"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos


Radiografia de Dom Casmurro

Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa de apagar o caso escrito”. Machado de Assis[1]

 

Resumo: Jamais se pretendeu, realmente, saber se Capitu traiu ou não seu marido. Apurou-se apenas que a dita traição é, na maioria das perspectivas, um fator que condena a personagem social e pressupõe, por vezes uma justificativa para conduta de Bentinho e da maioria dos homens. Naturaliza-se a voz e a violência masculina que sempre está escorreita, colocando a mulher no banco dos réus diante de condutas passionais, quando, em verdade, pouco importa se houve ou não a traição, pois a mulher poderá ser morta e condenada pelas verdades dos homens. Hoje, a Capitu precisa ser ouvida e ter, finalmente, sua dignidade humana resguardada.

Palavras-chave: Direito e Literatura. Adultério. Violência doméstica. Feminicídio. Casamento. História do Direito.

 

Machado de Assis retratou na sua obra “Dom Casmurro” a sociedade burguesa do século XIX, do Rio de Janeiro, a considerava apenas um livro médio. Inicialmente, não se limitou a adiantar trechos da referida obra que fora lançada quase quatro anos depois. E, a ordem dos fragmentos extraídos dos capítulos 3,4 e 5 fora rearranjada naquela versão preliminar produzindo uma narrativa envolvente.

Dom Casmurro foi o oitavo romance do Bruxo do Cosme Velho[2], sendo lançado em 14 de março de 1900 com a tiragem inicial de dois mil exemplares. A obra é parte da trilogia realista bem ao lado de Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba, o autor mesclou ironia e ambiguidade numa narrativa assaz sedutora da história do casal Bento e Capitu Santiago, apresentada apenas pela ótico do marido, de forma reticente, narrando desde o namoro adolescente até o casamento que foi atormentado pelo ciúme e ainda pela dúvida[3] cruel: se Capitu o traíra com o seu melhor amigo Escobar?

Na carta de 24 de dezembro de 1908 ao crítico José Veríssimo ao escritor Mário Alencar[4] revelou um manuscrito perdido de Dom Casmurro e compartilho detalhes sobre a composição da obra. Ainda segundo Mário, Machado o tinha segredado uma folha de rosto da obra que continha uma epígrafe de Diderot, foi a mesma folha de rosto utilizada na coletânea de “Várias histórias” de 1856.

Parece que a ideia inicial era de ser um conto que a transformação em romance durante a composição. Diderot expressou que: Vamos sempre contar histórias (...) o tempo passa e o conto de vida chega ao fim, sem que percebamos.

Denis Diderot (1713-1784) foi francês, filósofo e escritor. Foi notável durante o Iluminismo, é conhecido por ter sido o cofundador, editor  e contribuidor da Encyclopédie juntamente com Jean le Rond d'Alembert. O filósofo (Diderot) permite que cada um pense de uma determinada maneira, não crê em superstições nem que vêm de fora nem de dentro das religiões, tem o compromisso com a verdade, repugna o mal provocado tanto pelos religiosos quanto pelos não religiosos, alimenta a esperança do bem comum e não se oculta na vaidade. Teve o intuito de provocar reflexão na Marechala, em busca de aumentar seu conhecimento, o que a levou a reflexões profundas sobre a questão do bem e do mal no ser humano.

Há similares procedimentos narrativos de Machado de Assis, na crônica "O punhal de Martinha" e de Denis Diderot, em "O sobrinho de Rameau", de um lado tem-se um narrador que varia de tom entre o vaidoso ao cidadão cosmopolita do século XIX, bem informado sobre o que ocorre nos grandes centros do mundo civilizado. E, o  escritor nacionalista comovido com a situação periférica do seu país, e que faz ver as arestas das ideologias que se desejavam ser aplicadas a ex-colônia.

Diderot[5] propôs um diálogo entre o filósofo ilustrado com tendência moralizando e o sobrinho de Rameau[6], figura sarcástica e amoral que consegue mostrar o giro dos argumentos arrolados pelo primeiro. Há o embate entre a razão ilustrada e sua perversão, Diderot problematizou o momento, pois no início do Iluminismo se deparava com uma alteração de expectativas para mostrar a impossibilidade de efetivação dos valores pretensamente universais.  Tanto o cinismo como a crítica acirrada sobre as impossibilidades de se concretizar os ideais forjados para serem universais[7].

A curiosidade de Magalhães de Azevedo[8] que ansiava por maiores detalhes e, Machado de Assis revelou-lhe que era um romance no estilo “Quincas Borba”. Levaram quatro anos entre o rascunho e a edição final quando então Machado de Assis publicou o texto intitulado “O agregado” no periódico República. Essa publicação incomum de excertos de um romance inédito apresentava, algumas diferenças em relação a versão final. Aliás, Capitu foi apresentada aos treze anos, na versão de 1896 e quatorze anos na edição final, apesar do avanço de dois anos na narrativa (de 1855 para 1857).

Seu pai, Pádua, ainda se chamava Fialho e, o “Coronel Cosme”, depois se transformará em advogado e a localização da famosa casa da rua Matacavalos era, inicialmente, na rua do Resende. Além dessas diferenças, Cantagalo é substituída por Itaguaí, no romance final, embora tenha sobrado uma referência à primeira cidade no capítulo 31. Esse deslize permaneceu mesmo nas edições mais recentes do romance. É, sem dúvida, da arte do silêncio e o enigma de Dom Casmurro que torna a narrativa da obra tão envolvente.

Segundo Agripino Grieco[9], crítico, a obra revelou-se como o evento mais significativo na vida de Machado de Assis e, o enigma proposto se tornou o desafio mais crucial de toda a literatura brasileira.

O enigma de Capitu na década de sessenta se tornara título de obra do famoso crítico Eugênio Gomes. Já Dalton Trevisan escreveu in litteris: “Capitu sem Enigma” desmistificando todo mistério de Maria Capitolina[10].

Já Augusto Meyer[11] apontou que Capitu é o melhor exemplo daquilo que Bentinho afirmava a propósito de si mesmo. Chegou a suspeitar que  a mentira é, muitas vezes, involuntária como a transpiração.

Antônio Cândido apontou que não importa muito que a convicção de Bento seja falsa ou verdadeira, porque a consequência é exatamente a mesma nos dois casos, a saber: a imaginária e a real, ela destrói a sua casa e a sua vida.(In; Esquema de Machado de Assis, em “Vários Escritos”). 

Antônio Callado recomendou que respeitemos um dos dogmas de nossa literatura que é o da maculada conceição do filho de Capitu com Escobar. Cultuemos sua infidelidade e não nos afastemos da negra inveja que sentimos de Escobar.

Otto Lara Resende[12] confessa que fica zangado com Dalton Trevisan ao dar ao nosso Bentinho ares como se fosse nosso Otelo, é pura fantasia. Recomenda Roberto Schwarz[13] que a obra machadiana recomenda três leituras sucessivas, a saber: uma romanesca, onde acompanhamos a formação e decomposição de um amor; outra de ânimo patriarcal e policial na busca de prenúncios e evidências do adultério dado como indubitável; e, por fim, a terceira é a efetuada pela contracorrente, cujo suspeito e réu é o próprio Bento Santiago na ânsia de se convencer da culpa de Capitu. Eis que se constata uma organização narrativa intrincada, porém clara, que deveria transformar o acusador em acusado.

É sabido que Dalton Trevisan e Otto Lara Resende não aceitaram a dúvida sobre a traição de Capitu, a obra “Dom Casmurro” publicada em 1900 e, seu autor morreu em 1908 e, nesse breve período não se ousou negar o adultério de Maria Capitolina. A traição é clara e o fato de não ter sido negada nem tão pouco afirmada, só corrobora sua existência.

Segundo Graça Aranha[14] em carta ao Machado de Assis escrevera “casada... teve por amante o maior amigo do marido”. A Capitu que se depara com a crítica contemporânea, submeteu-se a sociedade patriarcal carioca do século XIX e, faz de Capitu mais uma vez alinhada heroína como as conhecidas Emma Bovary[15] e Anna Karenina e, se que tornaram mais atraentes por adultério. Desvendar o enigma de Capitu significa despojá-la de fascínio e grandeza.

Anna Karenina (Анна Каренина), ou Ana Karênina, em algumas traduções (Anna Karénina, na transliteração direta para o alfabeto latino), ou Anna Kariênina, conforme a edição mais recente em língua portuguesa (publicada no Brasil pela editora Cosac & Naify, em 2010), é um romance do escritor russo Liev Tolstói.

A história começou a ser publicada por meio da revista Ruskii Véstnik (O mensageiro russo), entre janeiro de 1875 e abril de 1877, mas seu final não chegou a ser publicado nela por motivos de desacordo entre Tolstói e o seu editor, Mikhaíl Katkov, sobre o final do romance. Portanto, a primeira edição completa do texto apareceu em forma de livro ainda em 1877.

É uma das obras mais destacadas do realismo literário[16]. Para Tolstói, foi o seu primeiro verdadeiro romance, e considera sua obra “Guerra e Paz” como mais que um romance. O escritor Fiódor Dostoiévski considerava o Anna Karenina como "impecável como obra de arte", opinião compartilhada também por Vladimir Nabokov[17] que a considerava como "a impecável mágica do estilo de Tolstói" e por William Faulkner que considerava o romance como "o melhor já escrito".

O romance está dividido em oito partes. Sua epígrafe é "Minha é a vingança; eu recompensarei", texto contido em Romanos 12:19, que é citado também em Deuteronômio 32:25[18]. O romance começa com uma das suas frases mais citadas e um dos começos mais conhecidos da literatura universal: “Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira".

Aliás, na obra “Dom Casmurro”, Dona Glória[19], desdenhava da nora e rejeitava o neto putativo e único afilhado não fosse a crassa semelhança dele com o outro (Escobar). Ezequiel de Souza Escobar, depois de deixar o seminário, torna-se um comerciante bem sucedido, enquanto Bentinho, também depois de deixar o seminário, vai estudar direito em São Paulo para tornar-se advogado.

O primeiro casa-se com Sancha, amiga de Capitu, com quem tem uma filha, a quem dão o nome de Capitolina, em homenagem à amizade próxima e intensa que compartilham. O segundo, Bentinho, casa-se, como se sabe, com Capitu, o casal tem um filho e, em espelho de reciprocidade simpática, dão a ele o nome do amigo: Ezequiel. Do latim Ezechiel (la) que veio do grego antigo Εζεκιήλ e este do hebraico antigo יחזקאל (Y'khizqel). Significa Deus fortalecerá, o fortalecido de Deus[20].

Aliás, Fernando Sabino abordou o tema na “Apresentação” de “Amor de Capitu”[21] publicado originalmente em 1998 quando afirmou que o mistério envolvendo a personagem machadiana vem desafiando sucessivas gerações de leitores e críticos e, entre as hipóteses admissíveis há, inclusive, a de não existir mistério algum.

É curioso frisara iniciativa desses escritores e críticos sobre a certeza que possuem sobre a culpa de Capitu. Dalton Trevisan escreveu “Capitu sou eu” após “Capitu sem enigma” onde acompanhamos a relação erótica entre uma professora de letras e um aluno de  dez anos mais jovem. Trata-se de um rapaz com traços machistas e rendimento escolar medíocre que sempre chega atrasado para as aulas com sua motocicleta barulhenta, vestindo um bermudão e botinas de coro. Ele era contestador, rebelde sem causa, beligerante. (In: Trevisan. D., 2004), na percepção gratuita e vazia a infidelidade de Capitu.

A personagem Capitu, de Machado de Assis, tendo ou não traído Bentinho, questão que o romance não responde, carregou por muito tempo o julgamento implacável da sociedade burguesa, patriarcal e conservadora.

Em 1960, com a publicação de “O Otelo brasileiro de Machado de Assis”[22], por Helen Caldwell[23], nos EUA, os críticos e os leitores sequer assentavam possibilidade de que o marido poderia estar culpando Capitu injustamente.

Corroborando tal entendimento há Pierre Bourdieu[24] que afirmou tratar de uma reação típica da “dominação masculina”, isto é, da ordem social estabelecida ao longo da história da humanidade e naturalizada de acordo com os interesses da ideologia dominante responsável por sua construção. Onde a figura masculina impõe seu desejo, suas regras, seu pensamento que, quase sempre, submetem a mulher, e, desconsideram a sua capacidade de discernimento acerca dos valores circundantes.

Tanto é verdade que Bourdieu denuncia um modo de pensar pautada pelas dicotomias e oposições. Aqui, cogita-se de masculino/feminino, mas o mesmo se opera em alto/baixo, rico/pobre, claro/escuro etc. A biologia e o corpo seriam espaços onde as desigualdades entre os sexos, aqui resumidas na ideia de dominação masculina, seriam naturalizadas. Essa noção nos remete à Joan Scott e à Judith Butler, bem como ao conjunto das feministas pós-estruturalistas[25].

Dom Casmurro diz que a esposa o traiu numa narrativa que compõe na solidão melancólica da sua velhice e, por longas décadas, foi o que bastou para todos tivesse o fato tido como inquestionável.

A ambiguidade do texto machadiano não cansa de nos surpreender e ver Capitu como mulher honesta e vítima do marido talvez também se configure como uma visão sexista e patriarcal e, afinal, é mesmo questionável admitir se uma mulher assim ficaria satisfeita num monótono casamento burguês com uma homem inseguro e superprotegido pela mãe e que se divertia com a história do Rio de Janeiro ou com astronomia.

A condição feminina de Capitu na obra de Machado de Assis nos propõe a perceber o status da mulher naquela sociedade imperial do século XIX capitaneada pela aristocracia escravocrata brasileira.

Trata-se da estratificação social que existiu no século XIX onde a mobilidade social não é fluida, sendo viscosa. Dentro do domínio fundiário, é sabido que a hierarquia social se assemelhava a uma escada com apenas dois degraus, a saber: o dono da terra e o servo da terra.

E, a mulher, nesse contexto patriarcal do Segundo Reinado[26] detém horizontes limitados. E, Capitu já apresentava um dos primeiros problemas de ascensão social que vem a ser o seu estado de inferioridade econômica em que se situava.

Ao tentar transferir-se do nível de filha de funcionário subalterno para o círculo social de Bentinho que detinha o status que era derivado da renda das terras, condena-se a um risco inevitável. Portanto, teria que pagar caro por sua intrusão num espaço social tão pouco receptivo.

Eis que é ma boa metáfora do pecado do indevido deslocamento social no intento frustrado de Pádua, pai de Capitu, de carregar uma das varas do pálio da procissão do Santíssimo Sacramento. Havendo uma vara apenas para aquela nobre distinção, meramente formal, Pádua teve de recuar de sua pretensão, devido à presença de Bentinho e do agregado José Dias.

A distinção especial do pálio vinha de cobrir o vigário e o sacramento: para tocha qualquer pessoa servia. Então, Pádua, roía a tocha amargamente. Eis, mais uma metáfora a revelar a dor e humilhação do meu vizinho.

A riqueza da família de Bentinho[27] Santiago provinha da exploração imobiliária, essas informações foram extraídas matreiramente do narrador[28] através de Escobar. O ócio da família patriarcal era preenchido por cerimoniais burocráticos e religiosos além da etiqueta complicada

O discurso narrativo patriarcal presente em Dom Casmurro reproduz o absolutismo do poder permeado pelas contradições inerentes à condição humana. Capitu, tem em si, todas as virtudes de mulher apaixonada e também as astúcias e traições de quem tem a ambição alpinista capaz de superar sua condição social adversa.

Em verdade[29], a traição de Capitu funciona como álibi da deficiência humana de Bentinho, um inocente que se transforma em um desconfiado amargurado. As provas sofrem de ambiguidade e tanto podem apoiar uma hipótese como a contrária.

A mulher, no contexto da obra machadiana, funciona biologicamente como força reprodutiva  e ideologicamente como instrumento de conformação do sistema social. O retrato e o desejo da mulher surgem através dos olhos masculinos e, procuram vencer as restrições impostas pelo poder dominante.

Flaubert foi denunciado à Justiça francesa[30] na época da criação de Emma Bovary e, por trazer cenas em seu romance consideradas como imorais. James Joyce[31] por sua ousadia, de cenas eróticas ao criar o monólogo de Molly em Ulysses, sofreu censura e acusação de obscenidade na Inglaterra e nos EUA.

Ao analisar algumas propostas presentes na obra intitulada “O Enigma de Capitu” de 1967, de autoria de Eugênio Gomes quando se realizou paciente estudo comparativo da obra machadiana e, se procurou apurar as fontes em que o autor se apoio, o que resultou na apologia da ambiguidade e, quando o crítico baiana demonstrou que a acusação de Capitu era derivada da imaginação doentia de Bentinho e, ainda, traçou uma aproximação de Capitu com  Madeleine Férat, personagem de Émile Zola[32], com a tese naquela época em voga, da impregnação, segundo a qual a mulher poderia conceber um filho muito parecido com alguma pessoa de suas relações com quem tivesse impressionada intensamente.

Ainda Eugênio Gomes anotou que Madeleine Férat inspirou vários autores, incluindo-se Thomas Hardy[33], no conto “An Imaginative Woman” que foi incorporado em 1888 em Wessex Tales.

Dom Casmurro explora as entrelinhas excitando a busca da verdade oculta envolta no sutil silêncio que revela a complexidade das relações e de todo contexto histórico-cultural da época.

Já em Esaú e Jacó, de 1904, é uma das últimas obras de Machado de Assis. A narrativa se desenrola pelo ponto de vista do Conselheiro Aires, um diplomata aposentado. É ele quem opina sobre os fatos, quem esclarece as situações e as atitudes dos personagens. A história se passa à época da mudança do regime monárquico para o republicano.

A Proclamação da República, propriamente dita, é mencionada no episódio da tabuleta, que se inicia no capítulo 49 e só se completa no capítulo 63. É no diálogo entre Conselheiro Aires e Custódio, dono de uma confeitaria, que percebemos, entre ironias e metáforas, a opinião de Machado de Assis sobre o novo regime[34].

Tudo começa dias antes, quando “toda gente voltou da ilha com o baile na cabeça”, referindo-se ao célebre Baile da Ilha Fiscal, ocorrido em 9 de novembro de 1889.  Custódio, depois de muita relutância, mandara pintar a tabuleta que levava o nome de sua loja na rua do Catete: Confeitaria do Império. O pintor avisa então que “a tábua está velha, e precisa outra; a madeira não aguenta tinta (…) está rachada e comida de bichos”.  A alusão à monarquia é óbvia: um regime velho, decadente, comprometido e sem sustentação, que não suporta mais nem uma reforma, tem que mudar tudo.

O romance Quincas Borba[35] abre com uma das mais belas paisagens do Rio de Janeiro,  a Enseada de Botafogo, e através dele Machado de Assis apresenta um panorama da vida na  “Corte” durante o Segundo Reinado. Contudo, as abundantes referências ao cenário da cidade,  as mansões, as praças, o traçado das ruas, a iluminação a gás ou os degraus da igreja e mesmo  o cadafalso, com todo o poder de representação que estas formas carregam, são apenas parte  do caminho que conduzirá ao entendimento da trama narrada e à apreensão dos dramas  vividos pelas personagens.

É no complexo campo de forças determinado pelas relações  sociais, que a urbe se impõe com todos os seus códigos e valores, fazendo surgir um retrato da  cidade moderna e da vida urbana no seu mais amplo significado.

Flávio Loureiro Chaves aponta um exemplo da relativização dos valores morais pelas  personagens de Quincas Borba no episódio em que Rubião, recém chegado à capital, salva a  vida de um menino pobre livrando-o de ser atropelado por uma carruagem, para a alegria de  seus pais que assistiam à cena. Tempos depois, já apresentando sinais evidentes de loucura,

Rubião[36] enfrentará, naquela mesma rua, uma situação humilhante, da qual poderia ser  protegido pelo mesmo casal, presente também nesta ocasião. Porém, como não queriam ser  vistos ao lado de um perturbado mental, os dois assistem a tudo impassíveis.

A mãe de  Deolindo chega a confessar: “Eu ainda quis dar o braço ao homem e trazê-lo para aqui; mas  tive vergonha: os moleques eram capazes de me dar uma vaia.  Desviei o rosto, porque ele  podia conhecer-me. Coitado!” (Machado, 1994). Fica assim demonstrado que,  “também para a gente humilde”, a aparência social determina o comportamento moral. “Ao  optar, na lei das compensações, entre o prejuízo moral e um prejuízo social, as personagens  incidem sempre no primeiro”. (Chaves, 1974).

Saber ao certo se Capitu traiu Bentinho é uma resposta enigmática. Pois, de fato, não se sabe ao certo, em nenhum momento do romance resta explícito. Assim, a história fora tecida tão genialmente, que paira esse mistério no ar, reverberando essa dúvida no leitor. Afinal, não existem provas evidentes da traição[37] de Capitu com Escobar.

Capitu consagra-se como uma das principais personagens de Machado de Assis que tanto fortalece as relações entre direito e literatura[38] ao ensejar reflexão sobre o papel da mulher na sociedade brasileira. E, demonstra a visão dissimulada da figura da mulher que culmina em números expressivos de violência doméstica e feminicídio, questionando a questão cultural brasileira que aponta para uma das maiores violações da dignidade humana e dos direitos das mulheres.

A violência contra a mulher no Brasil e na literatura ainda sofre uma romantização. O “amor” e romantismo, nesse aspecto, constroem a figura do agressor, que apesar de maltratar, matar, estuprar e humilhar a mulher, a ama, de modo que diversas representações artísticas femininas reproduziam a sistemática e acabavam por retroceder na luta pela desconstrução da cultura da opressão contra as mulheres. Apesar de haver progressos, inclusive, legislativos como é o caso da Lei 11.340/2006, a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio.

Capitu permaneceu anos nos bancos dos tribunais acadêmicos e do inconsciente intelectual sendo julgada por uma suposta traição que jamais fora comprovada. E, o princípio in dubio pro reo não foi usado em seu benefício e, colocada no banco dos réus, vislumbraram apenas a imagem de cigana dissimulada com olhos oblíquos, um retrato da desequilibrada mente do possessivo e ciumento Bentinho.

Em verdade, Capitu veio questionar o locus da mulher do século XIX, caracterizando-se como agente de transformação de si mesma e de seu tempo e, permanece viva em sua extensão no século XXI que procuram descontruir a hierarquia entre os gêneros, os papéis sociais experimentados e impostos por parâmetro comportamental dominando do homem sobre o da mulher.

A obra de Machado de Assis lançou-se de forma sorrateira a crítica à sociedade. E, por meio da dissimulação, traçou nítidos contornos da poética adentrando ao contexto e desnudando a essência e a aparência de situações, personagens que tanto denunciaram o século XIX.   É imperioso "ler nas entrelinhas" e descobrir a sátira e a ironia como construía enredo e revelava a vigente concepção de mundo.  A opção de Machado por não adotar uma atitude escancarada ou panfletária não significa omissão, mas sim, estratégia oculta e lúdica capaz de revelar bem mais do que pode revelar a narrativa[39].

Conclui-se que da interpretação jurídica sobre a obra Dom Casmurro, que culturalmente a sociedade brasileira ainda mantém uma visão dissimulada, oblíqua e hostil em relação à mulher, por mais que as estatísticas explodam em dados de violência doméstica e feminicídio e, as questões de desigualdade de gênero e, demonstrem a mantença vitoriosa de uma cultura machista, misógina e patriarcal.

A triste contemporaneidade de Dom Casmurro aponta que a mulher[40] brasileira ainda paga alto preço da discriminação de gênero nas mais diversas formas de violação da dignidade humana.

 

 

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[1] Filho de escravos alforriados, Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em junho de 1839 no Rio de Janeiro, enquanto a capital fluminense ainda era a capital do então Império do Brasil. Sua primeira publicação ocorreu em 1854, aos 15 anos, o soneto “Ilustríssima Senhora D.P.J.A”, no Periódico dos Pobres, um jornal do Rio de Janeiro.  Aos 21 anos, Machado de Assis já era considerado um intelectual carioca. Sua trajetória o levou a trabalhar como jornalista, repórter, crítico teatral, crítico literário, contista, poeta, cronista e dramaturgo. Em sua carreira, o autor escreveu cinco livros de poesia, 10 peças teatrais, 10 romances, 216 contos e mais de 600 crônicas. Sua última obra publicada em vida foi o livro “Memorial de Aires”, em 1908, mesmo ano de sua morte.

[2] Machado de Assis fora apelidado pelos vizinhos devido ao seu hábito de queimar cartas e papéis num caldeirão de ferro em sua casa que se situava na Rua Cosme Velho, no Rio de Janeiro. O nome completo de Machado de Assis era Joaquim Maria Machado de Assis, filho do brasileiro Francisco José de Assis e da açoriana Maria Leopoldina Machado de Assis, moradores do morro do Livramento.

[3] Se Capitu fica associada à eternidade da dúvida, não é menos certo dizer o  mesmo desse autonomeado “crítico que também foi poeta”. A sua textualidade “resiste” ao  suscitar o encanto numeroso das leituras que se movem no plural de que são feitos os (seus)  tempos e os (seus) textos.

[4] Mário Cochrane de Alencar(1872-1925) foi advogado, poeta, jornalista, contista e romancista brasileiro.

Utilizou-se de pseudônimos como Deina e John Alone em algumas publicações em periódicos. Colaborou com vários órgãos de imprensa do Rio de Janeiro/RJ, desde a adolescência, tais como: Almanaque Brasileiro Garnier, Brasilea (1917), Correio do Povo (1980); Gazeta de Notícias (1894); O Imparcial e A Imprensa (1900), Jornal do Commercio, O Mundo Literário, Renascença,  Revista Brasileira (1895-1899), Revista da ABL e Revista da Língua Portuguesa, além de alguns periódicos paulistas. A 7 de junho de 1923, foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, de Portugal.

[5] Diderot antecipou Darwin, atacou Deus e escravidão e inspirou Machado de Assis. Diderot desafiou dogmas políticos  e sociais de seu tempo e foi um crítico veemente da escravidão e ainda previu com espantosa exatidão temas hoje em voga, como a crise ambiental e a polarização política. Sendo cinco os elementos básicos: narrador, personagem, espaço, enredo e tempo, este trabalho se deteve principalmente neste último. Para tanto, adotou-se como corpus o romance francês do século XVIII, Jacques Le Fataliste de Denis Diderot, o qual apresenta uma intrincada estrutura textual que provoca inúmeras rupturas temporais, provocadas, principalmente pelos diversos narradores que compõem o discurso. Devido ao fato de a obra apresentar variadas histórias, foram focalizadas apenas as mais longas para a análise. Falsas pistas temporais, quebra de coerência, desordem de tempos verbais são alguns dos elementos presentes neste romance que se destaca dentre os publicados na França no século XVIII, constituindo-se em um verdadeiro paradigma formal para os escritores seus sucedâneos, notadamente para os do século XIX, no mundo todo.

[6] O Sobrinho de Rameau é um diálogo filosófico imaginado por Denis Diderot entre Ele (Jean-François Rameau, sobrinho do célebre músico) e Eu. Os temas recorrentes na discussão são a educação das crianças, o gênio, o dinheiro… A conversa muda de assunto a cada instante e trata também de personagens da época. Foi publicado pela primeira vez em 1805. No prólogo que precede o diálogo, Eu apresenta Ele como sendo original, excêntrico e extravagante, cheio de contradições, "composto de profundidade e de baixeza, de bom senso e de desrazão. Provocador, ele elogia o roubo, o crime, e eleva o ouro a altura de uma religião, a qual adora. Eu parece ter o papel de ensinar. O título do livro remete ao grande músico francês Jean-Philippe Rameau, autor de tratados sobre teoria musical e compositor. Mas o diálogo de Diderot se desenrola com o sobrinho deste músico, um boêmio sem teto que vive de expedientes, mas que entende de música e arte. Os dois discutem diversos aspectos da arte musical, de modo particular Ópera, Ópera Cômica ou Bufa, Balé e outras expressões artísticas.

[7] A vida de Denis Diderot (1713-84) ilustra isso muito bem. Nascido em um período de relativa prosperidade e estabilidade política na França, desde cedo o jovem Diderot percebeu que as amarras à liberdade de pensamento e de expressão são muitas e se dão sob múltiplas formas, incluindo as mais respeitáveis possíveis, desde tradições e expectativas familiares até o capricho e o receio dos poderosos. Logo se deu conta, também, de que pensar livremente depende apenas da pessoa que pensa e de uma disposição a ser livre de preconceitos, dogmas e supostas certezas. Em um século repleto de espíritos livres, poucos o foram tão desabusadamente quanto Diderot. E o livro de Andrew Curran faz justiça a essa dimensão fundamental do filósofo, enciclopedista e escritor. In: CURRAU, Andrew S. Diderot and the art of thinking freely.

[8] Embora Carlos Magalhães de Azeredo seja hoje um nome desconhecido, na época era considerado pelos seus contemporâneos como um grande escritor. Ele nasceu no Rio de Janeiro em 1872, escrevia contos, ensaios e poemas, mas foi no gênero epistolar que vestiu seu melhor traje, de acordo com Carmelo Virgillo, organizador da coletânea de cartas trocadas entre os dois amigos. Para Carmelo, foi nesse gênero que Magalhães de Azeredo se revela “o elegante estilista, o brilhante observador, o sensível e carinhoso amigo que com sua espontaneidade e quase infantil franqueza soube inspirar confiança”.

[9] Agripino Grieco (1888-1973) foi um crítico literário e ensaística brasileiro. Foi um dos fundadores, ao lado de Gastão Cruls, da Editora Ariel, no Rio de Janeiro, que esteve em atividade entre 1930 e 1939, e foi o responsável pela revista Boletim de Ariel, a principal revista literária da época. Por parentesco de afinidade era ligado ao cineasta Arnoldo Jabor, sendo seu filho primogênito, Donatello Grieco, casado com a tia paterna de Jabor. Colaborou em "O Jornal", "Revista ABC" e "Hoje". Voraz leitor, chegou a ter uma biblioteca particular com um acervo de mais de 50 mil volumes. Morador durante muitos anos da rua Aristides Caires no Méier, era frequentador assíduo da Biblioteca Nacional. Na cidade do Rio de Janeiro tem uma biblioteca pública municipal (Biblioteca Popular Municipal Agripino Grieco no Engenho Novo) e uma praça em sua homenagem (Praça Agripino Grieco no Méier).

[10] CAPITU, por sua vez, é hipocorístico de Capitolina, forma feminina de Capitolino, do latim Capitolium,“ relativa a Capitólio”. Capitólio, do latim Capitolium, é o nome dado à colina de Roma onde estava situado o templo de Júpiter, divindade grega pertencente ao conjunto de deuses soberanos, que, em oposição aos deuses guerreiros, dispõem de meios mais eficazes de governar, de administrar e de equilibrar o mundo, usando como recursos o dom da arte e da astúcia, a capacidade de cegar, de ensurdecer, de paralisar os adversários e de arrebatar toda e qualquer eficácia de suas armas

[11] Augusto Meyer foi um jornalista, ensaísta, poeta, memorialista e folclorista brasileiro. Foi membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filologia. Sexto ocupante da Cadeira 13, eleito em 12 de maio de 1960, na sucessão de Hélio Lobo e recebido pelo Acadêmico Alceu Amoroso Lima em 19 de abril de 1961. Em 1926 fundou com Teodomiro Tostes, Azevedo Cavalcante, João Santana e Miranda Neto a revista Madrugada. Foi diretor da Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul, de 1930 a 1936. Transferiu-se para o Rio e com o grupo de intelectuais gaúchos trazido por Getúlio Vargas organizou o Instituto Nacional do Livro, em 1937, tendo sido seu diretor por cerca de trinta anos. Detentor do Prêmio Filipe de Oliveira (memórias) em 1947 e do Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, em 1950, pelo conjunto da obra literária. Dirigiu a cadeira de Estudos Brasileiros na Universidade de Hamburgo, Alemanha, e foi adido cultural do Brasil na Espanha. Augusto Meyer é parte do modernismo gaúcho, introduzindo uma feição regionalista na poesia. Há também em seus versos uma linha lírica, quando evoca a infância, num misto de memória e autobiografia. Completa com Raul Bopp e Mário Quintana a trindade modernista do Rio Grande do Sul. Como ensaísta, deixou estudo sobre Machado de Assis, um dos trabalhos exegéticos mais importantes sobre o escritor maior das letras brasileiras, que tanto admirava. Sua obra de crítico abrange uma vasta gama de interpretações, de autores nacionais e estrangeiros, que divulgou no Brasil.

[12] Otto de Oliveira Lara Resende foi um jornalista e escritor brasileiro. Otto é pai do economista André Lara Resende. Seu pai, Antônio de Lara Resende, era professor, gramático e memorialista, e foi casado com Maria Julieta de Oliveira, com quem teve vinte filhos, dos quais Otto era o quarto. Em 1945, Otto Lara Resende mudou-se para o Rio de Janeiro, onde começou a trabalhar na imprensa, como cronista político da Constituinte de 1946. Entre os anos de 1946 a 1954 manteve intensa atividade jornalística. Trabalhou nos jornais: Última Hora, O Globo, Jornal do Brasil e na Revista Manchete, chegando a diretor da mesma. Em 1949 foi nomeado para secretário na Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. Anos depois foi nomeado Procurador do Estado da Guanabara. Em 1979 é eleito membro da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira nº. 39. Em 1980, a Som Livre lançou o disco “Os Quatro Mineiros” com a gravação de leitura de poemas e textos em prosa de Otto, Fernand33250o Sabino, Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos. Em 1991, com 69 anos, Otto foi contratado como colunista do jornal A Folha de São Paulo. A coluna estreou com o título “Bom Dia Para Nascer”. Os ensaios publicados na imprensa lhe renderam o volume póstumo: “O Príncipe e o Sabiá”.

[13] Roberto Schwarz (Viena, 20 de agosto de 1938) é um crítico literário e professor aposentado de Teoria Literária brasileiro. Um dos principais continuadores do trabalho crítico de Antonio Candido, redigiu estudos sobre Machado de Assis elencados entre os mais representativos na fortuna crítica sobre o autor das Memórias Póstumas de Brás Cubas. O pensamento de Schwarz sobre literatura é inseparável da reflexão mais ampla sobre política e sociedade, e, nessa linha, podem-se mencionar os ensaios “Cultura e política, 1964-1969” (originalmente publicado em Les Temps Modernes, 1970, recolhido em O Pai de Família); “As ideias fora de lugar” (publicado em 1973 e depois incorporado ao livro Ao Vencedor as Batatas); “Nacional por subtração” (1986, recolhido em Que Horas São?) e “Fim de século” (1995, recolhido em Sequências Brasileiras). Seus estudos abarcam igualmente a reflexão sobre teatro, arquitetura e cinema. No campo do cinema, analisou, entre outros, os filmes Os Fuzis, de Ruy Guerra, e Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho. Também escreveu sobre críticos como Antonio Candido, Anatol Rosenfeld e Michael Löwy. Traduziu, entre outros textos, as peças A Santa Joana dos Matadouros e A Vida de Galileu de Bertolt Brecht, e o ensaio “Ideias para a sociologia da música”, de Theodor W. Adorno. Divulgou no Brasil o livro O Colapso da Modernização, de Robert Kurz, e os estudos de Dolf Oehler, Quadros Parisienses e O Velho Mundo Desce aos Infernos.

[14] José Pereira da Graça Aranha nasceu em 21 de junho de 1868 na cidade de São Luís, capital do Maranhão. Falecimento: 26 de janeiro de 1931, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro Graça Aranha foi um escritor e diplomata brasileiro pertencente ao movimento pré-modernista no Brasil. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1897, sendo titular da cadeira número 38, cujo patrono foi Tobias Barreto. Além disso, exerceu um papel preponderante na Semana de Arte Moderna (1922). Graça Aranha foi o único fundador e escritor que estabeleceu uma ligação com a Academia Brasileira de Letras, sem ter publicado uma obra. As principais obras de Graça Aranha são: Canaã (1902); Malazarte (1914); A Estética da Vida (1921); Correspondência de Machado de Assis e Joaquim Nabuco (1923); Espírito Moderno (1925); A Viagem Maravilhosa (1929); O Meu Próprio Romance (1931); O Manifesto dos Mundos Sociais (1935).

[15] Madame Bovary é um romance de Gustave Flaubert. Chamado de "romance dos romances", Madame Bovary é considerado pioneiro dentre os romances realistas, tornando-se famoso por sua originalidade. Posteriormente, levou à cunhagem do termo "bovarismo" na psicologia, em referência às características psicológicas da protagonista. Quando foi lançado, Flaubert foi levado a julgamento pela obra, despertando um grande interesse pelo romance. Em 1857, Gustave Flaubert publica o romance Madame Bovary. Por esta obra, ele foi processado por ofender a moral pública. A obra possui uma protagonista intrigante. Emma Bovary, uma personagem que abalou a muitos em pleno século XIX. Uma personagem que quase não fala, mas sente profundamente cada momento de sua história. Emma Bovary chamou a atenção dos psicanalistas e nela foi inspirado o bovarismo, um tema que parece retrógado, mas explica muito do contemporâneo. O meu objetivo é analisar essa personagem tão polêmica, Emma Bovary. Ela possui uma peculiaridade singular muito bem trabalhada e construída por Gustave Flaubert, que retrata a vida de uma mulher provinciana, francesa e burguesa do século XIX diante de uma sociedade medíocre e moralista que valorizava apenas a ascensão econômica e social. Esta análise tem como objetivo principal avaliar o contexto que influenciou o autor na construção da personagem feminina da obra e identificar os aspectos sociais, psicológicos e históricos tendo como base uma sociedade patriarcal do século XIX. E com isso, almejo compreender o ideal de sociedade que se tem até nossos dias, uma sociedade construída pelo Estado e pela Igreja, através do olhar de uma mulher construída em meio a uma classe que se consolidava, a burguesia.

[16] O realismo foi um movimento literário e artístico que teve início em meados do século XIX, na França. Como o próprio nome sugere, essa manifestação cultural significou um olhar mais realista e objetivo sobre a existência e as relações humanas, surgindo como oposição ao romantismo e sua visão idealizada da vida. O Realismo é um movimento artístico amplo e com grandes representações na literatura, mediante obras como as de Gustave Flaubert e Machado de Assis. O Realismo é um movimento artístico amplo que se apresenta contra os arroubos sentimentais e idealistas do Romantismo. A busca pela objetividade é a principal bandeira dos realistas. Na literatura, autores como Gustave Flaubert, Eça de Queiroz, Antero de Quental e Machado de Assis são considerados grandes representantes do movimento.

[17] Vladimir Vladimirovich Nabokov foi um romancista, poeta, tradutor e entomologista russo-americano. Seus primeiros nove romances foram escritos em russo, mas ele conseguiu proeminência internacional após ele começar a escrever prosa em inglês. Vladimir Vladimirovich Nabokov (em russo: Влади́мир Влади́мирович Набо́ков, também conhecido pelo pseudônimo Vladimir Sirin; São Petersburgo, 22 de abril (V.E. 10 de abril) de 1899c — Montreux, Suíça, 2 de julho de 1977) foi um romancista, poeta, tradutor e entomologista russo-americano. Seus primeiros nove romances foram escritos em russo, mas ele conseguiu proeminência internacional após ele começar a escrever prosa em inglês. Lolita, de Nabokov (1955) seu mais notado romance em inglês, foi classificado quarto na lista dos 100 melhores romances da Modern Library; Fogo Pálido (1962) foi classificado 53.º na mesma lista, e sua memória, Fala, Memória (1951), foi listado oitavo na lista do editor das maiores não-ficções do século XX. Ele foi um finalista para o National Book Award for Fiction sete vezes.

[18] Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas daí lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor. Nas ruas a espada os deixará sem filhos; em seus lares reinará o terror.

Morrerão moços e moças, crianças e homens já grisalhos.

[19] Dona Glória: mãe de Bentinho. No livro, é descrita de forma respeitável e amorosa, que cumpriu eterno luto ao marido voltando-se apenas aos serviços domésticos, mesmo sendo uma jovem senhora. Por outro lado, Bentinho tem poucas lembranças do pai, mantendo sempre consigo um retrato dele junto da mãe.

[20] Nomes (...) são pistas que se abrem para os que se lançam na aventura da investigação da criação literária. (...) Machado, em sua estratégia de construir personagens psicologicamente intensos, inicia a revelação dessas figuras complexas por meio dos nomes(...)

[21] Bentinho apaixona-se por Capitu, a vizinha de família pobre. O romance tematiza o adultério sob a ótica de Bentinho, que acredita ter sido traído por sua mulher. Eles têm um filho, Ezequiel, primeiro nome de Escobar, amigo de Bentinho dos tempos do seminário que se casa com Sancha, melhor amiga de Capitu. Entre os principais eventos da trama, destacam-se a decisão de Dona Glória de que Bentinho deveria se tornar padre, o casamento de Bentinho e Capitu, as suspeitas de infidelidade e as revelações sobre a paternidade de Ezequiel. "Amor de Capitu" é uma obra intensa e emocionante, que oferece uma nova perspectiva sobre uma das histórias mais famosas da literatura brasileira.

[22] Pretendeu-se refletir sobre a recepção do teatro shakespeariano nos ensaios críticos de Machado de Assis enquanto estratégia discursiva para a análise de O Primo Basílio, de Eça de Queirós (studium). E, como desdobramento lógico, cumpre discorrer sobre o trabalho da citação de Otelo, de Shakespeare, não só como “fonte” para o enredo de Dom Casmurro (1899), considerado “o mais subtil e genial romance de língua portuguesa”, mas também para a gestação de Capitu, a personagem de ficção mais oblíqua e enigmática.

[23] Helen Caldwell foi uma crítica, escritora e professora estadunidense com tendência brasilianista. Foi autora da primeira tradução em língua inglesa do romance Dom Casmurro, publicada em 1953. É profundamente reverenciada e lembrada por diversos tratados e escritores brasileiros, que enaltecem o seu trabalho.  Helen Caldwell foi uma crítica, escritora e professora estadunidense com tendência brasilianista. Foi autora da primeira tradução em língua inglesa do romance Dom Casmurro, publicada em 1953. É profundamente reverenciada e lembrada por diversos tratados e escritores brasileiros, que enaltecem o seu trabalho. Certa vez Otto Lara Resende afirmou: "A professora americana  Helen Caldwell, que fez um trabalho muito interessante e importante sobre Machado de Assis nos anos 50. Ela não somente traduziu Dom Casmurro, mas também escreveu um livro com o título, apresentando uma explicação, uma análise do livro, que hoje, acho, é muito bem-aceito pelos críticos, mas naquela época era bastante inusitado". O grande mérito de Caldwell foi inverter a leitura que se costumava fazer da obra de Machado. Até a sua intervenção, imputava-se a culpa à Capitu; Caldwell, entretanto, pôs Bentinho no  banco dos réus.

[24] Pierre Bourdieu foi um sociólogo francês. De origem campesina, filósofo de formação, foi docente na École de Sociologie du Collège de France. É um dos grandes sociólogos do século XX. Ele se destaca por ter renovado as ideias de autores clássicos como Durkheim, Marx, Weber, Lévi-Strauss e Mauss, criando um verdadeiro sistema teórico para interpretar a sociedade. As teorias de Bourdieu vieram à tona em um momento que muitos autores consideravam um estado de crise na Sociologia. Essa crise, em parte, tratava-se de um impasse: como fazer afirmações gerais sobre a realidade social se as pessoas possuem experiências, opiniões e vidas diferentes em sociedade? Combatendo esse sentimento de crise, Bourdieu trouxe, em suas ideias, novas formas de perceber a realidade social de maneira objetiva e científica.

[25]  O feminismo pós-estruturalista parte de uma concepção ontológica do “gênero” como socialmente construído e reproduzido por meio da prática discursiva e das relações de poder. Diferentemente da visão construtivista, que entende sexo enquanto uma categoria biológica e o gênero enquanto uma construção social, autoras do feminismo pós-estrutural, como Judith Butler e Laura Shepherd, consideram que o sexo biológico é produto dos entendimentos e ideias construídas sobre gênero e que não existem características essenciais ou inerentes a nenhuma categoria de análise. Em outras palavras: “o corpo sexuado é tanto um produto de discursos sobre gênero quanto os discursos sobre gênero são um produto do corpo sexuado.

[26] O Segundo Reinado foi o último período da monarquia no Brasil. Iniciou-se em 1840 com o Golpe da Maioridade e encerrou-se em 1889 com a Proclamação da República. O imperador era D. Pedro II e ele permaneceu no poder por 49 anos. Durante este tempo, houve muitas mudanças e revoltas no país. O café foi estabelecido como o principal produto brasileiro; Entre 1840 e 1860, ocorreu a Era Mauá, um período de prosperidade brasileira; Em 13 de maio de 1888, pelas mãos da Princesa Isabel, foi assinada a Lei Áurea. Assim, ocorreu a abolição da escravatura; Entre 1864 e 1870, ocorreu a Guerra do Paraguai, o maior conflito da América Latina, no qual o Brasil estava envolvido; Em 15 de novembro de 1889, ocorreu a Proclamação da República por meio de um golpe dos militares positivistas.

[27] Alguns estudiosos indicam uma distinção entre os nomes Bentinho, Bento, (Bento) Santiago e Casmurro como sendo representativos de fases ou características do narrador. Para não entrar nesse tipo de discussão, utilizaremos todas as denominações indistintamente, como sendo sinônimas perfeitas.

[28] Em “Dom Casmurro”, a narração é na primeira pessoa: Bento Santiago, o narrador-protagonista, escreve sobre o seu passado. Assim, toda a narração está dependente da sua memória, os fatos são contados segundo o seu ponto de vista. Devido a este caráter subjetivo e parcial da narração, o leitor não consegue distinguir a realidade e a imaginação de Santiago, duvidando da sua fiabilidade enquanto narrador. Desta forma, o romance abre a possibilidade ao leitor de interpretar os fatos e se posicionar a favor ou contra o protagonista, face à possível traição.

[29] Nas tragédias antigas , é comum que a visão e a lembrança sirvam como provas incontestes da veracidade dos acontecimentos. Não é à toa que a palavra verdade, na língua grega antiga, é formada pelo prefixo de negação –a, mais o radical ëÞèh (léthe), esquecimento : ?ëÞèåéá (alétheia), verdade, é sinônimo, para aquela cultura, de não-esquecimento, de lembrança, de fato não obscurecido (ou comprovável na realidade concreta). Segundo o Dicionário Grego – português , ?ëÞèåéá (alétheia) significa verdade, sinceridade, franqueza, veracidade oracular, realidade. Diz a verdade aquele que tem boa memória, que se lembra claramente dos fatos vistos e vividos.

[30] Gustave Flaubert, foi mandado aos tribunais da França. O motivo: levar para dentro dos lares uma história considerada imoral, que falava abertamente sobre uma mulher adúltera. O caso tornou o livro famoso à época, mas foi a qualidade da obra que a tornou um marco da literatura realista. Na trama, Emma Bovary é uma jovem que constrói sua ideia de relação amorosa lendo folhetins, mas a vida real não se mostra tão fascinante quanto nas ficções que ela apreciava. Seu casamento com o médico Charles é entediante, e Emma vive infeliz até conhecer e se envolver com o galanteador Rudolf. Mais tarde, irá se apaixonar por Leon, com quem passa a ter um caso extraconjugal. Flaubert teria se inspirado em uma história real para criar a trama. Madame Bovary faz uma crítica à sociedade burguesa - que aprisiona a mulher em papéis e identidades, bem como à sociedade de consumo, estabelecida após a revolução industrial, que a instigou a um consumo impossível de ser sustentado pela sua condição e classe.

[31] James Augustine Aloysius Joyce foi um romancista, contista e poeta da Irlanda que viveu boa parte de sua vida expatriado. É amplamente considerado um dos maiores escritores do século XX. Com Ulisses, James Joyce revolucionou o romance moderno. Ironicamente, tal romance dialoga com o passado, com a tradição. Contudo, realiza uma quebra total com a estrutura tradicional da narrativa. Por ser uma obra extensa e enigmática, ela se torna um inesgotável objeto de pesquisa. Ulisses parte de uma proposta intertextual, que liga a Antiguidade à Modernidade. Uma proposta que não se esgota aí, pois segue por meio das inúmeras alusões à obra joyceana desde a publicação do romance. Joyce, com seu exaustivo trabalho com a linguagem, fez de sua grande obra um desafio de tradução e interpretação.

[32] Émile Zola (1840-1902) foi um consagrado escritor francês e considerado criador e representante expressivo da escola literária naturalista além de relevante figura libertária da França. Presumivelmente fora assassinado por desconhecidos em 1902, quatro apenas depois de publicar o famoso artigo intitulado J'accuse, onde apontou os responsáveis pelo processo fraudulento onde Alfred Dreyfus foi vítima. A obra Madeleine Férat de 1868 ainda é muito lida, e representou tentativa frustrada de aplicar os princípios de hereditariedade ao romance. Foi seu interesse pela ciência que levou o escritor, no outono de 1868, conceber a ideia de uma série de romances em grande escala semelhante à obra de Honoré de Balzac.

[33] Thomas Hardy foi um novelista e poeta inglês. Autor de obras de grande importância, conhecido pelo pessimismo radical que caracteriza os seus romances. Em seu período de maturidade, escreveu obras que se tornaram clássicos da literatura inglesa. Thomas Hardy abordou a escrita pegando elementos dos românticos e levando-os ao reino dos realistas vitorianos; com uma abordagem muito mais fatalista e com menos esperança na força da moral e em um deus bondoso. No entanto, mantendo o destino como eixo primário da história.

[34] A indecisão de Custódio quanto ao nome é sintomática de um país de muda para manter tudo como está. Machado de Assis reduz a Proclamação da República a uma simples troca de tabuletas, mudança só de nomes. República e Império se equivalem como rótulos de fachada.

[35] Quincas Borba é um romance realista de Machado de Assis. Conta a história de Rubião, um professor de Barbacena que herda os bens de seu amigo Quincas Borba, com a condição de cuidar do cão do falecido, que possui o mesmo nome do dono, ou seja, Quincas Borba. “Quincas Borba” é um romance escrito por Machado de Assis, originalmente feito em folhetim e publicado como livro em 1892. Faz parte da trilogia realista do autor, que também conta com “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “Dom Casmurro”, caracterizada pelo uso constante de ironia e pessimismo por parte do autor e do narrador.

[36] Durante o livro, a filosofia do Humanitismo é sempre trabalhada e lembrada, com a frase que Quincas Borba fala a Rubião: “ao vencedor, as batatas”. Essa frase é importante porque mostra o princípio máximo da filosofia humanitista, e acompanha Rubião durante toda a sua história, sendo repetida até mesmo na hora de sua morte.

[37] Nesse sentido, é muito interessante ler os textos os estudiosos sobre Dom Casmurro pensando em 1) como e por que o discurso do adultério rapidamente se naturaliza na crítica machadiana; 2) de que maneira depois vai sendo aos poucos relativizado; e 3) como, finalmente, tal questionamento provoca uma abalada reação — e às vezes hilária —, a exemplo dos três artigos de alguns dos escritores mais machos da nossa tradição, publicados a partir dos anos 1990: Otto Lara Resende, Dalton Trevisan e Millôr Fernandes. Já Millôr vai mais longe: defende que Escobar não apenas “comeu Capitu” — os termos são dele — como também sugere que o marido e o suposto amante nutriam um “tipo de relação homo”.  O caso de Dom Casmurro é sintomático e exemplar daquilo que Ricardo Ramos chamou de “redondos equívocos” da crítica machadiana, que são muitos, e por isso geraram tantos embates, já que se trata de uma obra que, de maneira geral, não aceita consensos fáceis. Redondos ou quadrados, é flagrante a indecisão dos leitores de Machado na hora de decidir sobre certas questões de sua obra.

[38] O movimento direito e literatura se concentra na conexão interdisciplinar entre direito e literatura . Este campo tem origem em duas grandes questões que marcam a área do direito: primeiro, dúvida cada vez mais constante sobre se o direito é, isoladamente, uma fonte de valor e significado ou se ele deve estar conectado a um amplo contexto cultural, filosófico ou de ciências sociais que lhe conferirão valor e significado; e, segundo, o foco crescente na mutabilidade do significado em todos os textos, sejam literários ou jurídicos. Aqueles que trabalham na área enfatizam uma ou outra de duas perspectivas complementares: Direito na literatura (estudo de grandes questões jurídicas exploradas em textos literários) e direito como literatura (estudo de textos jurídicos a partir de métodos de interpretação literária, análise, e crítica). Este movimento tem implicações amplas no que diz respeito a métodos de ensino, área de pesquisa, e interpretações de textos jurídicos. A combinação da capacidade da literatura de fornecer uma visão única da condição humana por meio do texto, com a estrutura jurídica que regula essas experiências que oferecem ao judiciário nova abordagem e dinâmica para se construir uma sociedade justa e moral.

[39]  O pesquisador Natalino Oliveira considera Machado de Assis um escritor contemporâneo, pois trabalha com questões relacionadas às condições humanas. “A literatura machadiana é posta como uma grande enciclopédia, Machado não está subordinado a elementos clássicos, e sim os utilizando para seu próprio prazer”. Ademais, o estudioso diferencia a função de historiador e contador de histórias para analisar o posicionamento peculiar do autor. Ele defende que o escritor possuía um instinto de nacionalidade por ser um homem de seu tempo e país.

 

[40] A construção da personagem Capitu feita por Bentinho, como o romance Dom Casmurro, em alguma medida, se apropria do mito de Helena, principalmente da versão relatada por Eurípides em tragédia homônima. As duas personagens não têm em comum somente o fato de serem consideradas adúlteras — sem que isso possa ser comprovado nas respectivas narrativas.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 13/07/2023
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