Ficamos a imaginar um monte de momentos e situações em que bradamos: - Nunca! Eis um advérbio perigoso...
Por vezes, os desafios comezinhos da vida contemporânea nos solapam tudo, até a alma. Diante de crueldades,
indiferenças e vilezas crassas nosso coração vai aos poucos endurecendo feito pedra. Já não surgem as lágrimas,
já não vêm as chuvas lavar dos rostos a vergonha. E, permanecendo impassíveis, vamos desumanizando-se...
Deixamos de ser sujeitos para ser objetos, coisas, res e, reles...
Tão reles que nem o vento ousa levar e malbaratar.
É verdade que nunca fui dotada de uma sensibilidade aguda e visceral. Porém, nunca me senti tão distante dos detalhes humanos e dos sentimentos tão amiudados por essa dinâmica temporal tão célere que tudo se transforma em frangalhos... Não se trata mais da modernidade líquida. O líquido evaporou-se... São frangalhos sem identidade,
sem caráter ou materialidade que sujam a alma, embaçam os olhos e, debruçados no abismo, assistimos as coisas vis absorver e corromper a tantos... O que sobra? Eis que somos resíduos bípedes e errantes, rodopiando no tempo, ora acertando e, ora errando.
Somos uma prosa poética sem rima. Narrativas sem sujeitos e, oniscientes nos perdemos no infinito das coisas... dos fatos, das datas e, desse tempo sem trégua que quando não nos deixa simplesmente envelhecer, nos mata, sem dó nem piedade.
Nunca, jamais ou sempre são advérbios fictícios. Podemos odiar, amar, tornar-se indiferente e, até desumanizar-se
como se fosse algo natural mas, é apenas efeito brutal da incivilidade.