"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

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O Cavalo de Calígula

É verdade que a passagem do Imperador Calígula tem particular marca em Roma Antiga, tendo sido figura controversa e por adotar decisões tiranicas além de publicamente participar de orgias e esbórnias. O período de regência de Calígua é estimado entre os anos de 37 a 41 d.C. e, há raros relatos factuais com base em informações documentadas de tal época. Mesmos algumas de suas ilustrações antigas e modernas atiçam a imaginação de muitos estudiosos e historiadores.
Calígula era pródigo em enaltecer seus melhores amigos e, tinha um cavalo chamado Incitatus (Impetuoso) de corrida que era seu favorito e, requereu cuidados especiais de seus súditos. Tanto que as vésperas das corridas, os soldados e seguranças obrigavam a vizinhança a manterem silêncio para não perturbar o sono do adorável equino.

Partiu de Suetônio que houve suposta medida política de Calígula com o cavalo e, afirmaram que ele planejava tornar o dito cavalo um cônsul, apontou o escritor latino. No entanto, a tese mais aceita por historiadores é que o Imperador pode ter apenas brincado publicamente de modo a ironizar o fato de que um cavalo seria mais hábil e melhor ocupante do cargo de que certas pessoas que o rodeavam. Além disso, afirmou-se também que Calígula nomeou outro equino como sacerdote e, designou uma guarda pretoriana para tomar conta de seu sono. De fato, Incitatus tinha um luxuoso estábulo dentro do palácio imperial e, os senadores despachavam próximo ao colega equino.
Calígula teve o que chamavam de febre cerebral de acordo com os registros médicos da época, permanecendo em coma cerca de um mês, quando então despertou do coma e, com muitas alterações, o que seria chamado atualmente de encefalite límbica.
Com a morte do Imperador Tibério no ano de 37 d.C., Calígula então com apenas vinte e quatro anos fora nomeado imperador e começou seu governo de forma escorreita, pois mandou libertar cidadãos presos injustamente, eliminou vários impostos e patrocinou inúmeros eventos públicos — como lutas com gladiadores, corridas de bigas e peças teatrais. No entanto, seis meses após assumir o posto, Calígula adoeceu e quase morreu. Foi a partir daí que as coisas começaram a degringolar.
Certa vez, Calígula teria ordenado a morte de uma família inteira, mas, como a lei romana proibia que meninas virgens fossem executadas, ele primeiro obrigou a garota a assistir seus familiares serem torturados e mortos e, depois, fez com que o carrasco violentasse a coitada e mandou que ela fosse enforcada.
Foi assassinado pela guarda pretoriana, em 41 d.C., aos 28 anos. A sua alcunha Calígula, a qual significa "botinhas" em português, foi posta pelos soldados das legiões comandadas pelo pai, que achavam graça em vê-lo mascarado de legionário, com pequenas cáligas (sandálias militares) nos pés.

Dando-Collins amparado em minuciosa pesquisa veio a redimir Calígula de famosas acusações. Uma delas é o fato que teria nomeado o cavalo como cônsul, o caso não passou de uma tirada irônica apenas para irritar o Senado romano.

Outro mito foi do de promover orgias e ter relações incestuosas com as suas três irmãs e, que teria matado uma delas, Drusila, a sangue-frio e, arrancou-lhe um bebê de seu ventre. Drusilla (a irmã amada, ponto central da peça Calígula, de Albert Camus), foi endeusada depois de morta. Todas essas ações eram inéditas para a época. Mas nada disso significa que havia uma orgia em família. "O incesto foi uma criação posterior da historiogrfia, afirmou Fábio Faversaani, historiador da Universidade Federal de Outo Preto.
De fato, Calígula sofreu muito com a morte de Drusila vitimada por uma doença desconhecida. E, as outras irmãs foram exiladas por ele, devido ao jogo de intrigas corrente em Roma da época e, ainda a crença de ambas poderiam traí-lo. Essa mesma paranoia o levou a matar muitos de seus conselheiros e seguidores mais fiéis.

Depois da morte de Calígula, sua irmã mais velha, Agripina voltou do exílio e casou-se com Cláudio, seu tio e doravante o novo imperador de Roma. Mais tarde, o império foi dado ao seu primogênito, Nero, e para tanto Agripina matara um enteado.

Júlia Drusila foi a única filha do Imperador Calígula e de sua quarta e última esposa Milônia Cesônia. No dia 24 de janeiro de 41 d.C. Calígula foi assassinado pela Guarda Pretoriana, após uma conjuração. Cesônia e Drusila sobreviveram somente mais alguns minutos após a sua morte. Foram mortas pela guarda romana dirigida por Cássio Quereia.
Por vezes, a revisão do passado histórico pode seguir rumo contrário, Constantino, o Grande (272-337 d.C.) que foi o primeiro imperador romano a se converter ao cristianismo, não foi, a priori, um verdadeiro cristão, pois acumulou assassinatos, torturas e atrocidades pouco difundidas para a posteridade.

No caso particular de Calígula, foram os seus inimigos que perpetuaram as fofocas e elevaram a crítica sobre suas ações. O que veio a piorar a reputação dele para conquistar seu sucessor. E, tais mentiras influenciaram escritores que nasceriam após de sua morte, como Suetônio e Cassius Dio. Já no lado oposto, está o historiador Tácito que notou as incongruências nos relatos, apresentando não apenas novas versões, como um entendimento mais refinado sobre o Imperador Calígula.

Lembremos que o Imperador era filho de um respeitado general Germânico e viu sua família ser dizimada numa plano negasto iniciado por Sejano, então o braço direito do então imperaddor Tibério e, finalizado pelo enciumado soberano, que temia muito um golpe. Seu pai fora envenenado, os irmãos assassinado e, sua mãe presa e abanonada para morrer de fome em uma ilha distante. Calígula foi o único homem de sua linhagem a sobreviver, tendo sido adotado como filho por seu algoz, Tibério.  Entre os eventos históricos que ocorreram durante o governo do Imperador Tibério, um dos mais importantes foi a crucificação de Jesus Cristo na província da Palestina.

O obelisco erigido na Praça do Vaticano foi levado a Roma pelo Imperador Calígula e, provavelmente, originário do reinado do faraó Amenemés II e fora transportado para Roma para se tornar a espinha do circo de Calígula, localizado a poucos metros ao sul da Velha Basílica de São Pedro. Apenas em 1586, o Papa Sixto V removeu o obelisco para o centro da Praça de São Pedro. Em sua política exterior, Calígula aumentou o número de reinos vassalos no Oriente e reduziu a autonomia dos territórios ocidentais.

Para tanto, foi submisso enquanto Tibério governava. E, relatos afirmam que Calígula fora sexualmente abusado por ele por anos a fio. Especialistas sugerem que provavelmente Calígula sofria de transtorno bipolar o que provocava paranoia, alteração de humor e até mesmo delírios. E, sua falta de tato com a elite, acarretou seu assassinato.

O reinado trágico e insano de Calígula normalmente acabava em sangue. E, para alguns historiadores a política de
Calígula não era demente nem prematura, mas de fato existiam outras maneiras de resolver as contradições deste regime monaáquico fundado no respeito da tradição republicana, e o Imperador Cláudio em breve veio a demonstrar.

Enfim, a história de Calígula foi uma comprovação da famosa frase de Montesquieu. Séculos depois desse jurista e cientista político iria dizer que o homem sempre iria abusar do poder político, caso o poder não conhecesse mecanismos para frear esse mesmo poder, surgindo daí a sua famosa teoria da separação dos poderes, sendo separados, porém interdependentes. Calígula acreditava piamente no terror como arma de poder tanto que afirmava: Oderint dum metuant (que odeiem enquanto tremem de medo), referindo-se ao povo.
Novamente, Roma Antiga nos traz lições imortais. É uma pena que muitos desconhecem...

 

 

 

Referências

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Disponível em: https://veja.abril.com.br/cultura/caligula-tido-como-o-mais-cruel-imperador-e-redimido-em-biografia/
Acesso em 12.7.2023.

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VEYNE, Paul (Org.). História da Vida Privada.1 Do Império Romano ao ano mil. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia de Bolso, 1985.



 

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 18/07/2023
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