A obra intitulada "A Arte de insultar" é o complemento de outra obra chamada "Arte de ter razão", sendo o primeiro dos pequenos tratados do filósofo. Um conselho é bem interessante, quando perceber que o adversário é superior e, que você acabará porperder a razão, torne-se ofensivo, ultrajante, grosseiro, ou seja, passe de objeto de contestação, ao contender e ataque de algum modo sua pessoa.
Aristóteles já sugeria em suas Confutações sofísticas e como se recomenda evitar discutir com o primeiro que aparecer, à maneira dos sofistas, portanto escolher com clareza os interlocutores com os quais estabular seriamente controvérsias e discussões.
Apesar de todas aas cautelas, as vezes acabamos sendo levados ao insulto, inclusive quando nem gostaríamos, mas há situações que é impossível recuar, pois quem insulta nos faz perder a honra, e até o mais indigno dos canalhas, o mais estúpido animal, supera qualquer argumentação e faz sombra a qualquer espiritualidade.
Noutras palavras, como reza a máxima n° 4 da Arte de se fazer respeitar: "A vileza é uma qualidade que, nas questões de honra, supera e suplanta qualquer outra. Se, por exemplo, durante uma discussão ou um colóquio, outro demonstra um conhecimento de causa mais exato, um amor mais rigoroso à verdade e um juízo mais sadio que nós, ou uma superioridade intelectual qualquer que nos faça sombra, podemos logo eliminar essa e qualquer outra superioridade, para não dizer nossa própria inferioridade assim posta a nu, e por nossa vez sermos superiores, tornando-nos vis: uma vileza prevalece e leva a melhor sobre qualquer argumento e, a não ser que nosso adversário não replique com uma vileza ainda maior... somos nós os vencedores, a honra fica conosco, e a verdade, o conhecimento, o espírito e o engenho devem cair fora, derrotados e encurralados pela vileza.
A antologia que disso resultou constitui um verdadeiro abecedário de insolências, em
que estão compreendidos:
1) os impropérios em sentido estrito, como os que lança contra os filósofos da sua
época, sobretudo Hegel;
2) sentenças e juízos que não são proferidos como injúrias, e sim como verdades
sacrossantas, mas que têm o efeito de ofensas mesmo (no sentido de que "a verdade
ofende"); nesse caso, o alvo predileto é o sexo frágil, para com o qual, no entanto,
Schopenhauer atenuou sua intransigência, na velhice;
3) afirmações e observações que Schopenhauer propõe como teses filosóficas, mas
que a nossos olhos podem muito bem aparecer como mais insolências. Por exemplo,
acaso não parece ao sadio bom senso, e a seu realismo, que se está caçoando do mundo
quando se diz, como faz Schopenhauer no início da sua obra-prima, que ele "é uma
representação minha"? Do mesmo modo a outra célebre tese, de acordo com a qual "a
vida oscila, como um pêndulo, entre a dor e o tédio", acaso também não é um insulto ao
milagre da existência?
São diferentes as reações emotivas que tais insolências suscitam no leitor e
que variam de um extremo ao outro: do cômico, como no caso das invectivas contra a
moda da barba ou contra os barulhos, especialmente os provocados pelo chicote dos
cocheiros, que perturbam o pensar; ao trágico, por exemplo quando os maus-tratos aos
animais e a vivissecção são objeto de desaprovação e de crítica.
Aristóteles já afirmava que a indignação é uma virtude,
constituindo um justo meio entre a indiferença e a raiva diante de um ultraje sofrido ou
de uma injustiça recebida (Ética a Nicômaco, IV, 11). E o que melhor do que um bom
insulto para exprimir a indignação? Nos dias de hoje, mesmo um espírito refinado como
Borges, numa nota incluída na História da eternidade, descreveu de forma concisa os
atributos da arte do insulto, na esperança de que mais cedo ou mais tarde alguém de
fato compilasse uma.
Referência
SCHOPENHAUER, Arthur. A Arte de Insultar. Tradução de Eduardo Brandão e Karina Jannini. Organizado por Franco Volpi.