"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos


Então, fecharam-se as cortinas. O último ato do teatro traduziu toda dor e a carência de afeto. A vida em forma de palco, os personagens lendo ciosamente o script... e os valores desfilando na passarela do tempo. Dulce questionava-se: para onde foi a lealdade? a esperança? Será que ainda existe empatia entre os humanos? Era mais fácil perceber a sensibilidade de animais e plantas do que do outro da mesma espécie. Dulce e Antonio era um casal e uniram-se no auge de sua juventude, ela com vinte anos e ele, com quase trinta anos. Dulce viveu quase uma década ao lado de Antonio quando ele deixou de ser um jovem romântico e, passou a ser um marido possessivo e muito ciumento. Dulce foi cedendo, cedendo, até que um dia, não mais aguentou. Foi difícil entabular um diálogo, mas expôs que desejava a separação. Havia um mal-estar e uma opressão horrenda. Antônio não aceitava a separação. Rogava perdão, humilhava-se e, por fim, embriagava-se e, tornava-se um monstro agressivo e perigoso.  Dulce tentou em vão prosseguir a vida, voltou a dar aulas, e até dar maior atenção aos seus pais idosos. Afinal, enquanto casada com Antônio, ele regulava e estipulava parco tempo para tanto. E, a pobre Dulce era filha única, enquanto Antônio era um entre sete outros irmãos. A família de Antônio até tentava intervir e, pedir maior moderação à Antônio... mas ele rechaçava de forma bruta e violenta. Uma bela noite, com uma lua crescente, Dulce com outras duas colegas, também professoras foram ao teatro assistir Hamlet. E, na saída do teatro, lá estava Antônio esperando visivelmente irritado. Dirigiu-se a Dulce, e disse: - acabou esse negócio de você querer divórcio! Você voltará comigo, senão vou ficar viúvo. E, sacou uma pistola nove milímetros, com brilho estranho da morte. Todos correram. Mas, Dulce estava paralisada tal qual uma estátua, não sabia o que fazer. Tentou dialogar. Mas as palavras não saíram. Tentou acalmá-lo, mas foi um tiro pela culatra... ele se irritou ainda mais. Então, Antônio arrebatou Dulce pelos braços e a enfiou dentro de seu carro. Mas, Dulce resistiu. E, disse temerosa, um sonoro monossílabo: - Não!. Em seguida, ouviu-se três estampidos secos que nem pareciam medonhos... porém, eram fatais. E, as balas atravessaram o peito da pobre mulher que caiu ao chão e, o barulho de seu corpo caído fora apenas aplacado pelo jardim modesto da frente do teatro. Então, fecharam-se novamente as cortinas. A tragédia teve seu desfecho: Antônio preso e, Dulce morta. Seus sonhos, seus colegas e a cidade ficaram estarrecidos com o deslinde da história. Mais um feminicídio.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 10/07/2024
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