"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos


 

 

O texto de Karl Marx onde criticou a concepção liberal sobre o direito vem refletir a tensão existente entre as justiças a formal e a concreta.  Lembrando que se reputa justo o ato quando resulta da aplicação de certa regra.

 

Olvida-se convenientemente que quem determina as leis, não questiona os valores que estão na base dos critérios que as definiram.

 

Prevalece a noção de que entre o formal e o concreto, sai vitoriosa a cultura que reparte os homens em superiores e inferiores e promove a naturalização da desigualdade.

 

Ainda em tempos contemporâneos, não obstante, o triunfo da tecnologia de informação e comunicação, apesar dos progressos da genética e da medicina em geral, ainda vige a noção primitiva de justiça que é “dar a cada um, o que é seu”, ou “a cada qual segundo sua posição” o que representa a base social para a naturalização, o consentimento e a legitimação das próprias desigualdades e misérias, que se faz presente e reproduzida por tradição nas relações sociais.

 

Não é tarefa fácil desvendar as raízes das desigualdades, conhecer os elementos de sua dinâmica e estrutura. Está contida na noção de justiça a legitimação ou não de desigualdade, podendo ser questionado o que é exatamente justo na relação entre homens.

 

Afinal, qual é o critério de valor, então, para a definição de justiça? Há questões relevantes por se tratar de um conjunto de contradições próprias do desenvolvimento da sociedade capitalista, relacionando-se com as expressões da “questão social” e vinculando-se diretamente com os mecanismos sociopolíticos e institucionais requeridos para seu devido enfrentamento.

 

Estes mecanismos são acionados na esfera pública, pela ação do Estado ou por iniciativas da sociedade civil e os profissionais como o advogado, professor e o assistente social atua exatamente nessa tensão entre as necessidades do capital e a do trabalho, nas contradições germinadas pelo modo desigual no processo de produção e distribuição de riqueza.

 

A decisão de certo corpo social sobre o modo de produção e distribuição de riqueza constitui a base na escolha de incrementar a igualdade ou desigualdade,           ipso facto, o que é justo ou injusto numa sociedade e intervém em situações reveladoras das profundas desigualdades, constitutivas do próprio modo de produção capitalista, situações essas que, pela resistência e luta dos explorados e espoliados, o capital foi obrigado a dar respostas administrado suas próprias sequelas, não por ser sensível à intensa pauperização humana, mas ser interessado em manter sua dominação de classe.

 

Portanto, é fundamental para o sujeito desenvolver a capacidade de decodificar criticamente a realidade objetiva, tendo a percepção sobre a justiça como elo fundamental civilizatório.

 

Toda concepção marxista sobre a justiça e os direitos humanos está contida no debate sobre a igualdade. Trata-se, pois, para apreender seus rebatimentos e determinações e de responder ao busilis acerca de qual sentimento de igualdade pode existir numa sociedade tão desigual.

 

Sem dúvida, para tratarmos das desigualdades nas sociedades capitalistas, precisa-se mesmo de ter um conceito de partida sobre a noção de igualdade e desigualdade.

 

O conceito de igualdade está pautado particularmente na tradição da filosofia ocidental, herdada da clássica concepção de Aristóteles, na qual, a justiça como virtude representa um meio termo entre os dois extremos, o equilíbrio entre dois vícios como a escassez e o excesso, pois, afinal “se as pessoas não são iguais, não receberão coisas iguais”. (Aristóteles. Ética a Nicômaco. São Paulo: EMC, 2002).

 

A tradição aristotélica que fora  recepcionada por Marx, na qual os iguais devem ser tratados igualmente e, os desiguais tratados desigualmente com a finalidade de diminuir e, não aprofundar as desigualdades.

 

No processo de desenvolvimento social inclusive na edificação do socialismo conforme alertou Marx na “Crítica ao Programa de Gotha”, a nova sociedade nascida das entranhas do capitalismo (socialismo de primeira fase) que apresenta ainda em todos os seus aspectos, tanto no econômico, no moral, no intelectual, o selo da velha sociedade de cujas entranhas procede.


E, sobre essa etapa, o próprio Marx admitia existir algumas desigualdades, as quais não são apenas reconhecidas como até devem mesmo defendidas.

 

Num primeiro momento o lema in litteris: “a cada um segundo seu trabalho”, o que já consigna “a cada um segundo sua necessidade” é o princípio do que Marx chamou de socialismo superior [1].

 

Enfim, nesse socialismo superior quando houver desaparecido a subordinação escravizadora dos indivíduos em face da divisão do trabalho e, com esta, o contraste existente entre trabalho intelectual e trabalho manual ou braçal; quando o trabalho não for somente um meio de vida, mas a primeira necessidade vital humana; quando o desenvolvimento dos indivíduos em todos seus aspectos, crescerem também as forças produtivas e jorrarem as fontes da riqueza coletiva, só então, será possível ultrapassar-se totalmente o estreito horizonte do direito burguês e a sociedade enfim poderá escrever em suas bandeiras assim: de cada qual segundo sua capacidade, a cada qual segundo suas necessidades.

 

Lembremos que a cada necessidade pressupõe o reconhecimento de determinadas desigualdades por parte de Marx que geram, portanto, necessidades diferentes. Afinal, o que justifica a luta pela igualdade? Porém, não se trata de uma desigualdade de burguesia, nem de poder, mas de uma desigualdade resultante, de que se pode chamar de diferenças impostas pela natureza (biológica).

 

Rousseau em sua obra “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens” apontou a existência de dois tipos de desigualdade, a saber: uma que ele chamava de desigualdade natural e está relacionada com as capacidades e talentos e, outra a qual se denominava de desigualdade moral (que seria no fundo, imoral) a qual era associada às diferenças econômico-sociais, jurídicas e institucionais.

 

As desigualdades naturais, portanto, sempre irão existir, em qualquer sociedade, mesmo numa sociedade de socialismo avançado, e mesmo no comunismo[2], não deixará de existir velhos e jovens, crianças e pessoas deficientes e, que, portanto, são pessoas que receberão, mas, conforme suas necessidades, porque se supõe que nossa sociedade superior, o desenvolvimento das relações de produção e das forças produtivas seja tal, que se cria um fundo social de reserva em quantidade tão grande que permita dar conta dessas despesas sem com isso estes (idosos, doentes mentais entre outros) serem considerados parasitas, pois são desigualdades intrínsecas da natureza humana.

 

Até mesmo os que estão em condições de trabalhar normalmente, vigem ainda as desigualdades, pois uns possuem maiores habilidades enquanto que outros menores, bem como existem diferentes condições de saúde, de força corporal e intelectual, entre outras, são desigualdades que precisam ser consideradas e igualmente respeitadas.

 

Mas existem aquelas desigualdades sociais e que são constituídas e consentidas pelos próprios homens e, segundo Rousseau assinalou, se os que mandam valem mais do que os que obedecem.

 

Para Rousseau, as leis são criadas pelo homem e para o homem. Somente por conveniência, afirmam que poucos na sociedade desenvolvem as “luzes” que permitem a sua compreensão.

 

E, assim, já afirmaram uma desigualdade natural entre os “superiores”, os que conseguem acessar o conhecimento e os “inferiores”, aqueles que são incapazes de compreender as leis, apenas precisam cumprir.

 

Para Antonio Gramsci tal questão resta esclarecida, pois todos os homens são filósofos, em graus diferentes e que os obstáculos que se põem à condição de filósofo no verdadeiro sentido da palavra, a saber, que são a religião e o senso comum[3].

 

A distinção entre intelectuais e não-intelectuais refere-se tão somente à imediata função social da categoria profissional dos intelectuais. Em resumo, todo homem fora de sua profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, um filósofo, um professor, um artista, um historiador participa de uma concepção de mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim, para manter ou modificar uma concepção de mundo, ou seja, para promover novas maneiras de pensar.

 

Portanto, todos os homens são capazes de compreender as leis, não precisam apenas cumpri-las. Quem detém o poder ou a riqueza afirma essa “superioridade” no sentido intelectual de ser capaz de conseguir acessar o conhecimento, como sendo uma coisa natural, que convence, persuade porque tira vantagem do próprio discurso de justificação do seu poderio e de seu lugar social.

 

As posições e os papéis de cada um, vão se perpetuando e exteriorizando-se no poder, no Estado, nas instituições, legitimando a desigualdade e interferindo na concretização dos direitos sociais e direitos humanos.

 

A luta pela igualdade, portanto, é no sentido de eliminar as desigualdades constituídas e consentidas socialmente, não significando negar que, em sendo cada ser humano peculiar, suas diferenças serão reconhecidas sempre visando suprir a desigualdade.

 

Daí a condenação a uma convivência aceitável, harmônica e pacífica entre “superiores e inferiores”, patrões e empregados, exploradores e explorados, burgueses e proletários, pois são essas desigualdades que determinam a chamada “questão social” a discriminação e o racismo[4].

 

Na peça teatral de Shakespeare intitulada “O mercador de Veneza”[5], a qual, mesmo um representante do que viria a ser no futuro o capital bancário, o judeu rico Shylock, reconhece a igualdade no que se refere ao ser humano em si, numa situação em que é questionado dos motivos de sua vingança a um cristão.

 

Nessa mesma peça, o bardo denunciou a posse de um humano sobre os outros, descrevendo a desigualdade na relação com os escravos.  Percebe-se que apesar de o judeu denunciar a relação de desigualdade humana, persiste a queixa que se transforma em desejo de ter iguais direitos, o que chama a atenção para quando os valores de certo grupo social são questionados dentro da mesma lógica, mudam-se apenas os personagens, mantendo-se os papéis, com os mesmo valores impregnados e infectados nas ações.

 

Os sujeitos querem deixar de serem escravos para se tornarem senhores, ou seja, almejam, no máximo, um dia, poder situar-se no papel de “superior”, deixando assim de se sentir oprimido e “inferior”, mas por consequência, fazendo outros se sentirem oprimidos, isto é, mantendo a desigualdade, trocando apenas os personagens.

 

 

Em sua teoria Marx reconheceu os dois tipos de igualdade, a saber: uma que se baseia no princípio que enuncia de cada qual segundo sua capacidade, a cada qual segundo o trabalho realizado. E, outro princípio que enuncia de cada qual segundo sua capacidade, a cada qual segundo suas necessidades. Nesses dois tipos de igualdade, Marx considerou de cada qual segundo sua capacidade, portanto, em qualquer sociedade, é justo que se exija de cada um conforme sua capacidade.

 

Porém, esse princípio só se realiza na sociedade pós-revolucionária, extraído das origens da sociedade capitalista, seja no socialismo, ou em sua fase mais avançada que vem a ser o comunismo[6].

 

Historicamente Marx reconheceu representar grande evolução a revolução burguesa, pois rompeu com feudalismo medieval, no qual uns trabalhavam e outros não, a exemplo da aristocracia, o trabalho não era exigido de cada qual segundo a sua capacidade, mesmo que o espírito do capitalismo seja de que todos trabalhem até mesmo os empresários, e trabalhem muito para desenvolver e ampliar riqueza, mas ocorre o fato de que muitos com capacidade não trabalham por viverem do trabalho explorado dos outros e, ainda, muitos com capacidade de trabalhar não o fazer, por falta de emprego, resultante do modo de produção estabelecido, o que exige sempre um exército reserva de mão de obra como manobra de baixar o preço do trabalho remunerado.

 

Assim, os dois tipos de igualdade, só poderão se concretizar na sociedade alternativa ao capitalismo, com a eliminação de todos os critérios pelos quais a produção e a distribuição de riqueza têm sido feita, ou seja, quando tais critérios atuais da sociedade burguesa forem considerados ilegítimos e injustos. Resta evidente o entendimento marxista[7] sobre justiça. A igualdade é a mediada pelas concepções de justiça em disputa com a sociedade.

 

Em sua carta “Crítica ao Programa de Gotha”, Marx afirmou que as relações jurídicas surgem das relações econômicas e demonstra como, ao se permitir numa sociedade, que uns se tornem donos das condições materiais de trabalho, o sentido de justiça também admite que o homem e seja escravo de outros homens, na medida em que um só possui sua própria força do trabalho e dependerá totalmente de outros homens que detêm os meios de produção.

 

Corroborando tal entendimento, Marx enunciou in litteris: “O trabalho não é fonte de toda riqueza. A natureza é a fonte (...) o trabalho é a manifestação de uma força natural, da força de trabalho do homem (...) que é efetuado com os correspondentes objetos e instrumentos. (...) Os burgueses têm boas razões muito fundadas para atribuir ao trabalho uma força criadora sobrenatural, pois precisamente do fato de que o trabalho está condicionado pela natureza deduz-se que o homem que não dispõe de outra propriedade senão sua força de trabalho e tem que ser, necessariamente, em qualquer estado social e de civilização, escravo de outros homens, daqueles que se tornaram donos das condições materiais de trabalho”.

 

Já outro tipo de igualdade, presente propriamente em etapa mais avançada da sociedade humana, é aquela fulcrada no princípio “de cada qual segundo sua capacidade, a cada qual segundo suas necessidades” que corresponde à fase superior do socialismo, pois o direito não poderá ser nunca superior à estrutura econômica, nem ao desenvolvimento cultural da sociedade por este condicionado.

 

Na sociedade comunista, quando, com o desenvolvimento dos indivíduos em todos os seus aspectos, crescerem também as forças produtivas trarão a riqueza coletiva, só então, a sociedade poderá se inscrever em suas bandeiras: “de cada qual, segundo sua capacidade, a cada qual segundo suas necessidades”.

 

Concluiu Marx que só no comunismo é possível o tratamento igual aos seres humanos com todas suas necessidades forçosamente desiguais, porque a individualidade será sempre singular e uma socialização superior não nega o indivíduo e, sim, o individualismo.

 

Numa sociedade superior, então, se espera que o desenvolvimento das relações de produção e das forças produtivas seja tamanho, que se passa a ter um fundo de reserva público suficiente para assistir e amparar crianças, idosos, doentes e, sem que com isso sejam considerados como parasitas do esforço social.

 

Para Marx a justiça equivale a condições concretas de igualdade humana, ultrapassando as garantias formais de igualdades, que ainda são necessárias, porém não são suficientes, mas concomitantemente, garantindo sua plena concretização através da plenitude de direitos sociais e humanos.

 

E, nesse diapasão que a crítica marxista a concepção liberal sobre o direito refletida na tensão existente entre a justiça formal e a concreta. E aponta com firmeza sobre as relações entre a forma e o conteúdo, por exemplo, a imparcialidade é só a forma, nunca o conteúdo do direito. E que, se o processo for nada mais que forma carente de conteúdo, tais formalidades careceriam de valor visto que toda forma é sempre a forma de certo conteúdo.

 

Por essa razão, além de não haver a efetivação do que já foi formalizado, ainda se poderá questionar o conceito de ato justo quando resultante da aplicação de certa regra. Mas quando se pode afirmar que esta é justa? Tal raciocínio abstrai quem determina as leis e não questiona os valores que residem na base dos critérios que as definem.

 

E, sobre o tema, John Rawls tentou definir um princípio de justiça elaborado por pessoas que estão sob o “véu da ignorância”[8], não sabendo qual a posição que ocuparão após sua escolha, na sociedade. No entanto, pressupõe que nesta sociedade existam posições desiguais que serão ocupadas pelos que elegeram os princípios de justiça de uma forma autônoma.

 

Com tal raciocínio, Rawls[9] se distanciou de uma visão realista e fundamentou sua tese sobre a base de uma concepção abstrata de homem desvinculado da vida concreta, do concreto sociopolítico-cultural e econômico das suas relações de classe e dos vínculos comunitários e familiares.

 

Pode-se até afirmar que esta concepção de homem abstrato e ahistórico vão de encontro às suas pretensões de consideração da pessoa moral tida como pessoa racional, já que na sua concepção, a capacidade de planejar a própria vida vai acontecer sem o referimento à realidade.

 

Portanto, o critério daquilo que é justo vem definido no tratamento das desigualdades, de caráter essencialmente procedimental do tipo de justiça que cogitou Rawls. E, tal postura se distancia de uma interpretação das desigualdades como fenômeno social e histórico, profundamente enraizado na questão social, que é a tese protagonista do Estado Social.

 

Desta forma, a justiça social[10] não se apresenta como uma resposta aos problemas da questão social e toda sua teorização social, política e econômica das desigualdades. O que é relevante para Rawls é a igual cidadania e, por isso, a discussão se concentra nas formas legislativas e constitucionais que garante o direito.

 

No centro da tese de Rawls há a defesa da propriedade privada, conforme afirmou no prefácio da obra “Uma teoria da Justiça” e corrobora que ser possível uma democracia da propriedade privada.

 

Assim, não pela redistribuição de renda em favor dos desfavorecidos, a fim de cada período, mas sim, assegurando a posse amplamente difundida de ativos produtivos e capital humano (qualificações profissionais e habilitações técnicas) no início de cada período, tudo isso, sobre uma base de liberdades básicas iguais e igualdade equitativa de oportunidades.

 

Reside a igualdade nas oportunidades, conforme se vê, numa sociedade de desiguais, como se fossem possíveis oportunidades realmente iguais. A lógica persiste e continua na formalidade. Quando uma pessoa que não tem trabalho[11], não tem moradia, não tem alimentação, conseguirá participar das mesmas oportunidades dos que têm?

 

Tal racionalidade formal vem sendo afirmada pelos governos liberais e difundida amplamente pela mídia que prega o desenvolvimento do ativo produtivo e capital humano. Clamando pelo incentivo à capacitação contínua, colocando no indivíduo a responsabilidade de buscar se qualificar, como se isso, por si só, garantisse acesso ao emprego, renda e ainda à propriedade.

 

São argumentos que não logram em demonstrar como tal democracia da propriedade privada impediria a disparidade de riquezas e poder por estas permitidas. Portanto, são visões no campo meramente formal de justiça e não de sua concretização.

 

Enfim para se abordar cientificamente o problema das desigualdades na sociedade capitalista, é relevante firmar questão prévia sobre o conceito de partida sobre o que se quer afirmar sobre o discurso das ideias de igualdade e desigualdade, seja no campo semântico, seja sua relação  com outras categorias analíticas (sintaxe) e o seu uso no discurso prático ( pragmática da linguagem).


Assim, desde o início, se evidenciou que a opção metodológica é, em favor de um conceito de igualdade assentado na tradição da filosofia ocidental, tradição que fora recepcionada por Marx, na qual, os iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais, desigualmente, com o fito de diminuir e não se aprofundar as desigualdades.

 

Pois, o próprio processo de desenvolvimento social, incluindo a primeira etapa do socialismo, já jazia a contradição existente entre forma e conteúdo na medida em que, para este, desde os textos de juventude, ser radical significa ir à raiz do problema.

 

No sentido da concretização dos direitos, da justiça e da igualdade há a limitação desses direitos quando estes se restringem à exaltação ao individualismo liberal, ao invés de apontar para superação de tais limites através da afirmação social plena do ser humano.


Trata-se de exigir que se assegure, pois a universalidade de acesso aos bens e serviços necessários à sobrevivência humana, bens estes que superam aqueles ofertados, e hoje, à grande maioria da humanidade, vitimada pela ditadura do capital, está privada.

 

E, neste sentido, Marx concebeu os direitos humanos como apenas aqueles concretizados no horizonte de superação da hegemonia do capital quando, com o desenvolvimento cabal dos indivíduos, se desenvolverem de forma plena e simultânea com as forças produtivas.

 

 

Referências:

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: EMC, 2002.

GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1968.

FALCÃO, Raquel. Os Direitos Humanos e o Sentido de Justiça Numa Sociedade Desigual a partir da Crítica marxista a esses conceitos. João Pessoa: Prim@ Facie, volume 13, número 24, 2014.

KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. In: Marx e Engels – Textos. Volume I. São Paulo: Edições Sociais, 1977.

____________. O capital. (Volume 1, Tomo I) São Paulo: Abril Cultural, 1983.

____________. Crítica da filosofia do Direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.

RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Porto Alegre: L&PM, 2009.

SHAKESPEARE, W. O Mercador de Veneza. Tradução Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2007.

 

 

 

 

 

 

 

 


[1] Em alemão: Kritik des Gothaes Programms é um documento baseado numa carta de Karl Marx, escrita no início de 1875, para o grupo socialdemocrata alemão em Eisenach, com quem Marx e Engels eram próximos. Talvez oferecendo um dos pronunciamentos mais detalhados de Marx sobre assuntos revolucionários, em termos de programação e estratégia, e que discute a revolução socialista e a ditadura do proletariado, o período de transição do capitalismo para o comunismo; o internacionalismo proletário e o partido da classe operária. Também foi notável em prover elucidações quanto ao princípio "De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades, como base para a sociedade comunista. Marx também mencionou que no socialismo "o indivíduo recebe da sociedade exatamente, o que lhe oferece". Apontando que enquanto o comunismo seria uma sociedade onde o pagamento é lastreado nas necessidades, o socialismo sendo imaturo e incompleto, os salários seriam baseados nos feitos".
A referida Crítica foi publicada postumamente, sendo considerado um dos escritos de maior valor, por ser uma das mais detalhadas quanto à descrição do comunismo. A carta fora dirigida para a cidade alemã de Gota, onde um congresso do partido ocorreria. E, os militantes de Eisenach planejavam se unir com os Lassaleanos, de forma a unificar o partido para mais tarde, se tornar mais poderoso sob o nome de "Partido Social Democrata da Alemanha". Os "Eisenaches" enviaram o esboço do programa para a união dos partidos para Marx fazer seus comentários. Este acreditou que o programa estava negativamente afetado pela influência de Ferdinand Lassalle, a quem Marx via como um oportunista desejando limitar as exigências do movimento operário em troca de concessões governamentais. Contudo, no congresso em Gota, ao final de Maio de 1875, o rascunho do programa foi aceito pela maioria com alterações mínimas. Essa carta somente fora publicada em 1891. oito anos após sua morte, quando a socialdemocracia alemã declarou suas intenções em adotar um novo programa e, Engels, utilizou a carta de Marx para esboçar um possível programa.

 

[2] O comunismo no mundo contemporâneo é considerado morto, entretanto, ainda existem países que adotam a ideologia em seu governo. O comunismo polarizou o mundo com o capitalismo, especialmente no pós-guerra em 1945. Entre os vencedores figuravam os Estados Unidos e a União Soviética. Esses dois países se colocavam em blocos hegemônicos opostos e defendiam ideologias que jamais se cruzavam e tinham interesse a cooptação de outros países para disseminar seus ideais. O forte armamento desses países impediu que se lançassem numa guerra direta, mesmo sendo declaradamente inimigos. E, por tal motivo, o confronto por vias indiretas e, o período pelo qual o conflito ideológico esteve presente foi denominado de Guerra Fria. O mais pujante símbolo desse conflito ideológico existente entre o capitalismo e o comunismo fora materializado com o Muro de Berlim que dividiu a cidade e também a Alemanha em parte ocidental e oriental. E este presente ao longo de toda a Guerra Fria, tendo sido derrubado finalmente em 1989, quando a União Soviética já não tinha o poderio para manter o embate e nem para sustentar a doutrina comunista. Alguns historiadores consideram a queda do Muro de Berlim como o marco do fim do comunismo no mundo, o que permitiu a expansão do capitalismo no leste europeu. Mas, ainda no século XXI existem países que se guiam pelos preceitos do comunismo, apesar de que sua prática tenha sido muito alterada, uma vez que a população desfruta de outras realidades de liberdade e escolha. É o que acontece na China, Cuba e Coréia do Norte.

[3] O senso comum, portanto, apresenta-se à apreensão sincrônica do universo elementar de significados e ações, daí decorrentes, sem outra base além do conhecimento adquirido fora das instâncias legítimas de saber. O senso comum, embora pareça eterno e imutável, está sempre em uma contínua, mas lenta transformação. As concepções populares a respeito do mundo aparecem muitas vezes como uma consequência óbvia do próprio mundo, evidências fornecedoras de certa base para o senso comum.  Quando se refere à religião em geral, Gramsci a retrata essencialmente como uma manifestação que nasce das penúrias humanas, da impotência do homem diante do desconhecido e das “potências superiores”. Afirma que o ser humano imagina “uma razão suprema” e procura, na esfera do sobrenatural, respostas que ainda não consegue encontrar na ciência e na história. A época moderna, no entanto, deu passos decisivos para superar a concepção mágica e metafísica de mundo, inaugurando assim uma sociedade fundamentada sobre a ciência, a liberdade, a política e o protagonismo das massas.

 

[4] Já Antiguidade Clássica entre diversos povos existiam as relações entre vencedor e cativo. E, tais relações existiam independentemente de raça, pois muitas vezes os povos de mesma matriz racial guerreavam entre si, e o perdedor passava a ser escravizado e cativo do vencedor. Neste caso, o racismo muito se aproximava da xenofobia. E, assim permaneceu por muito tento, até que a expansão das nações europeias começasse. O racismo, como fenômeno comportamental e social, procura afirmar que existem raças puras, e que estas são superiores às demais; desta forma, procura justificar a hegemonia política, histórica e econômica. Do ponto de vista antropológico, os grupos humanos atuais em sua maioria são produto de mestiçagens. A evolução das espécies, incluindo a humana e o sexo facilitaram a mistura racial durante as eras. Afirmar que existe raça pura torna ilusória qualquer definição fundada em dados étnicos e genéticos estáveis. Portanto, quando se aplica ao ser humano o conceito de pureza biológica, o que ocorre é uma confusão entre grupo biológico e grupo linguístico ou nacional.

 

[5] A trama de "O Mercador de Veneza" se passa no século XIV na cidade de Veneza, na Itália – na época uma das cidades mais prósperas do mundo graças ao comércio. O Mercador de Veneza começa com os problemas de Bassânio, um jovem de origem nobre, porém sem muito patrimônio, que deseja casar-se com a herdeira Pórcia. Para isso, precisa fazer uma viagem de três meses, mas não tem dinheiro para tal. Então, recorre a seu amigo Antônio, um os mais ricos comerciantes de Veneza e um homem muito bom. Antônio explica ao amigo que não tem dinheiro para emprestar, uma vez que seus navios e bens estão no mar, mas que ele pode ser fiador caso o Bassânio vá atrás de um empréstimo. Nesse momento, Bassânio contata o judeu Shylock. Ocorre que Shylock odeia Antônio por seu antissemitismo, e ao ver que ele será o fiador, faz uma proposta especial: se ele não for pago até a data especificada, receberá uma libra da carne de Antônio. Bassânio não deseja pegar o dinheiro nessas condições, mas Antônio consente e assina o contrato. Então, com os recursos em mãos, Bassânio viaja para Belmonte para conquistar Pórcia, com seu amigo Graciano. Em Belmonte, uma pequena prova – criada pelo pai de Pórcia – aguarda seus pretendentes. Há três baús: um de ouro, um de prata e um de chumbo. O pretendente que escolher o baú certo poderá se casar com a jovem. O primeiro e o segundo pretendente escolhem, respectivamente, os baús de ouro e prata, e são rejeitados. Já Bassânio escolhe o baú de chumbo, sem se deixar enganar pela aparência pomposa dos outros dois baús, e recebe a mão de Pórcia em casamento.

 

[6] O comunismo, do latim communis, comum, universal é ideologia política e socioeconômica que pretende promover o estabelecimento de uma sociedade igualitária, sem classes sociais e apátrida, lastreada na propriedade comum dos meios de produção. Sem dúvida um de seus principais mentores filosóficos foi Karl Marx que postulou que o comunismo seria a fase final do desenvolvimento da sociedade humana e, que isso seria finalmente alcançado através de uma revolução proletária. O chamado comunismo puro se refere a uma sociedade sem classes sociais, sem Estado e livre de quaisquer tipos de opressão e onde as decisões sobre o que produzir e quais políticas devem ser seguidas são tomadas democraticamente, permitindo assim que cada membro da sociedade possa participar do processo seja na esfera política e econômica da vida pública e/ou privada. Foi Lênin que forneceu uma detalhada descrição sobre o comunismo enquanto sistema econômico e que culminou com a negação do conceito de propriedade privada e do capital que se refere aos meios de produção na terminologia de Marx. Enquanto o capitalismo desempenha esse papel mediante a emulação da concorrência, o socialismo deveria manter, em certa medida, essa emulação ao repartir os bens ainda escassos "a cada um segundo o seu trabalho". Só o comunismo, que corresponderia ao pleno "reino da liberdade e da abundância", poderia instaurar a repartição segundo o princípio de "a cada um segundo sua necessidade".

[7] Os movimentos como o anarquismo e o marxismo surgiram e ganharam expressão no século XIX em face dos efeitos sociais da Revolução Industrial. E, ambos foram fortes contestadores da ordem liberal capitalista e do Estado garantidor das condições trabalhistas da época, coincidindo, igualmente, quanto ao ideal comunista: o fim da divisão de classes, da exploração e, até mesmo do Estado. Para os marxistas, deveria haver uma fase intermediária socialista que seria a ditadura do proletariado, um Estado revolucionário que construiria as condições viabilizadoras do comunismo, tais como lidar com os movimentos contrarrevolucionários que viessem a surgir na transição. Os anarquistas, ao contrário, pensavam em erradicar não apenas as classes, as instituições e as tradições, mas sobretudo o Estado. Há críticas ao funcionamento da economia socialista, considerada por Mises ineficiente pela distorção/ausência do sistema de preços e por Hayek como inevitavelmente ligada à tirania e servidão. Outros críticos, como Milton Friedman, afirmam que uma sociedade comunista  estaria fadada a estagnação dos avanços tecnológicos, redução de incentivos e redução da prosperidade.  A inviabilidade de implementação também é debatida, bem como os efeitos sociais e políticos que as tentativas de ascendência comunista causaram. Alegando que o comunismo marxista era impossível de ser atingido, Murray N. Rothbard em seu livro "Economic Thought Before" Adam Smith escreveu: "Somente um crente na necromancia absurda da "dialética" pode acreditar que um Estado totalitário [socialista] pode inevitavelmente e de maneira virtualmente instantânea se transformar em seu oposto, e que, portanto, a maneira de se livrar do Estado é se esforçar ao máximo para maximizar seu poder".

[8] A esse desconhecimento a priori acerca da sua porção de “bens primários”, John Rawls chamou de “véu de ignorância”. Cada um desconheceria, à partida, a sua posição no pacto social, quais seriam as suas aptidões físicas e psicológicas, e até desconheceria qual será a concepção de “vida boa” (ética) que irá ser a sua. Em função desse desconhecimento a priori — o tal “véu de ignorância” — seria necessário que cada um se metesse na “pele” dos outros porque, segundo John Rawls, é possível, depois de lançados os dados da sorte, que um determinado indivíduo venha a estar na posição dos outros indivíduos.  E sendo que a atribuição de “bens primários” seria arbitrária e aleatória em relação a todos os indivíduos da sociedade, então seria preferível que cada um esperasse o pior e escolhesse os seus “bens primários” como se não gostasse de si próprio — esperando assim que pudesse ter mais sorte do que os outros, e que lhe calhasse uma porção de bens primários melhor do que a dos outros.

 

[9] Considerados como dois expressivos pensadores ocidentais, Marx e Rawls ofereceram as matrizes básicas da crítica à sociedade e cultura moderna, sob a ótica política, jurídica, filosófica e principalmente sociológica. Rawls figura como um dos mais influentes pensadores da atualidade, seja no direito e na filosofia política. Enquanto que Marx lançou as premissas fundamentais do comunismo e do socialismo, Rawls é dos maiores expoentes do liberalismo político norte-americano. Mas, apesar de firmes diferenças estruturais, é possível encontrar algumas semelhanças, sendo a liberdade o elo comum entre esses dois pensadores.

[10] Percebe-se que a neutralidade está intimamente relacionada com a justiça social. E, em uma sociedade caracterizada pela desigualdade de renda e riqueza, a tendência é no sentido de que as classes privilegiadas venham a preencher as funções e posições sociais e econômicas dotadas de maiores poderes e prerrogativas, o que lhes possibilitaria impor, seja à sociedade ou ao mercado, o modelo de vida boa que lhes seja mais interessante. Consequentemente, estaria prejudicada a igualdade de oportunidades para se alcançar a concepção do bem que, livremente, se adota.

[11] Partindo do pressuposto de que o trabalho é inerente ao homem, à sua formação, realização e desenvolvimento, Marx chega ao conceito de alienação, que ocorre quando o indivíduo sujeita a sua força de trabalho à exploração burguesa. O trabalho degradado pelas necessidades da subsistência alienaria o indivíduo de si mesmo. Vale ressaltar o contexto socioeconômico que predominou na época dos escritos de Marx: a da exploração ilimitada da classe proletária pela classe burguesa, o que lhe possibilitou reflexões e considerações de grande ressonância ao que hoje se deve compreender por liberdade.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 31/08/2022
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