Em sua definição, a pós-verdade corresponde a uma informação ou asserção que distorce deliberadamente a verdade, ou seja, o que é real e concreto, sendo caracterizada pelo forte apelo à emoção humana e, com base em crenças difundidas, em detrimento de fatos reais apurados, tende a ser aceita como verdadeira, influenciando a opinião pública, comportamentos sociais e, ideologias políticas.
De acordo com Oxford Dictionary a explicação do vocábulo "pós-verdade" diante do composto do prefixo "pós" que não se refere ao tempo seguinte de algum evento ou situação, tal como pós-guerra, por exemplo, mas sim, pertencer a um conceito específico que se tornou irrelevante ou já não é mais relevante.
A pós-verdade se refere ao momento em que a verdade já não é mais importante o quanto já foi outrora. Segundo o dicionário de Oxford é algo que denota as circunstancias nas quais fatos objetivos que possuem menor influência para definir a opinião pública do que o apelo à emoção ou às crenças pessoais.
Noutros termos, a verdade perdeu o valor e, não mais nos guiamos pelos fatos, mas sim, pelo que escolhemos ou queremos acreditar que é a verdade. E, na internet encontrou-se um terreno fértil para propagação de mentiras sempre comprometidas na trincheira dos haters. Apesar de termos levado tanto tempo e esforço para aperfeiçoar uma visão científica dos fatos e da realidade, para construir a isenção do jornalista, a independência editorial e, de repente, ao presenciarmos o debate político testemunhamos a exposição de versões que deseja prevalecer à socos e pontapés, em detrimento de qualquer cientificidade.
O fenômeno das fake news pode ser encarado como a disseminação, por qualquer meio de comunicação, de notícias, de falsidades noticiosas com a intenção de atrair a atenção e para desinformar ou ainda obter vantagem política ou econômica. E, assim, pode-se considerar que por parte daqueles que veiculam as notícias falsas, há uma vontade de desinformar e manipular o seu interlocutor e ainda encaminhá-lo a dissuasão referente à disposição de espírito anterior acerca de qualquer assunto.
Já Christian Dunker acentua que alguns consideram que o discurso da pós-verdade corresponde a uma suspensão completa de referência aos fatos e verificações objetivas, substituídas por opiniões verosímeis apenas à base de repetições, sem a devida confirmação ou mesmo menção das fontes.
A pós-verdade é fenômeno complexo pois envolve uma combinação estratégica de observações corretas, interpretações plausíveis e fontes confiáveis e, uma mistura que é, no seu conjunto, é absolutamente falsa e interesseira. (Dunker, 2017 apud SEIXAS).
Evidencia-se que nesses discursos, ou seja, nesses enunciados comprovadamente verdadeiros, em relação aos fatos efetivamente comprovados e interpretações verossímeis e induções razoáveis o que confere ao fenômeno traços que vão além da vetusta mentira política.
O que é mais acentuado na era da pós-verdade é a indisponibilidade ao diálogo, entre as distintas opiniões, pela consideração subjetiva e valorativa, com a vocação de se conhecer a única verdade possível sobre certa questão. Em isso se dá devido à existência de um conjunto de vieses cognitivos, dentro dos quais, o da confirmação, a saber, a tendência em tratar preferencialmente as informações que confirmem nossas crenças em detrimento das que as invalidam (BRONNER, 2013 apud SEIXAS).
No fundo, a pós-verdade apenas evoca um autoritarismo de interpretação e que impele os sujeitos e já predisporem de determinada leitura cativa dos fatos, rejeitando o que distingue, compartilhando o que assemelha, sem maiores reflexões acerca do que ali resta informado como sendo verdade.
Há, portanto, algo de bastante retórico, não meramente pela questão da (im)persuasão possível de ser observada nesse fenômeno, mas, sobretudo, pelo caráter retórico desde a percepção da realidade, pelo movimento cognitivo e argumentativo de seleção do que se divulga e do que se rejeita.”
“De acordo com Katia Maia, diretora-executiva da organização [Oxfam Brasil], ‘o governo atual se especializou em disseminar o pós-verdade para eximir-se da responsabilidade pelos graves problemas que o país enfrenta, e isso em nada contribui para que tenhamos as soluções necessárias’. O semanário The Economist deu a capa de sua última edição para uma interessante reportagem sobre a política ‘pós-verdade’. Ilustra o conceito com Donald Trump afirmando que Barack Obama é o criador do Estado Islâmico e a campanha do Brexit dizendo que a permanência do Reino Unido na União Europeia custa US$ 470 milhões por semana aos cofres britânicos. Não é preciso mais do que alguns neurônios e um computador para descobrir que ambas as afirmações são falsas, mas, ainda assim, elas prosperaram.”
Em 2016, a pós-verdade foi eleita pelo Dicionário Oxford como a palavra do ano trata-se de um adjetivo que significa relacionado a ou que indica circunstâncias em que os fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que os apelos à emoção e à crença individual.
O vocábulo "pós-verdade" já existia desde a década anterior, mas houve um aumento na frequência de uso no ano de 2016, no contexto do referendo de saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) e da eleição presidencial nos Estados Unidos. E o prefixo “pós”, em pós-verdade, não se refere a ‘tempo posterior’ mas a ‘tempo em que o conceito especificado [verdade] tornou-se sem importância ou irrelevante’. Essa acepção parece ter se originado em meados do século XX, em formações como pós-nacional (1945) e pós-racial (1971).
Supõe-se que a palavra "pós-verdade" tenha sido empregada pela primeira vez neste sentido em um ensaio de 1992 do falecido dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich na revista The Nation. Refletindo sobre o escândalo Irã-Contras e a Guerra do Golfo Pérsico, Tesich lamentou que “nós, como um povo livre, decidimos livremente que queremos viver em um mundo pós-verdade”. Há evidências de que o vocábulo "pós-verdade" tenha sido usado antes do artigo de Tesich, mas aparentemente com o significado de ‘depois que a verdade foi conhecida’, e não com o novo sentido de que a própria verdade se tornou irrelevante.
Ainda em 2004, uma obra intitulada "The Post-Truth Era", de autoria de Ralph Keyes, e no ano seguinte, o comediante norte-american Stephen Cobert popularizou a palavra informal relacionada ao mesmo conceito: truthiness, definida pelo Dicionário Oxford como a qualidade de parecer ou ser percebido como verdade, mesmo que não o seja necessariamente.
De qualquer forma a expressão "pós-verdade" resta incluída no vocabulário cotidiano e contemporâneo está presente na mídia, nas escolas, no ambiente de trabalho e, até mesmo, nas conversas em família. Tornou-se importante quando relacionado a dois fatos extremamente importantes da política mundial, a saber: a eleição de Donald Trump para a Presidência dos EUA e a vitória do plano que prevê a saíde do Reino Unido da União Europeia, mais conhecida pela sigla brexit (abreviatura de Britain exit).
Outras vezes, a palavra é tomada como sinônimo de informações falsas ou fake news. Porém, frise-se que não se equivalem. O termo "pós-verdade" já utilizado por Steve Tesich em 1992, em sua análise sobre a Guerra do Golfo e, estava presente no título de uma obra de Keyes que foi publicada em 2004. Em realidade, o que se conhece hoje como pós-verdade tem haver com uma conjunção de diversos fatos ou fenômenos que já vinham aconteccendo há décadas ou que sempre acompanharam a humanidade, em alguns casos, mas que se relacionaram ou interagiram de uma determinada maneira somente nos derradeiros anos.
Aliás, segundo MacIntyre que apontou cinco fatores que conduziram à pós-verdade. O primeiro desses, é o negacionismo científico. E, denota que a autoridade da ciência passou a ser questionada por pessoas comuns em procedimento motivado por interesses econômicos de determinados grupos empresariais e corporativos. E, o marco inicial se deu ainda na década de 1950, nos EUA, quando diversos estudos científicos começaram a associar o fumo ao câncer.
E, os grupos empresarias das indústrias de tabaco criaram, então, o Tobacco Industry Research Commitee, com o fito de financiar cientistas que demonstrasse o contrária, que não havia evidências conclusivas dos males causados pelo fumo.
E, a finalidade principal não era invalidar as conclusões científicas vigentes na época, porém, semear um pródiga dúvida junto ao público e ainda gerar confusão. A mesma estratégia foi utilizada por vários atores empresariais e políticos em relação aos outros temas tal como o inverno nuclear, a chuva ácida, o buraco na camada de Ozônio e o aquecimento global.
O segundo fator é chamado de viés cognitivo ou viés de confirmação, ou ainda, a dissonância cognitiva humana. Revela-se em ser uma tendência do ser humano em tornar suas crenças e visões de mundo sem calcar-se na razão e nas evidências, ou seja, nos concretos fatos, em um esforço para evitar o descontentamento psíquico. Nos estudos clássicos da psicologia social conduzidos nos EUA, nas décadas de 1950 e 1960, que bem demonstraram essa questão.
O primeiro estudo refere-se a teoria da dissonância cognitiva de Ferstinger, segundo a qual buscamos harmonia entre nossas crenças e ações. O segundo estudo é a teoria da conformidade social de Asch que postula que termos tendência a ceder à pressão social por nosso desejo estar em harmonia com os outros. E, o derradeiro estudo é do viés de confirmação de Watson que identificou nossa tendência a dar maior peso às informações que confirmam as nossas crenças pré-existentes.
O conceito de dissonância cognitiva remete à necessidade, do indivíduo, de procurar coerência entre suas cognições (conhecimento, opiniões ou crenças). A dissonância ocorre quando existe uma incoerência entre as atitudes ou comportamentos que acredita serem certos e o que realmente é praticado.
Inicialmente desenvolvida por Leon Festinger (1957), professor da New School for Social Research de Nova York, a teoria da dissonância cognitiva sustenta que um indivíduo passa por um conflito no seu processo de tomada de decisão quando pelo menos dois elementos cognitivos não são coerentes.
Em outras palavras, quando uma pessoa possui uma opinião ou um comportamento que não condiz com o que pensa de si, das suas opiniões ou comportamentos, ocorre uma dissonância. Quando os elementos dissonantes são de igual relevância ou importantes para o indivíduo, o número de cognições inconsistentes determinará o tamanho da dissonância.
Sweeney, Hausknecht e Soutar (2000) sugerem que a teoria da dissonância cognitiva criou um paradoxo, pois trata-se de um constructo emocional que leva a palavra “cognitivo” no nome.
No estudo, os autores defendem que a dissonância cognitiva inclui tanto elementos cognitivos como elementos emocionais: “Como Festinger descreve, é um estado psicologicamente desconfortável, mas gerado por cognições inconsistentes”.
Em síntese, a dissonância cognitiva é um construto cognitivo e emocional, que resulta em um estado de desconforto, angústia e/ou ansiedade causada quando há inconsistência entre as cognições. A magnitude da dissonância varia conforme a importância e discrepância entre as cognições. Uma vez que a dissonância cognitiva é disparada, o indivíduo irá acionar mecanismos psicológicos diversos para reduzir ou eliminar a dissonância.
A dissonância pode resultar na tendência de confirmação, a negação de evidências e outros mecanismos de defesa do ego. Quanto mais enraizada nos comportamentos do indivíduo uma crença estiver geralmente mais forte será a reação de negar crenças opostas.
Watson apresenta igualmente estudos recentes sobre a questão, expressos em dois conceitos, a saber: o efeito contraproducente (fenômeno em que a apresentação de uma informação verdadeira para uma pessoa, que entra em conflito com suas crenças em fatos falsos, faz com que a pessoa creia nesses fatos com maior convicção; e o efeito Dunning-Kruger que é o fenômeno no qual nossa falta de capacidade para fazer algo nos faz que superestimar nossas habilidades reais. Tais elementos do viés cognitivo fazem com que as pessoas sejam propensas a formar suas crenças sem ter em conta a razão e as evidências.
O terceiro fator é a questão de importância dos meios de comunicação tradicionais e, que marcou o acompanhamento de notícias e informações por meio das redes sociais, em fenômeno notabilizado como desintermediação. A intensa profusão de conteúdos baseados em opinião, muitas vezes de pessoas sem qualquer conhecimento do assunto, também está relacionada com esse processo.
E, com o surgimento e expansão da mídia partidária, sobretudo de extrema-direita, menos preocupada com os fatos e, mais enfática no engajamento ideológico dos públicos por meio do emocional. E, em terceiro lugar, com a obsessão, por parte de alguns veículos da mídia, com um ideal de objetividade que lveou a promover a falsa equivalência, sugerir que dois pontos de vista têm igual valor, quando obviamente
que um deles está mais perto da verdade do que o outro. É estratégia utilizada para evitar as acusações de caráter partidário.
O quarto fator é auge das redes sociais que formaram ambiente privilegiado onde as pessoas recebem notícias e informações do mundo. E, são construídas a partir de algoritmos que selecionam o que provavelmente as pessoas querem ou o que concorda com o ponto de vista delas, em um fenômeno denominado de "efeito bolha". Há outra questão que é a existência de redes sociais em que as mensagens são disparadas em massa diretamente para os dispositivos das pessoas, sem que se possa monitorar ou se contrapor a estas, em uma lógica subterrânea de disseminação da informação.
O quinto valor refere-se a relativização da verdade promovida pelo pós-modernismo que se desenvolveu ao longo do século XX como um movimento artístico, cultural e filosófico. E, entre suas características está o questionamento da ideia de existência de uma verdade absoluta e única, isto é, não existiria uma resposta absolutamente correta sobre i que cada elemento da realidade significa.
A denúncia de que qualquer declaração de verdade seria um ato autoritário, porque sempre ideológica, acabou sendo crítica sequestrada por movimentos políticos para afirmar que tudo seria ideológico e, portanto, nãõ haveria verdade, apenas fatos alternativos ou meras versões.
A pós-verdade é estruturada em dois processos. O primeiro é a formação de bolhas ou câmaras de eco nos quais os usuários ficam isolados, fechados as novas ideias, assuntos e informações importantes, sobretudo, na política e, acabam se expondo, quase somente as visões unilaterais dentro do espectro político mais amplo. E, o segundo processo segundo Santaella é a disseminação de notícias falsas.
Embora isso não seja novidade na história da humanidade. O fato inédito e novo é a ausência de regulações como aquelas que incidem sobre as instituições jornalísticas, em uma lógica em que toda informação teria o mesmo peso ou valor, independentemente de sua qualidade, de sua checagem e do compromisso institucional por detrás de sua produção.
A pós-verdade se relaciona intimamente com a gigantesca disseminação de informações falsas que estão atuando para moldar a tomada de decisão de pessoas em diferentes esferas (seja na política, economia, educação, saúde, cultura e religião) em velocidade e quantidade nunca vistas.
Diferentemente de outros períodos da história, quando era difícil ou até impossível checar a veracidade de informação, por exemplo, sobre o modo de vida de um país distante era verdadeira ou falsa, atualmente, de casa e em poucos segundo, se pode checar.
Porém, as pessoas não fazem isso. E, aceitam como real e repassam e compartilham e se apropriam de informações sem antes de preocupar sua verificação ou veracidade. É esse desdém pela verdade que é o fato novo que a expressão "pós-verdade" pretende abarcar.
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