A cadela do fascismo está sempre no cio, já alertava Bertholt Brecht[1].
Lembremos que com as revoluções norte-americanas, francesa e russa surgiu uma nova face dos direitos humanos que ousou ser extensivo à toda humanidade. E, já sinalizavam para as construções que ampliaram os direitos de determinadas classes sociais.
Afinal, esses direitos não nascem prontos e acabados. É o caso do direito ao voto visto como uma concreta conquista da sociedade, que no Brasil passou por diversas fases. Já na primeira eleição brasileira em 1824, quando o voto era censitário, excluindo as mulheres, os escravos os libertos não nascidos no Brasil e, os que não atingiam a referida renda mínima.
Portanto, tínhamos reduzido número de pessoas que exercia naquela época o direito de voto.
As mulheres conquistaram o direito de votar somente em 1932. Os analfabetos, os adolescentes, cabos, soldados e os marinheiros depois da novação constituição. E, mesmo hoje ainda existem robustas dificuldades para assegurar o voto de presos provisórios.
Convém sublinhar que existe no país cerca de setecentos mil presos no sistema prisional e, que a metade é de presos provisórios. Portanto, a conquista do voto, não foi linear nem contínua, pois no período da ditadura civil militar implantada em 1964, durante muitas eleições, o voto universal chegou a ser suprimido.
Os prefeitos das capitais e das áreas definidas pelo regime como áreas de segurança, além dos governadores dos Estados, que passaram a ser homologados pelas Assembleias Legislativas de maneira mais autoritária e restritiva, as escolha do ditador presidente “escolhido” entre os marechais e generais e depois “proclamado” presidente pelo Congresso Nacional.
No final da era dos marechais e generais-presidentes, a escolha do presidente Tancredo Neves ainda foi indireta, pelo Colégio Eleitoral, sem o voto da cidadania. Para a tragédia nossa, Tancredo morre e, assumiu José Sarney, seu vice-presidente.
A liberdade e a democracia são elementos essenciais dos movimentos sociais e dos direitos humanos. A efervescência da democracia faz emergir os movimentos de direitos humanos e estes dão formato e a amplitude da democracia em cada país.
As ditaduras são incompatíveis com os direitos humanos. O que não significa que nas democracias esses direitos não sejam ameaçados pelos conservadores e os pensamentos de direita.
Já a década de 1960, quando se debatia um projeto nacional de desenvolvimento para o país, muitos segmentos sociais integravam essas lutas. As mulheres, os negros, os povos, indígenas, a juventude e até os LGB estavam presentes nas lutas pelas reformas de base. E, nem sempre eram compreendidos e aceitos, pois exigiam o reconhecimento e espaços próprios.
Durante vinte e um anos de repressão política da ditadura militar, tais movimentos não deixaram de existir e, nem deixaram de se manifestar, ainda que de forma tímida, criando espaços em igrejas, sindicatos, ambientes culturais e na política nos períodos eleitorais. E, foram atenuantes sem visibilidade, mas encaminhavam abaixo-assinados e faziam campanhas para os candidatos de oposição e, alguns se engajavam em organizações de esquerda.
E, estiveram também presentes na campanha da anistia, nas oposições sindicais, nas associações de moradores, e nas “Diretas Já”, na assembleia constituinte de 1988, estiveram nas ruas coletando assinatura para emendas populares percorrendo os auspiciosos corredores e gabinetes dos parlamentares. E, no “Fora Collor”, verificamos o poder popular de protesto.
Nos derradeiros trinta anos de democracia, participaram com suas bandeiras próprias da constituinte e das eleições indicando ou apoiando candidaturas para os legislativos e executivos, num rico processo de aprendizagem. É o passarinho que parece buscar a proteção e a hospedagem da gaiola.
Contemporaneamente, há sinais de que estamos vivenciando um momento delicado, uma nova etapa, um teste de fogo para os movimentos sociais. Como assegurar e fazer avançar seus direitos humanos, como se inserir de maneira robusta na luta pela democracia e pela ampliação das liberdades no Brasil.
Desejam reduzir as conquistas trabalhistas (vide a Reforma Trabalhista e a Previdenciária mais recentes), tentam criminalizar os movimentos sociais, investem na redução da maioridade penal, atacam Estatuto da Criança e do Adolescente, afrouxam o Estatuto do Desarmamento, investem contra os direitos e garantias sobre as terras indígenas e quilombolas. Arremessam-se contra a preservação do meio ambiente, notadamente, da Floresta Amazônica.
Defendem um Estatuto da Família que é um retrocesso contra os direitos da população LGBT. As manifestações de xenofobias, homofobias e de intolerância religiosas têm crescido muito, assim como ódio à política e a defesa do retorno da ditadura, os atentados a bombas à sede do instituo Lula e a sede do PT, as ameaças e agressões nas redes e nas ruas e nos locais de lazer, não são fatos isolados.
O ódio e a intolerância presentes, de forma pungente, no cotidiano nas redes e nas ruas expressam e sinalizam para os riscos que a democracia e os direitos humanos estão correndo.
Precisamos nos conscientizar que o diálogo deve ser fortalecido, pois permite o contraditório, permite que sejamos capazes de conhecer o trágico passado recente e permite também encontrar saídas dentro da legalidade, da democracia e do fortalecimento e da democratização das instituições.
Repito: “A cadela do fascismo está sempre no cio”, como dizia Bertholt Brecht.
[1] Eugen Bertholt Friedrich Brecht (Augsburg, 10 de fevereiro de 1898 — Berlim Leste, 14 de agosto de 1956) foi um destacado dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX. Seus trabalhos artísticos e teóricos influenciaram profundamente o teatro contemporâneo, tornando-o mundialmente conhecido a partir das apresentações de sua companhia o Berliner Ensemble realizadas em Paris durante os anos 1954 e 1955. Ao final dos anos 1920 Brecht torna-se marxista, vivendo o intenso período das mobilizações da República de Weimar, desenvolvendo o seu teatro épico. Sua praxis é uma síntese dos experimentos teatrais de Erwin Piscator e Vsevolod Emilevitch Meyerhold, do conceito de estranhamento do jornalista russo Viktor Chklovski, do teatro chinês e do teatro experimental da Rússia soviética, entre os anos 1917-1926. Seu trabalho como artista concentrou-se na crítica artística ao desenvolvimento das relações humanas no sistema capitalista. Recebeu o Prêmio Lenin da Paz em 1954.