Era um dia sem luz. Em dia em que o chumbo das nuvens escurecia tudo. Até os pensamentos. Lá fora, a promessa de chuva era iminente. Gustavo procurou aprumar-se na cama para dormir, depois de um tenso plantão hospitalar. Nunca tinha ficado com tantos doentes e feridos ao mesmo tempo. Havia ocorrido um desastre urbano de grandes proporções, um prédio abandonado que era ocupado por muitos moradores de rua, simplesmente, desabou. Logo após um grande estalo e estrondo. Gustavo era médico, recém-reformado, ainda se acostumava com a contundência aflita que traz um plantão hospitalar. Enfim, Gustavo dormiu finalmente. Um sono pesado quase tanto como o kharma de certas criaturas. Acordou ainda sonolento, caminhou até a janela, trajando um pijama de estética reprovável. E, abriu a janela. Eis que constatava mais um dia nublado, escurecido como um filme noir. Ao menos, pensava ele, não há aquele trivial "calorão" que se traduz em suor e desconforto. Interessante era observar o contraste do jaleco branco com o sangue humano... mas com o passar do tempo, acostuma-se e, lentamente o contraste e a falta do sol radiante também é tolerada e, até, aceita com alguma resignação. Sem luz natural, porém iluminado apenas pela razão humana depois do cansaço.Pelo menos, um dia nublado era bem propício para a reflexão profunda sobre a vida e um dia cor de gris...