"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

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Afinal, com a morte de Judas e o uso das trinta moedas pelos sumos sacerdotes para comprar o campo do leito, são temas que reaparecem durante a Paixão de Cristo, bem como os instrumentos de martírio que foram transformados em relíquias.

As trinta moedas cercam o imaginário, mas concretamente, a partir do século XIV, as moedas representavam a relevância do preço do sangue para redenção. Enfim, a moeda é o valor simbólico e o objetivo da moeda-medida, conforme escreveu Amedeo Feniello, cuja tradução foi de Luisa Rabolini.

Amedeo Feniello é historiador da Idade Média e, doutor em História Econômica e Social da Idade Média na E.H.E.S.S de Paris, foi coordenador da Escola Histórica Nacional dos Estudos Medievais do Instituto Histórico Italiano para a Idade Média (ISIME).

Eram trinta denários de Judas, mas na Idade Média contabilizou-se como sendo cinquenta e quatro. Em Bolonha estavam conservados nove. Em Malta e Soissons, em França, havia três. Na Espanha, dois, em CastellvÍ de Roanes e dois em Valência.

E, outros exemplares se encontram por toda parte, de Helsinque a Rodes, da Rússia a Nin, na Croácia. E, são moedas diferentes, mas consideradas por todos como denários de Judas ou shekels judeus, são chamadas de dirhams no Egito, moedas gregas antigas, decadracmas de Siracusa, tetradracmas de Filipe II da Macedônia.

Era uma confusão que estava ligada à fé e à paixão religiosa e a identificação involuntária daquela moeda como uma relíquia sagrada. Enfim, ocorre uma multiplicação nada casual quando se trata de relíquias, especialmente, quando se trata da Paixão de Cristo. Há uma infinidade de pregos do martírio que constelam tantas igrejas ocidentais.

Afinal, as trinta moedas de Judas relacionadas aos últimos atos da vida de Jesus, assumem significado imprevisto, narrado por Lucia Travaini, em sua obra intitulada I Trenta Denari di Giuda (Viella).

E, então a pesquisa parte da numismática até a literatura, da antropologia à análise iconográfica, cheia de mil sugestões, aliada a dificuldade de se entender a mentalidade do homem medieval, que cria uma avalanche de representações, modelos, narrativas que tanto inflam a história do Evangelho, propiciando novo terreno sobre o qual paira o imaginário.

Ao começar analisar o perfil de Judas que era muitas coisas, simultaneamente, para a patrística[1], tratava-se de um avaro, ladrão e traidor.

Era um administrador depravado.  Figura que serve de emblema a todos os judeus que sejam ávidos por bens materiais e cegos à metafísica de Cristo. Basta se recordar do episódio de Betânia, sobre a unção de Jesus com óleo de nardo, de uma noção de riqueza estagnada, improdutiva e sem objetivo que serve de contraponto à atitude de Madalena que prefigura uma riqueza boa, investida para o Senhor.

Há ainda uma narrativa adicional que contasse sobre Judas, o denegrisse, a descrição obtida a partir de meados do século IX, com cabelos ruivos, peludo, canhoto como o diabo e dotado de atitude animalesca.

E, cada vez mais brutal e grotesco, até sua representação com as vísceras rasgadas das quais exala sua alma pervertida, pintada por Giovanni Canavesio em 1491.

Mas, existe um Judas reconstruído por uma vida romanceada, incestuosa, fraticida, bem à semelhança de Édipo. Sendo um traidor por excelência, conforme descreveu Dante Alighieri, que o descreveu na Comédia, e foi engolido por Lúcifer pela cabeça, enquanto Brutus e Cassius o foram pelas perdas.

No livro sagrado, há menção de que Jesus fora vendido por trinta moedas. E, não se trata de número aleatório ou casual. As referências estão no Antigo Testamento e são múltiplas. E, pode ser visto no Êxodo (21:32) ou em Zavarias (10,12-13).

Provavelmente, para a transação entre Judas e os sacerdotes do templo, descreveu Travaini que foram usados tetradracmas da Síria da casa da moeda de Tiro, embora nenhuma espécie de tal tipo tenha sido registrado entre os documentos da Idade Média.

Questionam sobre o quanto valiam as trinta moedas? O pagamento foi alto ou baixo? E, por que fora necessária a troca em moeda para o plano de Salvação?

Eis questões relevantes tanto para o homem medieval, nas quais emerge como a economia da moeda, isto é, o meio de troca usado pelos seres humanos, se torna o instrumento da troca de Deus.

Para Santo Ambrósio, a culpa de Judas era ainda mais grave, pois não se tratou apenas de uma venda, mas de pechincha, já que o preço de Jesus era mesmo inestimável. Enquanto depois dele, foi evidenciado que o comportamento de Judas foi o de um mercador péssimo, incapaz de entender o real valor da pérfida venda que estava concretizando.

Sobre as trinta moedas, a Idade Média inventou diversas lendas, anti-história paralela da Cruz, de objetos eternos, embora obedeça a uma cronologia simbólica e profundamente arraigada ao percurso do Antigo Testamento. Uma lenda enriquecida é a do Panteão de Godofredo de Viterbo, que remonta ao ano de 1190.

De acordo com Travaini, as moedas foram cunhadas em ouro pelo patriarca Terach para seu filho Abraão, depois acabam com os ismaelitas que as utilizaram para comprar José de seus irmãos, depois de muitos eventos, passam para a posse da Rainha de Sabá, que as doou ao Rei Salomão, mas são roubadas durante o saque de Jerusalém pelo babilônio Nabucodonosor II, que as leva para o Oriente e chegadas nas mãos dos Magos, que doaram à Virgem Maria que as perde durante a fuga para o Egito.

Finalmente, são encontradas por um pastor que os oferece a Jesus que as recusa, pedindo que sejam depositadas por um pastor, que os oferece a Jesus, que as recusa, pedindo que sejam depositadas no templo; daqui serão tomadas pelos sumos sacerdotes para serem entregues a Judas, de modo, a fechar o círculo e cumprir o destino que lhes havia sido designado.

Judas Iscariotes foi um dos 12 apóstolos de Jesus Cristo. Segundo os Evangelhos canônicos, Judas foi o traidor que vendeu Jesus aos soldados romanos, por 30 (trinta) moedas de prata. Judas deu um beijo em Jesus para identifica-lo aos guardas que o procuravam. Por essa razão, seu nome e a expressão “beijo de Judas”[2] passaram a ser relacionados à traição.

O nome Iscariotes provavelmente surgiu da palavra latina “sicarius” (assassino), indicando que fazia parte do mais radical grupo judeu, os sicários, pois entre eles alguns eram terroristas. Também é possível que Iscariotes seja o indicativo do nome de sua família.

Nessa narrativa, todas as amostras da história sagrada e da visão providencial em que tudo se cumpre, Abraão a Jesus. E, as moedas, verdadeiros objetos mágicos, viajam a circulam, todas as trinta moedas sempre juntas ao longo dos séculos, conforme observa, a autora, sem reformas monetárias ou modificações iconográficas.

A história das moedas parece findar dessa forma. E, com a morte de Judas e o uso das trinta moedas pelos sumos sacerdotes na compra do campo do oleiro. E, as moedas se multiplicaram a partir de Rodes, onde os peregrinos levavam para casa o molde de cera da moeda guardada na igreja de São João, como lembrança de sua viagem.

A Bíblia não traz nenhuma informação adicional além de que eram moedas de prata. Dessa forma, os estudiosos discordaram durante muito tempo sobre qual tipo se tratava.

As três possibilidades mais aceitas são o siclo ou shekel de Tiro (14 gramas de 94% de prata) ou o estáter de Antioquia (15 gramas de 75% de prata) ou o half shekel (meio shekel) de Tyro com 7 gramas de prata.

O shekel ou siclo de prata era uma moeda cunhada na cidade de Tiro, na antiga Fenícia. Tinha valor equivalente a 1 tetradracma (ou 4 dracmas).

O siclo de Tiro preencheu uma necessidade importante em muitas partes do mundo antigo: a de uma grande cunhagem de denominação de prata de alta pureza.

Na antiga Jerusalém, uma cidade proeminente da Antiguidade, havia uma necessidade específica de moedas de boa prata. Sendo a única cidade próxima que produzia consistentemente essas moedas era Tiro.

Como a cunhagem romana era de apenas 80% de prata, os shekels de Tiro mais puros (94% ou mais de prata) eram obrigados a pagar o imposto do templo de Jerusalém.

As peças desse tipo, embora cunhadas desde o século V a.C., apresentaram pouca variação no design ao longo dos anos. As mudanças mais significativas são na forma de datas e monogramas.

O siclo de Tiro pesava quatro dracmas atenienses, cerca de 14 gramas, mais do que os siclos israelenses anteriores, de 11 gramas, mas eram considerados os equivalentes a deveres religiosos na época.

Como a cunhagem romana era de apenas 80% de prata, os siclos tírios mais puros (94% ou mais) eram obrigados a pagar o imposto do templo em Jerusalém. Os cobradores de impostos citados nos Evangelhos do Novo Testamento (Mateus 21:12 e similares) trocavam siclos de Tiro pela moeda romana comum.

A moeda do tetradracma ateniense do século V a.C. ("quatro dracmas") foi, provavelmente, a moeda mais utilizada no mundo grego antes do tempo de Alexandre, o Grande (junto com o estáter de Corinto).

Apresentava o busto de capacete de Atena no avesso (cara) e uma coruja no reverso (coroa). No uso diário, eles foram chamados γλαῦκες glaukes (corujas), justificando o provérbio Γλαῦκ 'Ἀθήναζε, "uma coruja para Atena", referindo-se a algo que estava em abundância.

O reverso é o mesmo do atual apresentado no lado nacional da moeda moderna de 1 euro grego. As moedas de dracma foram cunhadas em diferentes padrões de peso em diferentes casas da moeda gregas, sendo que o padrão que mais se usava era o ateniense ou o ático, que pesava um pouco mais de 4,3 gramas.

Um dracma era aproximadamente um dia de pagamento para um trabalhador normal. Então, trinta moedas de prata (trinta tetradracmas), em quatro dracmas cada, seriam aproximadamente comparáveis ao salário de quatro meses (120 dias).

A partir da década de 1960, inúmeros manuscritos e documentos milenares começaram a ser divulgados, entre eles, destaca-se uma versão diferente da história de Jesus e a suposta traição de Judas. O manuscrito encontrado em Nag Hammadi, no Egito traz à luz uma nova versão sobre a trajetória de Jesus.

A partir da década de 1960, inúmeros manuscritos e documentos milenares começaram a ser divulgados, entre eles, destaca-se uma versão diferente da história de Jesus e a suposta traição de Judas. O manuscrito encontrado em Nag Hammadi, no Egito traz à luz uma nova versão sobre a trajetória de Jesus.

O texto retrata Judas como o discípulo mais próximo de Jesus e o único que compreendeu sua mensagem. Que Judas não teria traído Jesus e sim atendido seu pedido para denunciá-lo aos romanos, para que se consumasse a profecia. O manuscrito foi datado do século III ou IV.

São Judas Tadeu foi um dos apóstolos de Cristo. É muitas vezes confundido com Judas Iscariotes. Segundo João, São Judas Tadeu foi quem na última ceia, perguntou a Jesus: “Senhor, por que te manifestarás a nós e não ao mundo?” (João 14: 22). São João sempre que cita Judas Tadeu faz a ressalva “não o Iscariotes”.

 


[1] Filosofia cristã formulada pelos padres da Igreja nos primeiros cinco séculos de nossa era, buscando combater a descrença e o paganismo por meio de uma apologética da nova religião, calcando-se freq. em argumentos e conceitos procedentes da filosofia grega.

[2] O Beijo de Judas foi, de acordo como os evangelhos sinóticos, a forma que Judas Iscariotes identificou Jesus aos soldados que vieram prendê-lo. O evento, principalmente na arte cristã, passou a significar a traição a Jesus, que ocorreu no Getsêmani após a Última Ceia e que levará diretamente à prisão de Jesus pela força policial do Sinédrio. Na teologia cristã, os eventos iniciados na Última Ceia até a ressurreição de Jesus são conhecidos como Paixão. Provavelmente, a representação mais conhecida é o ciclo de Giotto na Capela Scrovegni, em Pádua.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 16/04/2022
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