Chocada
- Senhora, o seu cabelo é rosa... E, estarrecida, fiquei a olhar aquela estética e quase pedi pinça e luvas cirúrgica... Depois, me recompus. Falei intimamente, você não tem nada com isso... Cuide de sua vida... O que existe fora dos os parâmetros rotineiros, continuará a existir... por mais bizarro que seja, por mais cruel que seja e, pior, as pessoas fingirão que nada viram... Custa você fazer o mesmo?
- Senhora, desculpe-me... É óbvio que a senhora sabe que a cor de seu cabelo agora é rosa...
Sai discretamente. Olhando para o chão, para ver se achava alguma fenda ou esconderijo. E, mais distante da cena, fiquei aliviada. Como pude ser tão inconveniente. Tão incivilizada.
Enfim, ainda hoje algumas coisas me surpreendem. São previsíveis e, até risíveis, mas não perdem a oportunidade de nos alcançar de sopetão. Pensava na correção de meu texto... Por vezes, eu brigo com o texto... Ele me aborrece, por demonstrar uma falha minha, uma inaptidão... tento aprender, emendar-se e, até domesticar-se... mas é laborioso e triste.
Passado alguns anos, hoje ter o cabelo rosa é absolutamente normal. Ou tê-lo azul, violeta ou grená... tanto faz... pessoas exibem com despudor as mais variadas e contundentes aparências. E, como reagir? Com ar de dejà-vu... aquele olhar reto de Esfinge, sem ousar perguntar, decifra-me ou te devoro... Afinal, deglutir algo de aparência tão exótica não deve ser recomendável a saúde. Pelo menos,à saúde mental. Enfim, intimamente, permaneci chocada.