"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos


 

 

Resumo: Toda a obra "O Pequeno Príncipe" é um mergulho poético no mundo do afeto o que nos convida a refletir e estudar o valor do afeto para o Direito brasileiro, notadamente, o Direito de Família, onde os vínculos socioafetivos geram parentalidade e, significados relevantes. A obra é atemporal pois suas mensagens nos  oferece uma aprendizagem sobre a essência da natureza humana e seu reflexo nas órbitas jurídicas da pessoa  humana.

Palavras-chave. Constituição Federal brasileira de 1988. Direito de Família. ECA. Princípio da Preservação da Dignidade Humana. Parentalidade Socioafetiva.

  "O essencial é invisível aos olhos".

                                                                         L’essentiel est invisible pour les yeux"

                                                                                                Antoine Saint-Exupéry

 

 

 

“O Pequeno Príncipe” de Antoine Saint-Exupéry começa quando um piloto caiu com seu avião em meio ao deserto e ali encontrou uma criança loura e frágil. E, afirmava ter vindo de um pequeno planeta distante.

E, com sua breve convivência com o piloto perdido, os dois o menino e o homem repensem seus valores e encontram o sentida da vida. Trata-se de um a história fantástica, mágica e comovente, por vezes, triste e, apenas aparentemente infantil.

Não há quem não se comova ao se recordar quando leu a obra. Representa uma obra existencialista do século XX, segundo Marin Heidegger , sendo também um dos livros mais traduzido do mundo, depois do Alcorão e da  Bíblia.

O maior legado da obra é a reflexão e o aprendizado e, através de uma escrita fluida fluída e simples e incita o leitor a reavaliar seus valores, repensando as riquezas da vida humana  tais como amor, amizade, trabalho, política e responsabilidade.

As experiências do Pequeno Príncipe, um jovem que sai de seu planeta e segue viajando em busca de novos mundos e de inúmeras descobertas.

Ele quer saber e aprender cada vez mais! Em uma de suas andanças o jovenzinho vai parar na Terra, mais especificamente no meio do deserto, local em que encontra um piloto perdido após um pouso complicado.

Enquanto o piloto tenta consertar seu avião, ele e o pequeno príncipe  criam um forte laço de amizade, compartilhando histórias e aprendizagens. O pequenino, com seu coração puro e seu instinto curioso, leva  o piloto  e, o próprio leitor, a pensar sobre as certezas da vida. É na simplicidade dessa criança, que compreende a beleza de uma estrela  e o valor de uma única flor que aprendemos a enxergar a vida em suas essências.

O que torna o livro “O Pequeno Príncipe” um clássico que perpetua entre gerações é sua atemporalidade. As mensagens por trás da leitura não  são apenas frutos da escrita do autor, mas sim da interpretação do leitor, que dependendo da fase que está vivendo encarará a leitura de  uma maneira diferente.

Trata-se de uma história poética que fala sobre nosso dia a dia, sobre nossos amores, nossas amizades, nossa ganância  e nossos erros tão comuns e repetitivos: o homem que não vê com o coração, que só se importa com o trabalho, que só cultiva o dinheiro,  que não tem bons amigos e, principalmente, o homem que não é capaz de manter viva a criança dentro de si.

São infinitas as passagens reflexivas da obra. Uma das passagens mais comoventes, destaco in litteris:

"É o cuidado que você dedicou a sua rosa que a faz tão especial."

Adiante, outro passagem inesquecível: "É bem mais difícil julgar a si mesmo do que julgar os outros. Se conseguir julgar a si mesmo, provara que é um verdadeiro sábio".

É inegável que o grande diferencial da obra está no fato de cada leitor interpretá-la de uma maneira,  de cada um ser tocado de uma forma única. Ouso dizer que a leitura nos faz refletir exatamente a respeito  daquilo que mais duvidamos, é como se o livro falasse com o leitor. Portanto, só lendo para saber o quão  valiosa é essa obra.

Outro ponto importante é lê-la de coração aberto. Esse é o tipo de livro que precisa ser degustado aos poucos, só assim a leitura será completa e nenhum pouco superficial.

Toda a obra nos faz dimensionar o afeto e, mais, o direito ao afeto O direito ao afeto é a liberdade de  afeiçoar-se um indivíduo a outro. O afeto ou afeição constitui, pois, um direito individual: uma liberdade que o Estado deve assegurar a cada indivíduo, sem discriminações, senão as mínimas necessárias ao bem comum de todos.

O admirável professor Sérgio Resende de Barros nos esclarece que A liberdade de se afeiçoar um a outro é muito semelhante à liberdade de contratar um com outro.

Daí, não raro, confundir-se afeição com contrato, ensejando a patrimonialização contratual do afeto. Não se deve reduzir o afeto ao contrato, para o fim imediato e ora até exclusivo de retirar dessa redução e impor às “partes contratantes” efeitos patrimoniais, às vezes nem sequer desejados por ambas.

Mas a analogia entre  afeição e contrato serve para um fim justo: mostrar que, como a liberdade de contratar, também a liberdade de afeto é um direito individual implícito na  Constituição brasileira de 1988, cujo § 2º do art. 5º não exclui direitos que, mesmo não declarados, decorram do regime e dos princípios por ela adotados.

É o que ocorre com a liberdade de contrato e a liberdade de afeto. Ambas são inerentes ao relacionamento social. Se negadas – ou tolhidas fora do bem comum – implicam a desfiguração do Estado Democrático de Direito e das  liberdades a ele fundamentais.

Sonegar essas duas liberdades – ainda que não declaradas expressamente – é renegar ao regime e aos princípios constitucionais  do Estado Democrático de Direito exigido pelo art. 1º da Constituição.

É negar a Constituição jurídica do Estado brasileiro desde o princípio. Inegável, pois,  que  embora afeto não seja contrato – o direito ao afeto, como o direito ao contrato, é liberdade individual implícita na Constituição.

Entre as tribos, na origem do povo romano, a atração natural de um indivíduo a outro se dizia affectio ou affectus, palavras compostas da preposição ad (= para) e de uma forma nominal do verbo facere (= fazer). Literalmente, affectio e affectus traduzem a ideia de ser feito um para o outro.

O afeto está presente nas mais diversas relações humanas. Destacadamente, nos relacionamentos de natureza sexual, nos quais, atualmente, o Estado brasileiro  deixou de respeitar a vontade dos indivíduos, quanto à definição do alcance do afeto nascido entre eles.

Para celebrar ou criar uma relação, inclusive para fins  patrimoniais, pode-se casar ou tornar evidente uma união estável. Mas ninguém pode optar por simplesmente viver um vínculo afetivo independente da intervenção  estatal, vale dizer, sem sequelas de ordem patrimonial. A patrimonialização da união estável é forçada – e reforçada  pela legislação estatal.

O que solapa o vínculo afetivo. Amedronta os que só querem se amar. Gera expedientes – como: “fazer um contrato”, “não morar juntos”, “evitar manifestações  de afeto por escrito”, etc. – para não tipificar união estável.

Em resumo: a tradicional ideologia da família, que matrimonializa e patrimonializa a afeição, não pode valer-se do Estado social para tolher o direito individual ao afeto sexual, cobrindo com as vestes de mercadoria toda e qualquer figura jurídica ligada à união de natureza sexual entre duas pessoas. Sob pena de negar o Estado Democrático de Direito e seus princípios constitucionais.

Ao direito constitucional da família impõe-se uma conclusão: se é preciso proteger a família e a mulher, também é evidente que o Estado brasileiro deve a seus cidadãos e cidadãs, e a todo indivíduo, uma providência urgente: garantir o direito individual ao afeto sexual mediante a figura jurídica de uma simples união de afeto que  heteroafetiva ou homoafetiva não seja desvirtuada ex vi legis, como a união estável o foi.

Existem três momentos importantes e bem distintos no Direito de Família brasileiro: o primeiro é o regido pelo Código Civil de 1916; o segundo é o após a Constituição Federal de 1988 e o terceiro é o disciplinado pelo atual Código Civil e legislação infraconstitucional.

No Código Civil brasileiro de 1916, a família estava intrinsicamente ligada ao pater familiae, onde o pai tinha todo o poder sobre a mulher e os filhos. O modelo de família era único, ou  seja, aquele constituído pelo casamento e os filhos legítimos eram apenas os havidos dentro do casamento.

Esse formato de família era patriarcal, autoritário, hierárquico e patrimonialista onde os membros tinham funções diferenciadas, eram numerosos e a procriação era fundamental para perpetuar a espécie e o patrimônio, já que a força de trabalho era essencial para a sobrevivência da mesma, sendo o afeto um valor timidamente revelado ou até mesmo desconhecido nesse ambiente em que as relações eram muito mais econômicas do que afetivas.

A partir do reconhecimento de outras formas de constituição da família previstas na Constituição Federal de 1988, o Direito de Família deixou de ser conservador, discriminador e autoritário, pois passa a ser visto sob a ótica da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da afetividade. Portanto, família não significa, obrigatoriamente, mais casamento, sexo e procriação. Sexo e casamento não estão necessariamente mais juntos, nem sexo e procriação.

A família perdeu valores que não mais se adequavam a realidade social e ganhou outros mais condizentes como dignidade, igualdade, solidariedade, responsabilidade e afeto. Ao conceber tais valores a Constituição Federal brasileira de 1988 muda o curso, a trajetória , a estrutura do Direito de Família.

Jazem na Constituição Federal brasileira de 1988 diversos princípios constitucionais gerais, que se aplicam a todas as esferas do direito e existem alguns princípios mais específicos aplicados ao Direito de  Família, ou seja, além dos consagrados princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CFRB/1988); da liberdade(art. 5º, inciso   LIV) e da igualdade (art. 5º., inciso I ) tem-se o princípio da pluralidade familiar, da monogamia, da solidariedade familiar, da proteção integral da criança, do adolescente e do idoso, da proibição do retrocesso social, da paternidade responsável e o princípio da afetividade, entre outros.

A pessoa humana e seus valores como se vê foi colocada em primeiro lugar, no vértice da pirâmide constitucional e diante da estruturação familiar.

A dignidade da pessoa humana é definida por Sarlet como: a qualidade intrínseca e distintiva  de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando,  neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que  assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como nenhum a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2002).

O princípio do respeito da dignidade da pessoa humana está ligado a afetividade pois "constitui base da comunidade familiar (biológica ou socioafetiva), garantindo, tendo por parâmetro a afetividade, o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente (CFRB/1988, art. 227)." (DINIZ, 2007).

O atual Código Civil (2002) incorporou os princípios constitucionais referidos nas relações familiares. a noção de afeto, como um elemento concreto a integrar as relações familiares, escreve  Carbonera.

A noção de afeto, como um elemento concreto a ser considerado nas relações de família, foi ingressando gradativamente no jurídico, assim como outras tantas: liberdade, igualdade, solidariedade. Isto se deve às transformações pelas quais ela passou, especialmente quanto ao deslocamento do centro de preocupações da instituição família para aqueles que a compõem.

A partir do momento em que o sujeito passou a ocupar posição central, era esperado que novos elementos ingressassem na esfera jurídica. E foi o que se observou com relação ao afeto. (CARBONERA, 2000).

O afeto surge sob novo olhar do legislador, da doutrina e da jurisprudência, se consolidando como um direito fundamental.( DIAS, 2007).  E, a mesma doutrinadora conclui dizendo "talvez nada mais seja necessário dizer para evidenciar que o princípio norteador do direito das famílias é o  princípio da afetividade."(DIAS, 2007)

Embora a palavra “afeto’ não exista expressamente no texto constitucional, extrai-se do mesmo que pelo fato de a Constituição Federal reconhecer e proteger  as relações familiares, quer sejam havidas de casamento, quer sejam constituídas pela união estável, famílias monoparentais e famílias adotivas, a união  dessas pessoas ocorre pelo afeto e não mais apenas por procedimentos formais, daí a presença indubitável do afeto, inclusive  quando trata da igualdade  entre todos os filhos (art. 227,parágrafo 6º).

O princípio da afetividade tem fundamento constitucional; não é petição de princípio, nem fato exclusivamente sociológico ou psicológico.".

Segundo o doutrinador encontram-se na Constituição Federal brasileira três fundamentos essenciais do princípio da afetividade, que compõem a evolução  social da família, especialmente nas últimas décadas do século XX: a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227,parágrafo 6º.);

b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, parágrafos 5º e 6º.);

c) a comunicabilidade formada por  qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade da família constitucionalmente  protegida (art. 226, parágrafo 4º.)

No Código Civil de 1916, não existiu e nem dele se pode extrair a presença do afeto, pois baseada que estava a relação familiar na unidade da família constituída somente através do casamento, na hierarquização, no autoritarismo do pater familiae e na patrimonialização. Segundo Carbonera o afeto  existiu de forma presumida e não concreta.

Saliente-se que o atual Código Civil, não fazia referência expressa a palavra afeto até a alteração ocorrida nos arts. 1.583 e 1.584 do C.C.,  que regulavam a guarda dos filhos na dissolução da sociedade conjugal, pela Lei nº11.698, de 13 junho de 2008, que instituiu a guarda compartilhada.

 Apenas colocava o termo afetividade quando se referia a uma das condições da guarda de terceiros, no alterado art.1.584, parágrafo único.

Pela primeira vez o legislador usou expressamente a palavra afeto, no art. 1.583, parágrafo segundo inciso I, alterado pela Lei nº. 11.698/2008, justamente  no capítulo que trata da proteção dos filhos, ao descrever as três condições necessárias para o genitor exercer a guarda unilateral, como se verifica:

Art. 1.583. A guarda  será unilateral ou compartilhada.

2º. A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os  seguintes fatores:

I - afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;

Ainda, novamente coloca a afetividade como um requisito no momento de conceder a guarda unilateral ou compartilhada do menor para terceiro, conforme o  art. 1.584, parágrafo 5º. do C.C., com alteração recente da Lei 11.698 de 13 de junho de 2008, estabelecendo que:

Daí porque entende-se que "o direito das famílias instalou uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico ao afeto."(DIAS, 2007).

Assim se o afeto deve ser valorado juridicamente é porque ele é um bem jurídico, mesmo imaterial ou abstrato, que pode ter um preço, ou seja, um valor aferível economicamente e não só sentimentalmente.

Em matéria de Direito de família e de afeto na família o valor jurídico do afeto é um dos `nós que deve ser desfeito, buscando-se uma solução equilibrada  a respeito.

O termo “nó” foi utilizado por  Perrot ao tratar sobre a família após o século XIX. (PERROT).  Alguns estudiosos desataram os nós no Direito de Família (já estão sendo desfeitos pela doutrina e jurisprudência brasileiras), no que diz respeito a afetividade nas relações familiares, como por exemplo a união estável,  a família homoafetiva (Em 09.10.2008, o Superior Tribunal de Justiça, reconheceu a possibilidade jurídica de apreciação de ações que envolvem união  homoafetiva pela primeira vez) e a filiação socioafetiva. Resta desfazer mais este.

O afeto tornou-se um valor tão importante no Direito de Família que o desafeto paterno passou a ser objeto de litígio e indenização por danos morais.

O Poder Judiciário brasileiro desde o ano de 2003, foi chamado a examinar a questão do abandono afetivo na relação paterno-filial, sendo que a ação  pioneira transcorreu na Comarca de Capão da Canoa, tendo a sentença condenado o pai a indenizar a filha por abandono afetivo, no valor de 200 salários-mínimos.

De se salientar que aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos (art. 22 da Lei nº 8.069/90). A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se autoafirme.

Desnecessário discorrer acerca da importância do pai no desenvolvimento da criança. A ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém-nascido ou em desenvolvimento violam a sua honra e a sua imagem. (Juiz Mario Romano Maggioni,2ª. Vara. Comarca de Capão da Canoa. Proc. 14/1020012032-0.Data 15.09.2003).

Entende-se que tal decisão teve uma interpretação incoerente com o ordenamento jurídico, uma vez que é possível enquadrar-se a conduta dos pais que abandonam seus filhos, quer seja materialmente, moralmente e intelectualmente nos crimes contra a família referentes aos crimes contra a assistência familiar, previstos nos arts. 244 a 247 do Código Penal, citados a seguir:

Art. 244- Deixar, sem justa causa, de prover a assistência do cônjuge, ou de filho menor de 18  (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada, deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:

Pena - detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

Parágrafo único- Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.

Art. 245 - Entregar filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia saiba ou deva saber que o menor fica moral ou materialmente em perigo:

Pena - detenção, de 1(um) a 2 (dois) anos.1º. A pena é de 1(um) a 4 ( quatro) anos  de reclusão, se o agente pratica delito para obter lucro, ou se o menor é enviado para o exterior, com o fito de obter lucro.

Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover a instrução primária de filho em idade escolar:

Pena - detenção de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou de multa.

Ou seja, é possível aplicar-se uma pena criminal, mas não é possível aplicar-se uma sanção cível, prevista nos art. 186 do Código Civil, que atingirá apenas o patrimônio desses pais que negligenciam os cuidados com os filhos. Portanto tal atitude é crime, mas não configura ato ilícito.

Assim sendo é  possível penalizar a pessoa, mas não é possível atingir os seus bens. É o mesmo que dizer retire-se a sua liberdade, mas não os seus bens.

Parece ser uma inversão de valores, colocando os bens materiais em primeiro lugar, em detrimento da pessoa  humana ou da liberdade humana, o que é totalmente incoerente com o princípio de dignidade da pessoa humana e com a despatrimonialização do Direito Civil.

Está claro o privilégio do patrimônio (direito de propriedade) do pai, em detrimento  da pessoa humana ( direito à dignidade) do filho, que deve estar em primeiro lugar quando houver colisão de  direitos fundamentais, segundo  a proporcionalidade ou  a ponderação de valores.

Ao mesmo tempo o ordenamento jurídico protege a honra de uma pessoa, que também é um valor subjetivo, por calúnia, injúria e difamação, condenando o ofensor ao pagamento de indenização civil.

O art. 5º., inciso X, da Constituição Federal vigente disciplina a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem de uma pessoa, assegurando indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação.

Outras ações estão surgindo com o mesmo propósito, mas a que está chamando a atenção de todos é o caso supracitado, pois está pendente de julgamento aguardando decisão do Supremo Tribunal Federal, eis que o Superior Tribunal de Justiça entendeu que não cabia apreciação do Supremo Tribunal Federal e a parte recorrente entrou com agravo de instrumento.

Espera-se que o Supremo Tribunal Federal, último alento para aqueles que buscam justiça, aplique os princípios constitucionais de dignidade da pessoa humana, paternidade responsável, dever de convivência, solidariedade familiar, proibição do retrocesso social e afetividade.

Caso contrário entender-se-á que a família não é constituída por seres humanos, dignos de tutela judicial e que os princípios constitucionais não têm aplicabilidade nas relações familiares.

Certo é que o valor pecuniário nessas ações não reparará o amor perdido, a convivência que não existiu e o afeto que não foi transmitido, isto é, não recompõe a perda, mas deve servir como uma punição pedagógica para educar quem abandona e fazer com que outros pais e mães tenham uma conduta responsável em relação aos seus filhos, sujeitos de direitos.

Nesse sentido, Pereira entende que não se pode obrigar alguém a dar afeto, porém o valor da indenização não terá nesses casos cunho ressarcitório, mas punitivo e simbólico, ou seja, pedagógico, como se verifica:

 Afinal, estes são os responsáveis pelos filhos e isto constitui um dever dos pais e um direito dos filhos. O descumprimento dessas obrigações significa violação ao direito do filho. Se os pais assim não agem, devem responder por isso.

Essa é a resposta que a sociedade deve dar, por meio da Justiça, aos pais abandônicos. A indenização estaria então monetarizando o afeto? De maneira alguma.

O valor da indenização é simbólico e tem apenas uma função punitiva. Mais que isso: uma função educativa. Afinal, não há dinheiro no mundo que pague o dano e a violação dos deveres morais à formação da personalidade de um filho rejeitado pelo pai.

"A indenização conferida nesse contexto não tem a finalidade de compelir o pai ao cumprimento de seus deveres, mas atende a duas relevantes funções além da compensatória: a punitiva e a dissuasória." (SANTOS, 2005).

Endossa o mesmo sentido, Madaleno: “O dano a dignidade do filho em estágio de formação deve ser passível de reparação material, não apenas para que os deveres parentais deliberadamente omitidos não fiquem impunes, mas, principalmente, para que, no futuro, quaisquer inclinações ao irresponsável abandono possam ser dissuadidas pela firme posição  do Judiciário ao mostrar que o afeto tem um preço muito cara na nova configuração familiar”. (MADALENO, 2007).

Não se trata, pois, de `dar preço ao amor`- como defendem os que resistem ao tema em foco - , tampouco de `compensar a dor' propriamente dita. Talvez o aspecto mais relevante seja alcançar a função punitiva e dissuassória da reparação de danos, conscientizando o pai do gravame causado ao filho e sinalizando para ele  e, outros, que sua conduta deve ser cessada e evitada, por ser reprovável e grave.

Entende-se que Estado quer interferir o mínimo possível nas relações familiares, que possuem natureza privada, embora o caráter público esteja também presente na aplicação das normas cogentes de Direito de Família.

Não é possível estabelecer regras e aplicar o direito segundo o lugar que as pessoas ocupam na sociedade até porque haveria ofensa ao princípio de igualdade constitucional.

Não importa o lugar, mas o ser. Se a família é a base da sociedade e merece especial proteção do Estado, conforme dispõe o art. 226, caput, da Constituição Federal, este tem que efetivamente protegê-la quando um de seus membros estiver ameaçado, seja a ameaça externa ou interna, sejam os violadores das regras terceiros ou membros da própria família.

A empresa é digna de tutela judicial reparatória, a escola,  as relações de consumo, as relações trabalhistas, porque não as relações familiares.? Não é relevante o local onde a violação aconteceu, ou quem a cometeu,  mas sim, o que aconteceu, o fato em si, o dano ocorrido.

O que deve ser protegido é a pessoa agredida ou que tem o seu direito violado, não importando o lugar  onde ela esteja nem a pessoa que cometeu a agressão, violação e até mesmo a omissão como neste caso, o abandono.

Dessa forma, se o Poder Judiciário, através do Supremo Tribunal Federal, negar acolhida a tais ações, possivelmente o filho (criança ou adolescente) sentir-se-á  triplamente abandonado, pela família, sociedade e Estado, justamente quem deveria protegê-los segundo o art. 227, caput, da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 4º.,  e  nada mais poderá fazer a não ser lamentar.

A recente alteração do Código Civil brasileiro , no que s refere a guarda compartilhada veio para proporcionar convivência dos filhos com os pais,  o que se verifica facilmente na guarda consensual

Saliente-se, no entanto, que o Estado também ao dispor sobre a guarda compartilhada na forma litigiosa está determinando o convívio entre pais  e filhos menores, deixando a critério do juiz e com o auxílio de profissionais de ciências interdisciplinares a possibilidade de aplicação no caso  concreto, conforme se extrai do art. 1.584, inciso II, parágrafo 1º.   e  parágrafo 2º., C.C.:

Art. 1.584. A guarda unilateral ou compartilhada poderá ser:

II - decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai ou a mãe.

1º. Na audiência de conciliação o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada,  sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.

2º. Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.

A guarda compartilhada é solução para proporcionar a convivência entre pais e filhos na forma consensual e, mesmo na forma litigiosa é uma excelente oportunidade de o Estado através do Poder Judiciário cumprir com o seu dever de propiciar o dever de convivência familiar, previsto na Constituição Federal no art. 227, caput, fazendo com que os pais convivam com seus filhos e se não o fizerem, ou seja, se os abandonarem, o juiz poderá aplicar sanções em caso de descumprimento, o que já ocorre judicialmente quando os pais não visitam os filhos e são condenados por exemplo, a pena de multa, embasada no art. 201 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Talvez essa forma de punição possa evitar os casos de abandono dos pais e consequentemente evite o ajuizamento de ações de indenização por abandono afetivo pelos filhos, sendo, portanto, uma possível solução.

Por esse ângulo, vê-se esta norma, quanto a possibilidade de aplicação em casos litigiosos de forma positiva e não negativa, como quase unanimidade dos doutrinadores. O que se quer é o convívio, pois então o Estado já determina a convivência com o pai e com a mãe e , se eles não cumprirem e assim abandonarem afetivamente os filho, já responderão pelos danos que causarão aos mesmos.

Portanto, de forma positiva analisa-se tal dispositivo entendendo que o legislador quis privilegiar as relações entre pais e filhos no momento da dissolução da sociedade conjugal, mesmo que entre o casal não seja mais possível a convivência, o afeto, não se pode negá-los aos filhos.

Conclui-se que o Estado procura não intervir nas relações familiares, preferindo que seus integrantes resolvam seus problemas internamente, sem a sua presença.

No momento em que isso não é possível interfere para resolver os litígios. Assim foi com a publicação da Lei Maria da Penha, que trata da violência doméstica  nas relações familiares. Também recentemente, na guarda compartilhada quando atribui ao juiz a possibilidade de aplicação da mesma em processos litigiosos. Como se vê, o Estado está intervindo nas relações familiares, mesmo que o legislador não tenha se dado conta disso.

O afeto é o alicerce das relações familiares, sem ele o edifício da família um dia ruirá, mais cedo ou mais tarde, acompanhado de outros elementos como o  respeito, a consideração, o companheirismo, a fidelidade em todos os sentidos , não só sexual, o nível econômico, cultural e emocional dos seus integrantes, daí porque deve ser protegido e valorado juridicamente.

Sem afeto a família não resistirá. A propósito Roudinesco, psicanalista francesa, ao ser entrevistada quando esteve no Brasil, ao responder sobre a família  do futuro afirmou : "Não há famílias ideais . A família do futuro está para ser construída e não teorizada."(Roudinesco, 2004).

Conforme dispõe o art. 226, caput, da Constituição Federal vigente a família é a base da sociedade e merece especial proteção do Estado, assim não há dúvida que o  Estado deve não só estar presente, mas agir efetivamente nas relações familiares para proteger um membro da mesma enquanto pessoa . O dano ocorre  independentemente do local da agressão, o que é relevante é que uma pessoa humana foi agredida ou violada em seus direitos.

Por isso, se Poder Judiciário, negar acolhida a tais ações, em casos de comprovado abandono dos filhos menores pelos pais, possivelmente o filho  (criança ou adolescente) será triplamente abandonado pela família, sociedade e Estado, justamente quem deveria protegê-los, segundo o art. 227, caput, da vigente Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente  no art. 4º.

A família não deixará de existir porque o Estado responsabilizará um de seus membros por danos cometidos, sejam materiais, morais ou psicológicos no seio da mesma, pelo contrário, só não sobreviverá se não existir afeto  entre seus membros, pois sem afeto não há fidelidade, vida em comum, interesses comuns, respeito e consideração mútuos.

Sem afeto todos esses elementos poderão existir separadamente, mas não constituirão uma família, existirão em outro lugar, que não nesse "ninho", podendo configurar uma sociedade, uma entidade, uma associação, mas jamais uma família.

É preciso reconhecer que o afeto deixou de ser um mero coadjuvante nas relações de família para ser o ator principal da mesma. Daí porque os julgadores devem dar ao afeto familiar o valor jurídico que ele merece.

Cogitar em constitucionalização do Direito Civil, notadamente, o brasileiro significa a priori reconhecer a superação da dicotomia público/privado, visando um sistema jurídico em que existe uma integração dos dois ramos, sobretudo, quando a Magna Carta vigente passa a disciplinar emas antes somente tratados apenas em âmbito privado, como e o caso do Direito de Família, da mesma maneira que as regras de Direito Privado precisam buscar fundamento na Lei Maior, devendo apresentar interpretação de seus institutos conforme os ditames constitucionais.

Para Lenza (2015), tendo em vista essa superação dicotômica, notadamente com vistas ao princípio da dignidade da pessoa humana, que constitui um fundamento da República Federativa do Brasil,  além de constituir um princípio nuclear frente a todo o ordenamento jurídico brasileiro, parece mais adequado, então, falar em  um “direito civil-constitucional”, de forma a proporcionar u entendimento do Direito Privado à luz das regras constitucionais  e podendo, em diversas oportunidades, reconhecer a imediata aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, como é o

 caso da eficácia horizontal desses direitos.

Acredita-se que a descodificação do Direito Civil e a consequente criação de vários microssistemas como o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Alimentos e outros tenham contribuído para o efetivo reconhecimento d a constitucionalização do Direito Civil, cujo parâmetro central de interpretação deverá ser o Texto Fundamental.

O Ministro Barroso (2015)  entende que a constitucionalização do direito no Brasil fora possibilitada, dentre outros motivos, pelo fato de que todos os principais ramos do direito infraconstitucional tiveram aspectos, seja de maior ou de menor relevância, tratados na Constituição, pelo que concluiu  o autor no seguinte sentido:“... à medida que princípios e regras específicos de uma disciplina ascendem à Constituição, sua interação  com as demais normas daquele subsistema muda de qualidade e passa a ter um caráter subordinante.” Daí decorre o entendimento deque as demais normas e princípios precisam, essencialmente, ser interpretadas de acordo com a norma superior.

O princípio da dignidade da pessoa humana, estatuído no inciso III, do artigo1.º da Constituição Federal como fundamento da República, traduz a máxima segundo a qual a pessoa passa a ser concebida como fundamento e fim da sociedade e do Estado.

Esse princípio tem como  essência a proteção do mínimo existencial a cada pessoa, ou seja, o direito à vida já não é o suficiente, não basta apenas existir:  essa existência deve se dar de forma digna, de forma que sejam asseguradas as mínimas condições vitais com dignidade. Cabendo ao Estado realizar ações afirmativas para efetivar tal princípio.

A dignidade humana é uma condição intrínseca do indivíduo, e ao titular desse valor jurídico não cabe renúncia ou qualquer transação.

Já a solidariedade é apresentada no ordenamento jurídico como um objetivo da República Federativa do Brasil, nos termos do inciso I, do artigo 3.º do Texto Fundamental.

Esse valor, bem como vários outros inseridos na Magna Carta, representa uma nova fase do constitucionalismo contemporâneo, no sentido da consolidação de um Estado fraterno e solidário, pautado em ideais de igualdade e da dignidade humana, pilares do sistema jurídico. Isso posto, emerge a ideia de que o Direito Civil como um todo assumiu uma nova roupagem, transição esta denominada “personalização do Direito Civil”, face à mudança constitucional premente, determinado o ser humano como fundamento.

No que tange ao princípio da afetividade, acredita-se que tenha sido um dos marcos representativos dessa mudança de paradigmas representada pela humanização do direito. Isso porque é assente na doutrina que o sistema pretérito se preocupava muito mais com a tutela patrimonial do que com a essência da relação familiar, mais que isso, com cada integrante da família como um indivíduo que merece a proteção em sua individualidade.

Não se pode pensar apenas nos interesses do pater famílias (ou seja, no modelo de família totalmente patriarcal e hierarquizado).Para doutrinadores como João Baptista Villela, Maria Berenice Dias, Tartuce, Rosenvald e Farias, Calderón, Paulo Lôbo, dentre outros, é firme o reconhecimento do valor jurídico da afetividade.

O precursor dessa tese no Brasil foi João Baptista Villela que, em 1979, já defendia a desbiologização da paternidade, quando defendia que o vínculo familiar era melhor representado ou constituído pelo afeto do que pela verdade genética.

Na atualidade, consolidou-se entendimento no sentido de que a afetividade é o verdadeiro fundamento do Direito de Família.

Para Nelson Rosenvald e Cristiano Farias (2015), “a entidade familiar deve ser entendida, hoje, como um grupo social fundado, essencialmente, em laços de afetividade, pois a outra conclusão não se pode chegar à luz do texto constitucional.”

Apesar de algumas mudanças terem sido observadas com o CC/2002, não foram suficientes para afastar essa preocupação cega no aspecto patrimonial, conforme  facilmente se percebe na análise de institutos como o casamento, em que as causas suspensivas, por exemplo, são quase todas voltadas aos interesses patrimoniais, conforme elucida Lôbo (2011).

No entanto, nos termos do que se defende, o indivíduo figura atualmente  como centro das preocupações do Estado. Não se quer, com isso, afastar toda a visão patrimonial, mas sim proporcionar um equilíbrio.

O afeto, define Lôbo (2011), é um fato social e psicológico ou anímico. Trata-se, pois, de um valor subjetivo, de um sentimento que possui várias facetas, ao contrário da afetividade que é dotada de caráter normativo.

Segundo Lôbo (2011), “a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles.

Mesmo quem entende a afirmação da existência da afetividade como valor jurídico a ser tutelado pelo Estado, destaca que algum limite há de ser imposto, como é o  caso da juspsicanalista Giselle Câmara Groeninga (2008, apud Tartuce, 2015):O papel dado à subjetividade e à afetividade tem sido crescente no Direito  de Família, que não mais pode excluir de suas considerações as qualidades dos vínculos existentes entre os membros de uma família, de forma que possa buscar a  necessária objetividade na subjetividade inerente às relações.

Cada vez mais se dá importância ao afeto nas considerações das relações familiares; aliás um outro  princípio do Direito de Família é o da afetividade.

Rosenvald e Farias (2015) lecionam que o afeto é, sem dúvidas, fundamento para o Direito das famílias, no entanto, acreditam que é desprovido de exigibilidade  jurídica nas relações em que se apresente voluntariamente, tendo em vista seu imprescindível caráter de sentimento humano espontâneo. Desta feita, como sentimento espontâneo que é, tentar inferir nas relações humanas, exigindo juridicamente o afeto, seria desvirtuá-lo, já que - uma vez imposto - não seria sincero e assim, não congregaria as qualidades que lhe são próprias.

Verifica-se que, ao longo da história, a afetividade nem sempre fora considerada como parâmetro para a definição do núcleo familiar. Dos estudos realizados  por Calderón (2013), depreende-se que, nas sociedades antigas, nem mesmo o critério biológico era o utilizado para definir a família, tendo em vista que os elos familiares envolviam, por vezes, escravos e pessoas que não possuíam qualquer vínculo consanguíneo.

O critério era o da religião, que ditava as  regras dos vínculos entre as pessoas, como no caso da realidade romana, o pater famílias, que detinha hierarquia e autoridade perante os demais integrantes.

Após a Segunda Guerra Mundial, essa subjetividade caminhou a passos largos tendo em vista a percepção do indivíduo particularmente considerado, dotado de uma dignidade que lhe é inerente, sendo plenamente capaz de deliberar sobre seus relacionamentos, podendo optar pelo modo de viver em família que melhor lhe agradasse.

Assim, não são consideradas apenas as “famílias legítimas”, comodantes. A partir desse marco histórico, tornaram-se possíveis as famílias consubstanciadas por vínculos afetivos.

Entender a família constitucional consolidada pelo Texto Fundamental de 1988, e que superou a percepção de família como “unidade produtiva  reprodutiva”,  como denominam Rosenvald e Farias (2015) o molde familiar presentado no CC/1916, é preciso relembrar as bases e os valores sociais apresentados pela vigente Constituição, quais sejam: a dignidade humana, a solidariedade social e a igualdade substancial.

Entender a família constitucional consolidada pelo Texto Fundamental brasileiro de 1988, e que superou a percepção de família como “unidade produtiva e reprodutiva”,  como denominam Rosenvald e Farias (2015) o molde familiar apresentado no CC/1916, é preciso relembrar as bases e os valores sociais apresentados pela  novel Constituição, quais sejam: a dignidade humana, a solidariedade social e a igualdade substancial.

Calderón (2013, p. 261), na defesa do reconhecimento do princípio da afetividade, destaca que tanto a atual Lei da adoção como a lei da guarda compartilhada estão há alguns anos em vigor e não foi percebido qualquer espécie de caos jurisdicional, nem mesmo críticas contundentes contra seu uso.

O outro exemplo citado pelo pesquisador foi o da Lei da Alienação Parental, Lei nº. 12.318/2010, cujo objetivo consiste em reprimir condutas prejudiciais à relação pai e filho. Visa claramente salvaguardar a relação de afeto nas relações familiares.

Concluiu que os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do artigo 226, da CF, são meramente exemplificativos As demais entidades familiares são tipos implícitos, incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família.

Rosenvald e Farias  (2015) adotam o mesmo entendimento e assim o fazem na justificativa de que, desde o preâmbulo do Texto Fundamental, é instituído o Estado Democrático  de Direito, cuja destinação visa a assegurar a todos o pleno exercício dos direitos individuais e sociais, e ainda a construção de uma sociedade fraterna e solidária, despida de preconceitos; sendo assim, concluem os autores que a interpretação de todo o texto constitucional deve ser fincada nos princípios da  liberdade e da igualdade, tendo como pano de fundo o macroprincípio da dignidade da pessoa humana.

A recente Lei de Adoção  (Lei nº. 12.010/2009) também apresenta a afetividade como fundamental para constituição da família. No parágrafo único do artigo 25, determina que a família extensa ou ampliada se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, sendo formada por parentes próximos com os  quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade, tendo estabelecido esta?

Como critério balizador do julgador para definir o destino do adotando. Ademais, no §3º, do artigo 28, do mesmo diploma, o legislador ratificou a afetividade como critério decisório a ser utilizado na apreciação  do pedido de adoção

Calderón (2013), na defesa do reconhecimento do princípio da afetividade, destaca que tanto a atual Lei da adoção como a lei da guarda compartilhada estão há alguns anos em vigor e não foi percebido qualquer espécie de caos jurisdicional, nem mesmo críticas contundentes contra seu uso.

O outro exemplo citado pelo pesquisador foi o da Lei da Alienação Parental, Lei n. 12.318/2010, cujo objetivo consiste em reprimir condutas prejudiciais à relação pai e filho. Visa claramente salvaguardar a relação de afeto nas relações familiares.

A jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça – STJ – também tem se consolidado no sentido de valorizar a socioafetividade. Exemplo disso é ocaso do pai biológico que após anos de ausência resolveu voltar e ajuizou ação visando alterar o registro de nascimento de filha, na tentativa de retirar o nome dopai socioafetivo, que sabendo não ser genitor, acolheu a menor e lhe deu todo o apoio necessário.

No entanto, em sede recursal o pai socioafetivo obteve êxito, com o indeferimento do pedido de retificação do registro. Isso porque restou entendido no RECURSO ESPECIAL Nº 1.087.163 - RJ (2008/0189743-0), que a paternidade biológica não tem o condão de vincular, inevitavelmente, a filiação, é necessário aferir a existência de elementos imateriais que demonstrem a vontade de tomar posse da condição de pai ou mãe.

Conforme o que se pode verificar do julgado, a afetividade tida como princípio é sim vinculante, tendo em vista que por este princípio a verdade biológica, dantes irrefutável, perde espaço para a verdade socioafetiva, sobretudo para efetivar princípios constitucionais como a dignidade – tanto do pai afetivo quanto da filha – o princípio da busca da felicidade, do melhor interesse do menor, assim como da boa-fé objetiva, a contribuírem pela manutenção da justiça nas relações familiares.

E, acerca disso, insta elencar a continuação de trecho da decisão emblemática do STF supramencionada: "Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º).

Recurso Extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a casos semelhantes:  “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação  concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais”.

“Em se tratando de questões de filiação, não reina apenas o critério biológico, sendo pacífico na jurisprudência do STJ que “pai também é quem cria” assim, o pai que efetua o registro pode não ser pai biológico, no entanto, apenas este critério não ensejará a negativa de paternidade já que, no momento do registro, apesar da verdade científica, desejou sê-lo.

Assim, quando da ação de reconhecimento da paternidade/maternidade, será aferida a existência de ambos os critérios, tanto prova científica, quanto da existência da posse do estado de filiação

Verificou-se ainda que a afetividade dotada de valor jurídico de princípio não é reconhecida apenas na seara doutrinária ou jurisprudencial, já que algumas leis como a Lei Maria da Penha (Lei. nº. 11.340/2006), Lei da Guarda Compartilhada (Lei n. 11.698/2008), a nova Lei de Adoção (Lei nº. 12.010/2009), e a Lei da Alienação Parental (Lei nº. 12.318/2010) já invocam o princípio, nos termos doque se analisou. Além do projeto do Estatuto das famílias que, se aprovado, trá-lo-á expressamente como princípio fundamental, em seu artigo 5º do texto constitucional brasileiro vigente.

 

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GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 13/11/2022
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