"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos


Da onde vem a crônica?

 

Sim, crônica advém de Cronos, ou melhor, Khrónos em grego, o deus Tempo. A crônica e o crônico vieram do adjetivo khronikós, relativo ao tempo, que no latim deu chronicus e, depois se substantivou em chronica. Assim como crônico que é tudo que se estende no tempo, é o registro do tempo que passou. Eis a primeira bifurcação gramatical e semântica das duas palavras é crucial.

A passagem  mitológica de Cronos mostra a relação etimológica do termo „cronos‟ com o tempo, que  pretende ser imutável, infalível, mas, independentemente de qualquer vontade,  transcorre e muda sem que deuses ou humanos possam retê-lo. O tempo é senhor de  “cronos”, e a partir dessa relação é cunhado o termo grego chronikós, o termo em latim  chronicus e o português crônica. 

A priori, seria um gênero mezzo lírio e mezzo cômico praticado em espaços fixos da imprensa e nos trouxe nomes como Rubem Braga e Fernando Sabino e tantos outros.

Rubem Braga foi o mestre absoluto da crônica, um gênero considerado menor em relação ao poema, ao conto e ao romance. O próprio Rubem Braga dizia: "Não sou de inventar coisas, mas de contá-las. Seria preciso dar-lhes um sentido, mas não encontro nenhum. As coisas, em geral, não têm sentido algum."
Trazendo o sentido do latim temos que é a compilação de fatos históricos apresentados segundo a ordem de sucessão do tempo. E, foi ao final da Idade Média que as crônicas dos reias e de famílias nobres se popularizoue podiam tanto estar repletas de ficção, mas tinham valor legal e dotaddo de fé pública.

No início do século XVI, o funcionamento da crônica tem relação estreita com a narrativa de viagem, com os  testemunhos das conquistas “além-mar”; nesse caso, os registros traziam a descrição  pormenorizada do cenário e dos sujeitos encontrados em suas viagens. E, o cronista se  coloca na posição de um observador da cena histórica.

Já no século XIX, o que se denominava crônica era uma farta variedade de textos editoriais e jornalísticos nem sempre seguindo cronologia. 

A palavra deriva do latim chronica e significa narrativa cronológica. A primeira crônica é datada de 1799 e foi publicada no Jornal des Débats, em Paris. E, passou aqui em nosso país ser mais conhecida na metade do século XIX quando era publicados os folhetins.

Por tratar de temas cotidianos e factuais,a crônica tem vida curta. É munida de linguagem simples e há um tom crítico  e/ou com humor. No Brasil, a partir da segunda metade do século XIX, muitos autores famosos passaram a escrever crônicas para folhetins. Coelho Neto, José de Alencar, Machado de Assis estavam entre aqueles que sobreviviam do jornalismo enquanto criavam seus romances.

Novamente, os escritores como Bruxo do Cosme Velho, Rubem Braga, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, João do Rio, Fernando Sabino,  Tarsila do Amaral, Rubem Braga, Nelson Rodrigues, e Luis Fernando Veríssimo mesmo distantes no tempo e nos estilos, trouxeram em suas crônicas, a mesma compreensão de priivilegiar o direito do dia a dia sem perder a estética do discurso e a ironia da vida. Situa-se o nó discursivo da crônica brasileira, entre a história, o jornalismo e a literatura e, que, segundo Antônio Candido garante a pretensão do gênero à perfeição.

No Brasil, há vários modos de escrever as crônicas. Usando o tom da poesia, o autor produz uma prosa poética, como algumas crônicas escritas por Paulo Mendes Campos. Mas, elas podem ser escritas de uma forma mais próxima ao ensaio, como as de Lima Barreto; ou como a crônica, de Ivan Ângelo; ou ser narrativas, como as de Fernando Sabino. As crônicas podem ser engraçadas, gerando a reflexão do leitor pelo jeito humorístico, como as de Moacyr Scliar, ou ter um tom sério. Outras podem ser próximas de comentários, como as crônicas esportivas ou políticas.

Tem linguagem despojada e simples e visa prender a atenção doleitor sobre situações cotidianas. Poderá ser narrativa, dissertativa, narrativo-descritiva, humorística, lírica, jornalística e histórica. A crônica que mais gosto é a humorística dotada de grande carga de ironia, sarcasmo e zomba de assuntos e conflitos que impactam a sociedade, seja de origem política, econômica ou cultural.

Em seus primeiros sentidos,a palavra crônica se referia a uma seção de variedades preenchida por fofocas teatrais, anedotas moralistas, reflexões filosóficas e até resenhas literárias. Era o que havia no folhetim, o que em fracês era o feuilleton.

 A crônica tem tom evocativo, narrativa bem peculiar, hábil mas se debruça em temas menores como os aspectos da vida cotidiana. Foi o que Antônio Cândido denominou de "literatura ao rés do chão".  Candido caracteriza a crônica como gênero menor, mas ao mesmo tempo se  desdobra em elogios para o gênero.

A escola brasileira da crônica teve seu áureo tempo entre os anos quarenta e setenta do sécculo apssado e, resiste bem. Apesar que muitos ainda sustentem haver sérias dúvidas. Há uma bifurcação semântica entre o crônico e a crônica, e em sua acepção mais usual parece não registrar o tempo.

A crônica lírica apresenta uma linguagem poética e metafórica que demonstra emoções como nostalgia, saudade e paixão.   Já a crônica histórica aborda apenas fatos reais ocorridos no passado, com personagens, tempo e espaço definidos, com uma linguagem leve e coloquial.As crônicas permitem trocar de Khrónos, para Kairós, tempo como momento e oportunidade. É quando o instante histórico recai na dinâmica frenética contemporânea onde o momento presente reina em seus paradoxos e comparações burlescas.

A crônica pode ser definida como um gênero literário marcado pela narração de situações cotidianas sob uma ótica individual.  Os autores que escrevem crônicas como gênero literário, recriam os fatos que relatam e escrevem de um ponto de vista pessoal, buscando atingir a sensibilidade de seus leitores. As que têm esse tom chegam a se confundir com contos.

Já com o termo "crônica brasileira", queremos destacar quando o gênero já se  mostra mais estabilizado, sendo reconhecido como enunciado diferenciado dos outros  gêneros e narrativas, a partir, principalmente, das publicações de Alencar.  Outra diferença  significativa para a constituição do novo gênero é o diálogo direto entre autor e leitor(a). 
Na crônica brasileira, Alencar e o/a leitor(a) estabelecem uma relação de proximidade,  quase íntima, conversando tanto com as mulheres como com os homens, o que provoca  um deslocamento ainda maior nas posições dialógicas, tanto de escritura como de  leitura do gênero. 
Também estão intimamente relacionadas às transformações sociais e à valorização da história social, isto é, da história que considera importantes os movimentos de todas as classes sociais e não só os das grandes figuras políticas ou militares. No registro da história social, assim como na escrita das crônicas, um dos objetivos é mostrar a grandiosidade e a singularidade dos acontecimentos miúdos do cotidiano.

Em verdade, a crônica é gênero híbrido pois se filia tanto ao jornalismo como a literatura. Em verdade, a crônica é gênero de origem remota, existindo desde a Idade Antiga. Aqui se desenvolveu de forma tão peculiar que é considerada um gênero tipicamente brasileiro. Já no jornalismo internacional a palavra crônica se remete ao relato cronológico dos fatos. Por vezes, assume ser um relato poético da realidade, equilibrando-se entre a informação atual e a narrativa literária.

Enfim, a intimidade, a história do cotidiano e a possibilidade de sentidos outros são os temas transpostos às crônicas que atravessam décadas, sendo lidas e relidas por todas as  gerações, publicadas em jornais de bairro ou de circulação nacional, em revistas, em  livros e em antologias, mas que vivem sob o movimento da linguagem e do discurso.

Com o advento da Revolução Industrial, a gestão dos jornais impressos sofreu transformações dando espaço para existir maior objetividade na forma de noticiar os fatos, passando a pertencer aos graandes econômicos. Depois da Semana da Arte Moderna de 1922, deu-se a separação clássica entre a literatura de elevação e o que se chamou de subliteratura deixou de fazer sentido. Nem todas as crônicas, porém perderam seu valor logo após serem publicadas. 

Quanto à sua dimensão linguística, a análise das crônicas se centrou na proximidade comunicativa, no léxico e na interação com o leitor, embora esse gênero apresente outros elementos dessa dimensão apra serem analisados. Registre-se que as normas ortográficas, no Brasil tardaram a se fixar. Isso somente aconteceu na primeira metade do século XX e, continua sensível para novas mudanças, como o novo Acordo Ortográfico de 2009. 

Nota-se que a crônica moderna tem como características a brevidade e a subjetividade e propõe o diálogo com o leitor se dê de forma mais natural. Por ter a função de informar e entreter ao mesmo tempo, que esta apresenta características da língua falada para causar o efeito de naturalidade e realismo. 

A crônica tem uma despretensão trazendo uma compensação sorrateira de descrever e criticar com ironia elegante.

Atualmente, nesse início do século XXI as crônicas são adaptadas para os  meios audiovisuais, publicadas em blogs, dando continuidade ao que lhes é constitutivo:  permanecer em movimento, confrontando a história, o jornalismo e a literatura.

Talvez  o sentido da crônica brasileira seja este: causar o estranhamento, desestabilizar, fazer do  incerto seu tempero mais genuíno e, em sua errância, buscando outros discursos para  participar de sua trama. Agora sem a materialidade do papel, a crônica situa-se justamente na perenidade do mundo digital. Ao final, a crônica capta a narração de um momento, flagrande do dia-a-dia, embora o desfecho nem sempre traga a resolução do conflito, pois a imaginação do leitor é turbinada a tirar suas próprias conclusões.

 

Referências

ALENCAR, J. de. Melhores crônicas. Direção de Edla van Steen; seleção de João Roberto Faria. São 
Paulo: Global, 2003.
CANDIDO, A. et al. A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. Campinas, SP: Ed. 
da Unicamp; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992. 
______. O direito à literatura. Vários escritos. 3. ed.  São Paulo: Duas Cidades, 1995.

CAVALCANTI, Carolina Maria Bezerra; GOMES, Valéria Severina. Crônica: Uma tradição discursiva entre o jornalismo e a literatura. Revista Encontros de Vista. n.16. jul./dez. 2015. 

RODRIGUES, Sérgio. O cronista deve ser crônico. Folha de S.Paulo, 25.4.2024.

SODRÉ, N. W. História da literatura brasileira. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964. 
TÁVOLA, A. Literatura de jornal (O que é a Crônica). Jornal O Dia, Rio de Janeiro, 27 jul. 2001. 

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 29/04/2024
Alterado em 21/05/2024
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários



Site do Escritor criado por Recanto das Letras
 
iDcionário Aulete

iDcionário Aulete