Quem ler o livro intitulado "A República das Milícias - Dos Esquadrões da Morte à Era Bolsonaro" de autoria de Bruno Paes Manso se depara com um cenário estarrecedir. A obra nos apresenta a terrível realidade do crime no país e seu entrosamento com o mundo político e mesmo aqueles que deveriam combater a criminalidade, erguem poderosa organização crimnosa que se divide entre aliados e desafetos e adversários.
O autor trouxe um precioso trabalho de pesquisa e narrou o surgimento das milícias nos morros e favelas do Rio de Janeiro que ocupam o espaçoo em face da ausência do Estado, é o verdadeiro "poder paralelo". Para angariar a confiança de moradores os milicianos começaram oferecendo segurança, impondo toque dee recolher, proibição de venda de bebidas alcoólicas, até mesmo proibindo o consumo de drogas.
E, assim, para muitos, os milicianos conseguriam garantir a ordem e a paz. Com o tempo, milicianos e policiais convergiram para o crime e, os traficantes e bicheiros não ficaram de foro. E, começou haver guerras entre os grupos e então, morros e favelas se transformaram em campo de batalhas.
Algumas cenas narradas são até mais potentes que o inferno de Dante e expõe ditaturas cruéis. Eis uma passagem, in litteris:“Depois de morto, ele teve as mãos, os pés e a arcada dentária arrancados por um conhecido das milícias, especialista em não deixar vestígios de corpos e que cobrava quinhentos reais pelo serviço de desaparecer com as provas.”
Verifica-se que a união de milicianos ee polícia deu origem às forças paramilitares que entraram com total ênfase na disputa pelo controle de mais de setecentas comunidades pobres do Estado do RJ, numa concorrência sem precedentes e violenta.
Surge também a ligação do clã Bolsonaro com a rede de paramilitares e milicianos que se formava na zona oeste e se estreitou em 2002 com a eleição de Flávio Bolsonaro para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O deputado, de apenas 22 anos, neófito no Parlamento, pretendia se vender como o representante político e ideológico dos “guerreiros fardados” que lutavam por espaço e poder nos territórios do Rio. Ao longo dos anos, coube a famoso miliciano ser o papel de principal articulador dessa rede de apoio no mandato do deputado primogênito.
As milícias, dessa forma, acabam funcionando como um “Estado terceirizado ou leiloado”, expressão usada por seus principais críticos na polícia e na política. Cobram taxas e arrecadam receitas para preservar a governança local, substituindo um Estado débil, fraco e incapaz. É um livro contundente contra os desmandos e as bravatas do ex-capitão (quase expulso) Bolsonaro.
As origens em Rio das Pedras e na Liga da Justiça narram a desastrada atuação do governo estadual fluminense e a degradação total do sistema e do aparato estatal em uma cidade. O autor cita como exemplo a atuação do prefeito César Maia. “Maia parecia acreditar que tinha as milícias sob controle. Não acreditava, ou não quis enxergar, que o modelo de negócios dos milicianos poderia desarticular o Estado e se tornar incontrolável, como viria a acontecer mais tarde.” registra o livro, acrescentando que foi “Nessa época de entusiasmo e parceria com as instituições cariocas, os milicianos pareciam achar que não havia limite para suas ações.
Pacificação local, controle dos traficantes num período em que as facções aterrorizavam o Rio de Janeiro, assistencialismo via centro social, tudo isso permitiu que eles dessem início a planos mais ambiciosos de poder, concorrendo a vagas no Parlamento, apoiando políticos, estreitando relações até mesmo com secretários de Segurança, seduzindo candidatos que apoiassem seus negócios com votos de seus currais eleitorais.”.
No capítulo chamado "Fuzis, polícia e bicho" apresenta a internacionalização daquilo que havia surgido como pequenas milícias no Rio: o contrabando de armas pesadas que vai desaguar na morte da vereadora Mariele Franco. Critérios frouxos e irrazoáveis para a concessão de licença para colecionadores e atiradores desportivos e uma fiscalização ineficiente sempre foram brechas para o ingresso de armas no mercado ilegal brasileiro.
O livro afirma que Ronnie Lessa é o matador de Mariele e traficante de armas pesadas e que ele “tinha certificado de colecionador e atirador desportivo, conferido pelo Sistema de Fiscalização de Produtos Controlados, concedido em 2018, com validade até 2021. Revela também as ligações dos governadores do Rio, de Moreira Franco a Witzel, passando por Brizola, família Garotinho e Sérgio Cabral Filho, com criminosos, milicianos, bicheiros, policiais bandidos e matadores.
O último capítulo ao qual deu o nome de "Ubuntu", relatando as tentativas do governo Bolsonaro de flexibilizar as regras para porte, posse e venda de armas e para reduzir o controle dos homicídios cometidos pela polícia. Usou a figura do ex-juiz Sérgio Moro para intimidar o Congresso Nacional e a imprensa.
No Rio de Janeiro, a situação se agravou com a falência fiscal do Estado. Os assassinatos voltaram a crescer a partir de 2017, e multiplicaram-se as notícias de novos territórios ocupados pelos milicianos.
Em 2016, o impeachment do Presidente Dilma Rousseff acirrara os ânimos da população, inviabilizando a gestão do sucessor, o vice-presidente Michel Temer, também atingido pelas investigações da lava jato.
No dia 16 de fevereiro de 2018 o governo decretou intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, para “ estancar a crise da segurança no Rio”, segundo anunciava o governo. Tropas do exército foram enviadas para a cidade e parte da Cúpula das Forças Armadas assumiu a segurança pública carioca. Os holofotes da imprensa nacional e internacional focalizaram os desdobramentos da intervenção.
O assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes colocou em xeque a credibilidade do exército e das forças de segurança do Estado. Marielle era uma das vozes mais críticas à intervenção Federal.
O autor acredita que o Brasil ainda tem futuro e que a onda bolsonarista de 2018 aconteceu porque “parte dos brasileiros" foi seduzida pela ideia da violência redentora".
Um estudo realizado pelo Instituto Fogo Cruzado em parceria com o Geni/UFF mostra que as áreas dominadas por grupos milicianos aumentaram 387,3% entre 2006 e 2021. Confesso ser difícil ter esperanças com um cenário tão desesperador. O Brasil não é para amadores...