantes, dotado de retórica performática.

A língua portuguesa, infelizmente, não possui uma palavra adequada para traduzirmos o termo grego χρεῖαι, que literalmente significa “útil”. Portanto, nesse caso é mais satisfatório fornecer uma definição ao invés de tentar a tradução dessa noção.

As χρεῖαι são curtas histórias explicativas e, em geral, contém comentários. Ela pertencia ao προγυμνάσματα, sendo uma pequena vertente de exercícios que os oradores antigos deveriam treinar. O famoso retórico Quintiliano categoriza as χρεῖαι como “[...] divulgação, não como elementos para a eloquência.” (QUINTILIANO, Instituição, I, 9, 6).

Embora todo esse gênero de χρεῖαι contenha trechos engraçados, o que encontramos no livro VI – o livro onde o compilador Diógenes Laércio discorre sobre a teoria e os filósofos cínicos – não é um acidente, algo circunstancial.

As descrições das ações de Diógenes também são uma descrição da própria filosofia cínica. É através das mais absurdas, chocantes e surpreendentes ações que o Cão, como era conhecido, transmitia os princípios e os valores de sua corrente filosófica.

O especial em Diógenes: o cômico para ele se transformou em um recurso pedagógico, usado para exortar moralmente as pessoas. Este curto texto tem como objetivo apresentar ao leitor a pedagogia do riso de Diógenes de Sínope. Em que consiste essa pedagogia?

Em uma retórica performática cômica, que dividiremos em três partes: 1) a verbal; 2) pantomímica; 3) híbrida. Todas essas três partes contém um conteúdo capaz de nos roubar boas risadas, dissolver a impressão de que a filosofia seja para pessoas sisudas e, principalmente, ao mesmo tempo, ensinar os princípios filosóficos da escola cínica.

Diógenes de Sínope se notabilizou por algumas ações radicais, inesperadas e pouco convencionais. Alguns o conhecem como o homem do barril, por morar em um tonel. também é conhecido pelas várias passagens em que enfrenta, com sua παρρησία, Alexandre, o Grande outros o conhecem como o filósofo da lanterna, por carregar uma lanterna em plena luz do dia no meio do  mercado (DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas, 6, 41).

 Diógenes também se destacou por masturbar-se em praça pública (DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas, 6, 46; 6, 69), abraçar estátuas no inverno, rolar na areia quente no verão (DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas, 6, 23) e pedir esmolas para estátuas (DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas, 6, 49).

Mas, sem dúvidas a mais famosa imagem que temos de Diógenes é a de Cão. Seus contemporâneos o chamavam assim por causa de seu estilo de vida: morar na rua, comer sobras de templos e da estrada e satisfazer as suas necessidades em público.

Apesar de ter um apelo pejorativo, Diógenes não se incomodava em nada e, durante um banquete algumas pessoas lançaram-lhe ossos como a um cão, levantando-se, o filósofo urinou sobre os ossos, tal como faria um cão. 

Diógenes urina no osso para absorver o impacto das críticas que sofria e assim, transformar o estilo de vida canino (κυνικός em grego, o termo cinismo, κυνισμός, está ligado a esse modo de vida) em algo digno para se orgulhar e se desejar.  

Conta-se que Alexandre ao encontrar com Diógenes disse: “Sou Alexandre, o grande rei”, ao passo que Diógenes respondeu: “E eu sou Diógenes, o cão.” (DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas, 6, 60)

O leitor menos lego em filosofia cínica pode ficar desconcertado com essas histórias e questionar (com certa razão): alguém que urina em público e vive como um cão foi levado a sério como filósofo? Sim. Platão, que representava a antítese do cinismo, compara Diógenes a Sócrates, chamando-o de “Sócrates enlouquecido.” (DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas, 6, 54)

Essa descrição de Platão resume perfeitamente quem foi Diógenes, qual o tamanho de sua importância e o impacto de sua retórica performática. Diógenes é um filósofo com princípios, pensamentos e uma visão de mundo tão profunda a ponto de ser comparado com um dos maiores filósofos gregos – Sócrates, mestre de Platão e de tantos outros.

Ao dizer isso, Platão legitima, em algum nível, as atitudes insanas de Diógenes. Ao mesmo tempo em que Platão o elogia reconhecendo estatuto de filósofo, Diógenes também é criticado. Afinal, é um Sócrates louco!.

Então, que legitimidade filosófica pode ter um homem louco? Certamente nenhuma, mas tampouco Diógenes era louco. Por isso ele dizia mimetizar os instrutores dos coros, na medida “[...] estes dão o tom mais alto para que todos os outros deem o tom certo.” (DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas, 6, 35)

Ou seja, Diógenes exagerava o tom de suas exortações para causar impacto. Sabia que não era possível corrigir um mundo através de uma lógica, com argumentos formais, e optou por uma estética.

Assim, a sua retórica performática se alia com o cômico. Avner Ziv diz: “O que a comédia realmente faz é colocá-las [as coisas] embaixo de uma lente de aumento.”  (ZIV, 1984, p. 41).

Por trás todo exibicionismo sustentado pelo Cão há princípios filósofos que o norteiam e uma ideia clara de como transmiti-los. Por isso a escola cínica é uma perfeita expressão do σπουδαιογέλοιον, sério-cômico.

E, é isto que denominamos de pedagogia do riso – a predisposição e a intencionalidade de transmitir preceitos filosóficos e realizar exortações morais através de uma retórica performática cômica, que impacta seu interlocutor colocando, o seu mundo, de ponta-cabeça.

Não se trata de metáfora. Diógenes realmente queria reformular o mundo de seu interlocutor. E, isso em fundamento filosófico pois o cinismo é uma escola célebre por se opor ao νόμος, as convenções, preferindo a vida natural.

O termo νόμος pode ser traduzido como lei formal, norma ou como costume/convenção social. Por muito tempo o νόμος grego tinha um caráter religioso, estando ligado a ordenação divina. Algo que muda com a secularização do pensamento e da política.

Depois das reformas de Sólon (638 – 559 a.C.) e Clístenes (565 a.C – data da morte desconhecida)[1] não havia mais espaço para a aristocracia, e a política secularizada representava “a separação irrevogável entre a dimensão política e sagrada”. É possível explicar todo o cinismo a partir dessa oposição entre φύσις e νόμος.

Jacques Fontanille no artigo "Le Cynisme: du sensible au risible", indica que Diógenes abriu mão da lógica para expor o pensamento filosófico da escola e investiu no humor (isto é, em uma estética). Esse abandono da lógica denota um “ato de descrença, uma dissuasão desesperada” (FONTANILLE, 1993, p.13, tradução nossa), gerado talvez pela morte de Sócrates, um grande paradigma de justiça e valores morais.

 Dizendo de outro modo, é como se os cínicos perguntassem: se Sócrates não conseguiu argumentar com os gregos quem conseguirá? Onde, talvez, Diógenes desempenha um papel “publicitário”, isto é, o cômico é um modo dos  cínicos “venderem” sua filosofia rígida como algo mais atrativo.

Persiste como pano de fundo a eudaimonia, ou felicidade. Os cínicos acreditam que o objetivo para onde todos os esforços dos seres humanos convergem é a εὐδαιμονία.

Para atingir a εὐδαιμονία é necessário negar o νόμος, porque ele produz τῦφος, isto é, uma espécie de ilusão que se apossa e enganar a razão dos seres humanos, levando-os crer que a felicidade está em viver de acordo com certos padrões que a sociedade impõe. Assim, Diógenes se torna um grande crítico do νόμος dos valores dos gregos. Mas a crítica não fica no campo abstrato, apenas de discussões intelectuais.

Literalmente o termo εὐδαιμονία significa “bom” (εὐ) e “espírito/alma” (δαίμων). Para entendermos melhor esse conceito, precisamos voltar um pouco até Sócrates. Ele faz uma revolução na concepção de ser humano antes de fundar sua ética.

Sócrates afirma que o centro do ser humano, a sua parte mais distintiva é sua alma (ψυχή) ou seu espírito (δαίμων). Portanto, para o ser humano alcançar a completude era necessário cuidar da alma. Assim, ter uma alma (δαίμων) bem (εὐ) cuidada equivale a felicidade (εὐδαιμονία).

Os cínicos, assim, como os epicuristas, cirenaicos, céticos, os peripatéticos e estoicismo, isto é, as grandes escolas do helenismo são eudaimonistas. Isso significa dizer que o bem supremo para o ser humano é a felicidade.

O conceito de τῦφος é muito rico. Em seu artigo “Notas sobre o sentido de τῦφος na tradição cínica”, Flores-Júnior oferece as duas perspectivas principais de uso no cinismo. O primeiro sentido de τῦφος está ligado a fumaça. Que por sua vez se conecta com a mitologia grega, com o monstro Tifeu[2], condenado a viver no Tártaro. O τῦφος causa dificuldade visual, o que simbolizaria, em um nível oral, uma falha no discernimento do agente. A segunda noção do τῦφος é como orgulho.

Para nossos propósitos essa noção é bem interessante porque o orgulho é um importante objeto risível. Há algo de estúpido e ridículo naquele que se deixa dominar pelo τῦφος (orgulho). Vale frisar que Platão e Diógenes trocam farpas, onde um acusa o outro de ser orgulhoso, isto é, de sucumbir ao τῦφος (DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas, 6.26).

O τῦφοςé tratado no cinismo a partir de uma perspectiva ética, podendo simbolizar fumaça, orgulho, loucura e auto-engano. Podemos também dizer que τῦφος é uma vaidade, uma doença, uma cortina de fumaça contra a realidade. Flores-Júnior resume bem: o τῦφος é uma fumaça que “mais do que ocultar a realidade, vai na verdade desfigurá-la [...]” (1999, p. 428).

Diógenes materializou sua oposição e sua preferência pela natureza por meio de sua retórica performática – aquela que dissemos ser feita para chocar –, por isso ele se masturba na ágora.

O cinismo, como qualquer outra corrente filosófica, é complexo demais para resumirmos em apenas algumas páginas. Para os propósitos deste trabalho, acreditamos que a caracterização fornecida acima preenche bem as necessidades que o leitor tem para acompanhar a discussão principal de nosso artigo.

Sendo assim, podemos compreender essa estruturação da retórica performática cômica como uma ferramenta para ajudar Diógenes a desenvolver a oposição entre φύσις e νόμος aos seus interlocutores, de modo a produzir um efeito imediato.

Ele não exporá o conteúdo dos princípios cínicos em longos tratados filosóficos, com conceitos rebuscados e verdades transcendentais. Ele usará do humor para exortar seus interlocutores, de modo a tentar dissipar o τῦφος e reconduzi-los a εὐδαιμονία através da λόγος e da vida natural.

Os aspectos mais técnicos da retórica cínica de Diógenes, e para tanto, oferecemos uma categorização própria de todas as χρεῖαι que aparecem em Diógenes Laércio em três grupos distintos, para começarmos a estruturar o processo pedagógico performático do Cão.

Esses três grupos se referem ao modo, melhor dizendo, à forma como Diógenes buscou comunicar os princípios cínicos nas χρεῖαι, isto é, de maneira verbal, pantomímica ou híbrida.

Dentre as χρεῖαι e relatos que Diógenes Laércio nos traz em pouco mais de 20 (vinte) páginas sobre Diógenes de Sínope, podemos identificar 226 (duzentas e vinte e seis) curtas histórias divididas nos três grupos distintos citados acima.

O grupo mais numeroso foi das χρεῖαι de curtas asserções verbais, onde verificamos que, das 226 (duzentas e vinte e seis) histórias, 168 (cento e sessenta e oito) são dessa categoria, seguido por 34 (trinta e quatro) χρεῖαι híbridas, isto é, que contém um conteúdo verbal e pantomímico e apenas 24 (vinte e quatro) χρεῖαι pantomímicas, onde Diógenes preterindo a palavra usa seu corpo para filosofar, buscando inspiração em técnicas teatrais.

Usando a principal fonte das χρεῖαι de Diógenes, o compilador Diógenes Laércio, fizemos um levantamento no qual as χρεῖαι verbais representam mais de setenta por cento das narrativas que chegaram até nós.

Isso é muito significativo, porque mostra que apesar do imaginário que temos de o filósofo desprezar a comunicação verbal, ele não a abandona, pelo contrário, faz dela seu carro chefe.

E, é claro, não podemos perder de vista, que Diógenes estava inserido em uma Atenas predominantemente voltada para a oralidade, a palavra λόγος, além de um conceito, designava uma ação sobre o outro:

“[...] a Atenas Clássica era uma democracia baseada na palavra, no lógos, como ação sobre outrem.” Isso mostra como a cultura era fortemente verbal e a relevância da oralidade”.

Assim como Sócrates e os Sofistas, grandes inspirações para a escola cínica, Diógenes também prezava muito a oralidade mas, ainda assim, podemos ressaltar que o uso feito pelo filósofo cínico é bastante peculiar.

Enquanto Sócrates usava o poder da oralidade com uma enorme carga de perguntas e os Sofistas a usavam através dos discursos, os enunciados de Diógenes são sempre enunciados muito curtos.

Outra característica da oralidade na escola cínica são as asserções de Diógenes sempre atacando diretamente o ponto mais frágil da situação na qual está inserido, com a crítica e a seriedade filosófica encoberta por uma camada muito grossa de humor e escárnio.

Assim, podemos definir essa categoria de “χρεῖαι verbais” como uma predileção de Diógenes em usar a comunicação oral.

Além disso, Diógenes é retratado usando enunciados verbais para fazer apologia  de algum tipo de valor ou ideia que visava incutir em uma plateia ou no interlocutor,  como quando violentamente teria afirmado que “na vida necessitamos da razão ou de um  laço” (DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas, 6, 24), ou quando repreendeu Hegesias, por pedir-lhe  os seus escritos, enquanto a sabedoria só poderia ser aprendida na prática (DIÓGENES  LAÉRCIO, Vidas, 6, 48), expressando um dos mais importantes valores da escola cínica:  a preocupação com o concreto, com o real e com a ação.

Esse vocabulário, isto é, chamar uma χρεία de pantomímica não é novidade nos estudos do cinismo. Importamos essa ideia de Peter Sloterdijk, que em sua grande obra, Crítica da Razão Cínica[3], faz referência ao modo cínico de saber usar o corpo para filosofar.

Por sua vez, Sloterdijk faz uso do conceito que é próprio do teatro. A pantomímica é uma arte do âmbito teatral que envolve um uso diminuto, quase nulo ou nulo, de comunicação verbal, onde os artistas usam apenas seu corpo, figurino, maquiagem e expressão facial para se comunicarem. Podemos rastrear a pantomímica até a Grécia Antiga, onde ela desempenhou um papel muito importante nos festivais dionisíacos.

Já falando da pantomímica na esfera do cinismo, as atribuições são praticamente a mesma, com exceção da maquiagem, que não há registro de uso por parte dos cínicos, vemos nos filósofos da escola uma inclinação grande em usar gestos e ações como forma de comunicação.

É possível especular e formamos uma hipótese que explique um pouco a escolha por esse tipo de comunicação por parte dos Cínicos. Isso deriva desde o período de Antístenes, que como um homem e filosofo notável, influenciou muito Diógenes.

Usando a palavra híbrida no sentido vocabular, no caso de  nosso texto, o hibridismo das χρεῖαι de Diógenes está na intersecção da comunicação  verbal e da comunicação pantomímica, explicitadas nas páginas anteriores.

Para ilustrar as χρεῖαι híbridas, podemos usar o exemplo da χρεία que Diógenes se masturba no mercado. Depois de se pôr aos serviços de Afrodite, Diógenes diz: “Gostaria que se, esfregando também o estômago, a fome passasse!”

Para continuar a exemplificar, também podemos citar alguns famosos episódios de Diógenes, como quando ele carregou a lanterna acesa durante o dia e afirmou procurar um homem.

Para entender as ações de Diógenes de Sínope[4] nas χρεῖαι – como ele usa o corpo, como se porta ao exortar moralmente um interlocutor, suas curtas asserções verbais.

Acreditamos que entender a disposição e a maneira a qual o filósofo se comunica contribui bastante para decifrarmos outros elementos em investigações posteriores, tais como para quem Diógenes fala, porque ele fala com aquele público e quais são os usos de suas estratégias retóricas.

 

Referências:

BORGES, George Felipe Bernardes Barbosa. A tripartição da retórica no cinismo de Diógenes de Sínope. Disponível em: https://orcid.org/0000-0001-9271-8228 Acesso em 18.5.2023.

BOSMAN, Philip. Selling cynicism: The pragmatics of Diogenes' comic performances.  Classical Quarterly, Cambridge, vol. 56, 2006.

DIÓGENES LAÉRTIOS. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Tradução de Mário G.  Kury. Brasília: Editora UnB, 2008.

ERASMO DE ROTTERDAM. Elogia da Loucura. Tradução de Paulo M. Oliveira. São Paulo: Atena Editora, 2002.

FOUCAULT, Michel. A Coragem da Verdade.  O Governo de Si e dos Outros II. Curso no Collège de France (1983-1984) Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Wmf martins fontes, 2001.

FONTANILLE, Jacques. Le cinisme: du sensible au risible. Humour & sémiotique, n. 4, p.  9-26, 1993.

FLORES-JÚNIOR. Notas sobre o sentido de typhos na tradição cínica. In: Mendes, E.A.M.; Oliveira, P.M.; Benn-Ibler, V. (Org.). Revisitações. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 1999, p. 421-429.

QUINTILIANO. Instituição Oratória: Tomo I. Tradução de Bruno Fregni Basseto.  Campinas: Editora Unicamp, 2015.

SLOTERDIJK, Peter. Crítica da razão cínica. Tradução de Marco Casanova, Paulo Soethe, Pedro Costa Rego, Mauricio Mendonça Cardozo, Ricardo Hiendlmayer. São Paulo:  Estação Liberdade, 2012.

TORRINHA, Francisco. Dicionário Latino Português. Porto: Gráficos Reunidos, LDA, 1948.

 


[1] Na sua reforma, Sólon proibiu a hipoteca da terra e a escravidão por endividamento através da chamada lei Seisachtheia; dividiu a sociedade pelo critério censitário (pela renda anual) e criou um tribunal de justiça, a helieia. As principais medidas da reforma de Clístenes foram: - Estabelecimento de direitos políticos para os cidadãos atenienses. Vale ressaltar que só eram considerados cidadãos atenienses os que atendiam os seguintes requisitos: homens, filhos de pais atenienses e maiores de 18 (dezoito) anos; - Participação direta dos cidadãos nos assuntos políticos e econômicos de Atenas; - Estabelecimento da Assembleia como mecanismo de discussão, debate e decisão (através do voto em leis criadas pela Bulé). A participação era restrita aos cidadãos; - Cargos públicos eram sorteados na Assembleia entre os cidadãos; - Instituição do ostracismo, que era a suspensão dos direitos políticos do cidadão ateniense quando ocorria um desrespeito à democracia ou ao funcionamento da cidade; - Estabelecimento da organização do poder legislativo: Bulé (Conselho dos 500) e a Eclésia (reunião de cidadãos atenienses do sexo masculino); - Criação do Areópago (conselho ou tribunal de justiça) para cuidar do sistema judiciário da cidade;  - O poder executivo era exercido por dez estrategos. Esses eram escolhidos a cada ano pela Eclésia.

 

 

[2] Tifão, Tufão, Tífon ou Tifeu (em grego clássico: Τυφωευς, Τυφων, Τυφαων, Τυφως, transl. Typhôeus, Typhôn, Typhaôn, Typhôs), é um gigante da mitologia a quem imputavam os gregos a paternidade dos ventos ferozes e violentos. É filho de Gaia e de Tártaro. No sincretismo com o mito egípcio de Osíris, Tifão era identificado com o gigante Set, responsável pela seca do Nilo, e que, por inveja de sua fecundidade, o matara. Set será vingado depois por seu filho Hórus. Junto à esposa Equidna, Tifão foi pai de vários dos monstros que povoam as aventuras de heróis e deuses, tais como: o Leão da Nemeia, combatido por Hércules; a Hidra de Lerna ou a Esfinge, na fusão com os mitos nilóticos; dos cães Ortros e Cérbero. Gaia, a Terra, para vingar a derrota de seus filhos pelos crônidas na Titanomaquia, uniu-se a Tártaro, gerando Tifão, identificado como a personificação do terremoto e dos ventos fortes. Morava numa gruta, cuja atmosfera envenenava com vapores tóxicos. Era tão grande que sua cabeça tocava os astros celestes e suas mãos iam do Oriente ao Ocidente. Suas asas abertas podiam tapar o Sol, dos seus ombros saiam Dragões, 50 de cada ombro. Ele era tão horrendo que todos o rejeitavam, até seus irmãos, os titãs. De sua boca cuspia fogo em correntes, e lançava rochas incandescentes aos céus.

[3] "A insolência apresenta fundamentalmente duas posições: alto e baixo poder e contrapoder; em termos mais convencionais: senhor e escravo. O kynismos antigo inicia o processo dos ‘argumentos nus’ a partir da oposição, sustentado pelo poder que vem de baixo. O kynismos peida, defeca, urina, se masturba em praça pública, diante do olhar do mercado ateniense; ele despreza a glória, menospreza a arquitetura, não respeita nada, parodia as histórias de deuses e heróis, come carne e legumes crus, deita-se ao sol, mexe com as prostitutas e enxota Alexandre, o Grande, para que ele saia da frente do seu sol” – Peter Sloterdijk – Crítica da Razão Cínica, p. 156.

[4] Algumas fontes dizem que morreu tentando comer um polvo cru. Diógenes sempre disse que ao morrer queria ser simplesmente jogado para fora dos muros da cidade, para que os animais o comessem, ou que fosse enterrado com a face virada para baixo. Seus admiradores, porém, lhe dedicaram um túmulo com os seguintes dizeres: "Até o bronze cede ao tempo e envelhece, mas tua glória, Diógenes, permanecerá intacta eternamente porque só tu ensinaste aos mortais a doutrina de que a vida se basta a si mesma, e mostras-te o caminho mais fácil para viver”. Diógenes de Laércio, A Vida dos Filósofos.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 15/07/2024
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