A invenção da psicanálise[1] por Freud ocorreu num campo de cientificismo, na crença que investe a ciência do poder de abarcar todos os domínios do real.
Apesar de vivenciar insuperável contradição entre o programa mecanicista muito calcado no determinismo e em hermenêutica muito aberta à produção subjetiva do sentido. A psicologia científica de Freud contribuiu para um psiquismo automático ou na máquina do psiquismo. Pois, projetou conceitos próprios das ciências naturais sobre o psiquismo humano, imprimindo originalidade à racionalidade freudiana, consistente em razão limítrofe que conjuga e separa o sentido e pulsão, desestabilizando as fronteiras entre os saberes estabelecidos.
Porém, o discurso de Freud não nos obriga optar entre força e sentido. A história da ciência moderna tida como sucessão de golpes na pretensão humana de ocupar o centro do universo, da criação e de si mesmo.
Afinal, homem é, simultaneamente, criador e criatura. A humilhação fora perpetrada por Copérnico[2], Darwin[3], Freud e Marx[4] que teriam infligido um narcisismo um descentramento, o que pode dar lugar ao recentemente que se reflete no mundo mecânico.
Questiona-se, afinal em que consiste a tão falada mecanização do mundo derivada da revolução copernicana por Galileu[5] e Newton[6] é a representação do universo como infinito, composto de partículas homogêneas cujos movimentos de atração e repulsão que atuam de forma precisa e atendem às leis físicas e matemáticas universais.
Portanto, rompeu com a noção antiga de cosmos representado por totalidade hierarquizada e fechada, grande cadeia do ser no qual o ente se moveria para cumprir sua finalidade, que coincidiria com o próprio Bom.
Conforme advertiu Laupré a natureza dos antigos funcionava mais como uma causa final que atrai os seres numa direção particular do que como causa eficiente que os impede irresistivelmente.
Ao devir da máquina, o mundo herda uma propriedade definidora pois as máquinas não possuem centro, finalidade intrínseca podendo se obter multiusos. O universo criado pela física moderna aponta que o mundo no qual os seres viviam não os ensinaria mais nada sobre estes deveriam viver (Rorty).
O que aconteceria se considerássemos a nós mesmos como máquinas?
Para Freud procurou aplicar o mecanismo ao domínio psíquico o que teria precedido pelo associacionismo de David Hume como a mecânica das representações.
Rorty deixa transparecer a mecanização da mente; esboçando um projeto de psicologia científica. Aliás, Freud ao estudar a causalidade de neuroses, descreveu: “tudo pareceu encaixar-se, as engrenagens se entrosaram e tive a impressão de que a coisa realmente passa a ser a máquina que funcionaria sozinha”.
A finalidade é presentar os processos psíquicos como estados quantitativamente determinados de partículas materiais especificáveis.
Há o duelo de duas principais ideias: 1. Aquilo que distingue atividade de repouso deve ser considerado como Q, sujeita às leis gerais do movimento; 2. Os neurônios devem ser encarados como partículas materiais.
Freud fazendo obedecer aos princípios puramente mecânicos esses dois postulados (quantidade e neurônio). Tenta construir a variedade de funções psíquicas percepção, memória, consciência, experiências de satisfação e dor.
O psiquismo se torna uma máquina que regula, inibe e transmite o fluxo quantitativo aportado pelos estímulos externos e excitações internas, permitindo que atravessasse ou não ou neurônios.
Não é esse mecanismo mecanicista que tornou a psicanálise perturbadora, mas, a postulação de um inconsciente tão inteligente e engenhoso, capaz de atos falhos, chistes e sintomas elaborados que é necessariamente linguístico.
O inconsciente excederia, portanto, a tradição que faz do homem sede de opostos, de um polo elevado que corresponde a alma e a razão que deve controlar e purificar o polo baixo (o instinto, a paixão e a animalidade).
A psicanálise trouxe a questão ética dos mais desconcertantes que um novo mecanismo: é a noção de que o sujeito não coincide consigo mesmo, de que se acha irremediavelmente marcado por um Spaltung, uma divisão subjetiva.
De sorte que o relato que tercemos sobre a nossa própria existência não pode ser unificado, forçando-nos ao ético dever de reconhecer o inconsciente enquanto interlocutor, parceiro conversacional, na narrativa descritiva que fazemos de nós mesmos.
A expressão da análise seria consistente numa redescrição do próprio passado numa conversação ampliada. Para Rorty nenhuma das partes pode se identificar com a verdade. Não há garantia e nem regras universais.
O reencontro da natureza perdida nos diria, o que devemos fazer de nós mesmos, pois a psicanálise visaria que como máquinas que somos, criemos narrações alternativas de nós mesmos, novos estilos de vida, novas metáforas, utilizando um vocabulário sempre revisto e ampliado.
É irônica a descrição de Rorty sobre o percurso de Freud, pois é um paradoxo cientificista, adepto da causalidade mecânica, que nos levou, a descobriu que a vida é um romance polifônico. É um work in progress, sem palavra final.
[1] A psicanálise foi fundada pelo médico neurologista Sigmund Freud e muito difundida mundialmente.
A psicanálise é uma ciência à parte da psicologia e, não se trata de tipo de terapia da mesma maneira
que a psiquiatria e nem pode ser considerada como área da medicina. Apesar dessa ciência de perpassar direta ou indiretamente por essas áreas, além de sociologia, educação entre outras. Do ponto de vista terapêutico, o método psicanalítico trata-se de uma terapia baseada na ideia de conhecer e compreender a origem dos problemas que nos afetam e que, se sanados, podem nos libertar de tensões e de ansiedades. Além de libertar também de doenças ligadas à mente, como a neurose e histeria. Usando principalmente a análise.
[2] Astrônomo defendeu Teoria Heliocêntrica e conseguiu medir distância do Sol. Em uma época na qual todos acreditavam ser a Terra o centro do Universo, o astrônomo e matemático polonês Nicolau Copérnico contraria o modelo geocêntrico vigente, baseado nas observações de Ptolomeu, e propõe sua Teoria Heliocêntrica.
[3] Apesar de ter se tornado célebre por sua Teoria da Evolução por meio da seleção natural, Darwin contribuiu muito mais para o desenvolvimento do conhecimento humano, sendo reconhecido também como naturalista, biólogo, etólogo, taxonomista, geólogo, ecólogo e, como se fosse pouco, pai da biogeografia.
[4] Karl Marx, filósofo e sociólogo alemão que passou grande parte de sua vida em Londres, na Inglaterra, além de ter contribuído para o estudo social e econômico, foi o desenvolvedor de uma teoria política que deu alicerce ao socialismo científico.
[5] Galileu Galilei foi um importante cientista, físico, matemático, astrônomo e filósofo italiano. Sua contribuição científica iniciou uma nova era na história da astronomia, foi o primeiro astrônomo a acessar novos conhecimentos com o uso do telescópio. Defendeu o conceito de que a Terra não era o centro do universo.
[6] Isaac Newton é reconhecido como um dos grandes cientistas da história da humanidade, deixando contribuições expressivas em campos do conhecimento como a matemática, astronomia e física. ... Seus trabalhos e estudos resultaram nas leis de Newton e na lei da gravitação universal.