Norah estava arrumando as roupas dentro do armário e, também, separando aquelas que não mais lhe cabiam. Coitada de Norah, a vida toda pesara parcos quarenta quilogramas mas, com a idade, já idosa passou para os setenta quilogramas. E, assim, perdera muitas peças de vestuário.  Como estava no inverno, começou a seleção pelos casacos e roupas de frio. Eis que de repente, num antigo casaco preto e elegante que tinha dois bolsos internos. Num deles encontrou um bilhetinho de aluno, onde se desculpava por não ter feito naquela semana as lições de casa. Explicava o menino que os pais brigaram e ele teria sido removido para a casa da avó e, com isso, estava triste e perdido. O bilhete começava assim: "Querida tia. Eu adoro suas aulas e também gosto da escola. Mas, essa semana inteirinha estou fora da minha casa, estou na casa da vovó Zilda. Meus pais brigaram. E, não consegui a semana toda fazer as lições de casa. A senhora me perdoa? Eu vou fazê-las todas e recuperar o tempo perdido. Beijos de seu aluno. Antônio". Norah pegou o bilhete e com olhos marejados guardou na gaveta de recordações. Por vezes, o egoísmo de alguns não permite que vejam que suas contendas podem atingir os filhos, traumatizá-los e, até prejudicá-los na aprendizagem. É necessário que sejamos maduros o suficiente e escolher os conflitos realmente sérios para que não se exponham os inocentes. Antônio era um excelente aluno, com boas notas e bom comportamento, mas trazia um olhar triste de cortar a alma. Muitas vezes, Norah como professora pedia para a escola encaminhar alunos para a Assistência Psicológica, principalmente, quando percebia certos sintomas que eram sérios e não podiam ser negligenciados. Norah pensou: "que briguem mas, ao menos, preservem os filhos. Quem poderá amar os filhos em primeiro lugar senão os pais?... Se o amor não vem da origem, como poderão ser amados e aprender a amar?" Dúvidas cruéis para uma realidade frugal de conflitos, violência e separação.