Resumo: Em recente decisão do STF (que envolveu o Facebook e Twitter) volta à baila o tema da liberdade de expressão que apesar de ser direito fundamental não é absoluto. Palavras-chave: Liberdade de expressão. Discurso de ódio. Constituição Federal Brasileira. Liberdade de Imprensa. Cidadania
Perquirir os reais contornos da liberdade de expressão e dimensionar seu conteúdo diante do que contemporaneamente se chama de discurso do ódio que é dirigido particularmente aos grupos minoritários presentes no cenário contemporâneo é uma tarefa hercúlea, porém, não impossível.
Indispensável promover estudo sobre a liberdade de expressão segundo os moldes liberais o que pode justificar o discurso de ódio como manifestação legítima, ainda que produza prejuízo aos ofendidos.
Porém, diante do esgotamento do paradigma liberal e, ainda da afirmação do Estado Social observa-se que as assimetrias sociais carecem urgentemente de uma justiça redistributiva e da construção do binômio liberdade-responsabilidade para equalizar os conflitos latentes.
Em verdade, observa-se que a liberdade de expressão quando tutelada pelo Estado Social tenderá a ter restrições relevantes ao seu poder de autodeterminação, repudiando ipso facto o discurso do ódio.
A defesa da liberdade de expressão e sua relevância para a dignidade humana começou a partir do século XVIII e, progressivamente passou a integrar as Constituições liberais, reconhecida como direito fundamental.
Cumpre recordar que a liberdade de expressão se desdobra em diferentes modalidades tais como a liberdade de imprensa[1] e a liberdade religiosa e assume importância extrema para a afirmação da burguesa no período das Revoluções Liberais[2], seja como instrumento de disseminação dos ideais revolucionários, seja para a afirmação do Estado Laico (como aquele que repudia qualquer subordinação ou influência direta da Igreja Católica).
A liberdade de expressão assim como as demais liberdades se reveste cabalmente para a construção da chamada democracia liberal e por isso haver a punição na sua integralidade, observadas restrições mínimas, conforme os moldes ditados pelo laissez-faire e da não intervenção estatal.
Lembremos ainda que tais liberdades vão formar o conceito de dignidade humana segundo os moldes liberais e, assim, a liberdade de expressão poderá admitir o discurso do ódio como manifestação válida e admitida, mesmo diante de graves prejuízos dos ofendidos.
Mas o paradoxo deve ser resolvido a bem da pacificação social. E, assim o Estado ocupa-se das demandas originadas dos conflitos capital versus trabalho e, posteriormente, para as reivindicações dos movimentos emancipatórios, sempre na perspectiva de promoção de inclusão social, de forma a conceder legitimidade as duas decisões nas democracias contemporâneas.
Apesar que é preciso reconhecer um recrudescimento das democracias e, uma forte tendência contemporânea aos regimes totalitários.
A liberdade de expressão passou a ter uma tutela com maior restrição e, o discurso do ódio com o fito de humilhar e calar minorias, passou a ser repudiado e proibido pelos ordenamentos jurídicos, como forma salutar de garantir a expressão das minorias e seu exercício de cidadania.
Com a evolução, observou-se transformações profundas no conteúdo da dignidade humana que deixa a perspectivas utilitarista de se circunscrever somente às liberdades do século XVIII[3], para então incorporar novos valores. Feitas as devidas ponderações e ressalvas, por se tratar a dignidade humana de fato axiológico que poderá ser revestido e influenciado por conteúdos ideológicos distintos, cambiáveis seja no tempo e no espaço.
A premissa de que a dignidade humana[4] equivale a valor existente em sociedade e correspondente a uma noção de justiça e de adequação essencial ao desenvolvimento da vida humana em sua plenitude.
A opção por considerar a dignidade humana como valor social flexibiliza muito seu conteúdo e, possibilita também alterá-lo conforme existam transformações sociais no tempo e espaço. Assim, há conteúdos distintos para a dignidade humana, conforme as políticas, as sociedades, perfazendo, pois, diferentes expectativas para a dignidade humana, em constante revisão, de forma a corresponder aos novos valores sociais.
Judith Martins-Costa afirma que com um conceito bem mais restrito de dignidade humana, representa a ultima ratio de argumentação capaz de vedar o que está no limite da inumanidade.
Foi uma das primeiras aspirações da modernidade (no século XVIII) a afirmação da dignidade humana como sendo também uma afirmação da liberdade tida como valor essencial à existência humana. Consagrando em ser um espaço livre da ingerência de terceiros, de modo a garantir a qualquer indivíduo a realização de seus próprios objetivos, sem haver o dever de obediência a outrem.
A consciência da liberdade tida como poder de autodeterminação indispensável à dignidade do ser humano é contemporânea aos conceitos ideológicos liberais e marcados pela ascensão da burguesia em face do absolutismo e da monarquia da época.
Importante é frisar que a liberdade para os gregos era unicamente a prerrogativa conferida aos cidadãos de participar das decisões políticas e, nisso diferenciava-se do liberalismo clássico[5].
A técnica de tratamento implementada à época, conforme a leitura de dignidade humana promovida pelos liberais consistia na consagração formal das liberdades (em Declarações de Direitos e Cartas constitucionais) visando somente a proteção da autodeterminação individual e oponível apenas ao Estado, ressaltando o caráter negativo da tutela (de não intervenção e de não restrição).
Surgiram, então, diversas críticas a essa técnica de tratamento, principalmente em razão de sua superficialidade por não considerar as reais condições dos indivíduos inseridos em sociedade. E, tais considerações partiram essencialmente dos adversários das Revoluções Liberais, entre estes os socialistas tais como Pierre Pierre-Joseph Proudhon[6] e Michael Bakunin e, mais tarde, Marx e Engels. Também, por parte da Igreja Católica formou-se objeções sérias à afirmação formal das liberdades e procurou-se fixar doutrina opositora às teorias socialistas.
A Encíclica Rerum Novarum[7] pleiteou ativa intervenção estatal na realidade social, afim de promover a proteção eficaz dos menos favorecidos e relativizando as liberdades burguesas e, ainda a relevância das prestações positivas por parte do Estado tendo em vista à realização concreta da liberdade.
Isaiah Berlin[8] apresentou duas vertentes para o conceito de liberdade, uma negativa, opositora a todo e qualquer tipo de ingerência e, nesse aspecto, em nada difere da grande maioria dos doutrinadores e, ainda, a liberdade positiva correspondente a expressão freedom to, enfocando a liberdade como real participação política, aproximando-se, a de George Burdeau que discorreu sobre a liberdade, in litteris:"(...) liberdade é a ausência de todo e qualquer constrangimento". Poderá ser física ou espiritual, considerada como sentimento de independência e, como faculdade de participar da elaboração de normas necessárias à manutenção da ordem social.
Para Burdeau o homem seria efetivamente livre, à medida que o poder não lhe pudesse impor atitude para a qual não houvesse dado consentimentos.
No entanto, para o Estado Social cuja principal legitimidade se funda no compromisso de equilibrar as assimetrias sociais, não basta somente a garantia do poder de autodeterminação limitado por lei, fruto do consentimento geral. Há necessidade de que a fruição da liberdade ocorra em conformidade com o interesse da coletividade, ou então, tal compromisso não terá a necessária eficácia social.
De sorte que se percebe haver a plena compatibilidade entre a igualdade formal e o tratamento da liberdade na moldura liberal. De outro viés, dá-se a total compatibilidade entre a igualdade material e o reconhecimento de assimetrias sociais, com as técnicas de disciplina da liberdade pelo Estado Social.
Por essa razão, há um neoconteúdo da dignidade humana[9] onde se aponta outros valores como forma de garantia de justiça. Que vão além das liberdades, para galgar contemplar os menos favorecidos da sociedade, dessa forma, foram então incorporados os direitos sociais.
A liberdade é ausência de coação sobre a existência humana daquelas condições sociais que, na civilização moderna, constituem as garantias necessárias de felicidade individual...E, quanto ao aspecto restritivo da liberdade, opondo limites à intervenção de terceiros, muito embora, nos moldes do paradigma de Estado Social.
No Estado Social há conhecidas restrições à fruição da autodeterminação tais como a função social da propriedade, da posse, da empresa, da família e da responsabilidade civil para além da realização do poder de polícia condicionando as liberdades de modo geral.
Enfim, a liberdade tida como poder de autodeterminação, reconhecida pelo Estado e positivada em suas Constituições por se tratar de direito fundamental. Ainda assim, cumpre indagar-se sobre as concretas possibilidades de opor limites ao seu exercício.
Pois a liberdade ou liberdades em espécie deverão respeitar os contornos da esfera de autodeterminação traçada pela ordem jurídico, convivendo em harmonia com outros preceitos constitucionais, de modo a não destoar da unidade sistêmica pretendida e, de outra parte, não deverão incorrer em condutas ilícitas, preestabelecidas pela legislação infraconstitucional.
Acreditando ser a lei, como a decisão oriunda da soberania popular teria incontestável legitimidade para lhe oferecer restrições, indicando as condutas ilícitas quanto ao seu exercício. No entanto, para os casos em que a legislação ordinária fosse silente, poder-se-ia invocar o princípio da dignidade humana para opor limites à fruição de liberdades de forma geral?
E, quando o princípio da dignidade humana tem previsão expressão constitucional, como é o caso do Brasil, pela natural irradiação que os preceitos constitucionais devem proporcionar às situações concretas em que sua interpretação, essa possibilidade seria defensável, todavia, nem sempre haveria consenso a respeito disso, especialmente para os casos fora da previsão constitucional.
A maioria dos ordenamentos jurídicos de tradição romano-germânica haveria maior consenso a respeito das possibilidades de restrição quanto ao exercício de liberdades promovidas pela legislação ordinária, desde que não fosse colocada a liberdade em tela como um valor de hierarquia superior aos demais direitos fundamentais.
Entre as variáveis de comportamento em face do dever ser estatal, identifica-se somente três possibilidades de ação para o indivíduo, a saber: ou ele está obrigado ao cometimento de um ato; ou está proibido a empreendê-lo; ou, ainda, para aquela circunstância estabelecida por lei existe a garantia de escolha da conduta mais adequada. Trata-se, este derradeiro caso, da liberdade, tida como direito à autodeterminação, reconhecido pelo Estado.
Ainda havendo previsão legal para escolha, a liberdade não poderá ser exercida de forma ilimitada. Aliás, nenhum direito fundamental se manifesta de forma absoluta e irrestrita. É fundamental o entendimento de que a escolha, por sua etiologia, apresenta naturais limites quanto ao seu exercício.
Qualquer conduta que ultrapasse os limites dessa esfera de autodeterminação poderá ser objeto de repressão. E, assim, a liberdade de manifestação do pensamento não autoriza nem legitima a calúnia, injúria ou difamação. Pois tais condutas situam-se além da possibilidade de escolha garantida pela liberdade de expressão.
O mesmo se pode cogitar quanto a liberdade de culto religioso pois não seria admissível que praticasse sacrifício de crianças ou idosos, ainda que esteja previsto em algum ritual cultural ou religioso. Pois, são inadmissíveis condutas, passíveis de serem tipificadas criminalmente, e que ultrapassam dos limites da liberdade de culto religioso e que reclama a ação repressiva do Estado.
A liberdade inserida e tutelada pela ordem jurídica faz contraponto com a legalidade que o mesmo Estado estabelece e oferece os limites de atuação e escolha. Objetiva-se, portanto, que o indivíduo poderá no exercício da liberdade, escolher livremente até encontrar uma lei que lhe imponha a obrigação ou proibição.
A proibição e a obrigação quando for objeto de lei constituem concretos limites ao exercício da liberdade. Assim, tem-se o núcleo da liberdade protegida diretamente pela Constituição Federal, por se tratar de direito fundamental, mas dotado de contornos que estão disponibilizados mediante leis do ordenamento jurídico que indicam obrigações ou proibições.
Entretanto, tais limites deverão se originar em leis em sentido estrito, isto é, de ato normativo originado do Congresso Nacional. Portanto, de decisão para qual houver consentimento popular. Pois somente a lei com sua soberania peculiar teria legitimidade para opor limites ao exercício da liberdade. Por extensão, consoante Manoel Ferreira Filho, outros atos normativos primários seriam capazes de estabelecer tais limites, tais como medidas provisórias e leis delegadas.
Decretos regulamentares, portarias e Instruções Normativas e ainda outros diplomas legais não teria legitimidade popular para erguerem limites à liberdade de expressão.
A liberdade de pensamento como modalidade de liberdade considerada em si mesmo, antes de sua comunicação direcionada à sociedade, pouco interesse tem despertado para a diversidade de doutrinadores jurídicos. Compreende-se tratar de matéria unicamente atinente ao próprio indivíduo e sua esfera intelectual, sem interesse à sociedade e ao ordenamento jurídica.
Em que pese tal afirmação desconsiderar a importância de formadores de opinião, ou da mídia, ou ainda, a força da propaganda, para além de eventuais manipulações de fatos veiculados, capazes de condicionar o pensamento, ainda hoje tal entendimento é ensinado recorrentemente.
A preocupação com a tutela da liberdade na própria elaboração do pensamento tem sido relegada ao segundo plano. Parece não haver dúvidas, no que tange à tutela do pensamento do foro íntimo, ou simples função psíquica, para a palavra manifesta.
Portanto, tutela-se a liberdade de manifestação do pensamento principalmente quando dirigida ao público ou em caráter sigiloso. De igual forma, essa proteção alcança a palavra escrita, ainda quando veiculada pela imprensa[10].
Assim, a liberdade de pensamento ganha expressão como liberdade primária, da qual todas as outras liberdades são derivadas. Afinal, o ser humano por ser um ser social por excelência, sente a necessidade de comunicar e transmitir seu pensamento, seja de forma direta e imediata, quando se encontra ante a presença de outro homem.
Então, tem-se a liberdade de pensamento que poderá assumir caráter público ou sigiloso. Entretanto, quando houver entre ser humano que emite o pensamento e a pessoa que o recebe, a existência de veículo de comunicação tal como a imprensa, a televisão, rádio, a internet e, etc. tem-se para o caso descrito o desdobramento de mais um aspecto da proteção: a liberdade de imprensa, ou a tutela do direito de informar, que é essencial para a consolidação da democracia nos Estados contemporâneos. E, consiste ambos no direito de veicular livremente o pensamento e os fatos, sem submetê-los à censura de qualquer natureza.
Em decorrência do direito de informar afirma-se o direito da coletividade à informação. E, mais, a informação verdadeira. De sorte que o deslocamento da liberdade individual, ou a liberdade de imprensa para o direito de caráter difuso, ou seja, o direito da coletividade à informação.
Por outro viés, entre as liberdades que enfocam o pensamento, ressalta-se a necessidade ainda de uma distinção que se refere aos casos em que o pensamento abandona a singeleza de simples pensar, sem grandes comprometimentos, para transformar-se em uma convicção de caráter filosófico ou religioso.
E, nesses casos, as repercussões são maiores e transformadoras na seara do comportamento humano. A convicção filosófica ou religiosa não se restringe apenas ao foro íntimo, implica a externalização de um agir em sociedade, consoante a ideologia adotada.
Torna-se inclusive muito árdua e difícil a identificação de convicção. Invariavelmente, aquele que a possui evidencia um comportamento pertinente ou atitude intelectual consoante a convicção de sua escolha.
Conclui-se que a liberdade de convicção seja filosófica, política ou religiosa não se pode limitar apenas à liberdade de culto religioso ou à liberdade para criação de partidos políticos ou agremiações para divulgação de ideologias.
Sem dúvida, a tutela dessas liberdades é essencial para a garantia da liberdade de convicção. Mas, há necessidade de proteção mais ampla pois deve acompanhar de respeito à exteriorização do comportamento religioso, para além dos templos religiosos, consentâneo com a convicção, como forma de garantia da dignidade de cada um, em sua diversidade.
Há a liberdade de convicção, aponta-se também a importância do direito de criar sua própria religião, bem como de não seguir nenhuma, adotando o ceticismo.
Através da afirmação das concepções liberais seguiu-se período propício à concentração de capital e ao desenvolvimento tecnológico, entretanto, é forçoso reconhecer que a evolução gerada pela implementação do ideário liberal não se deu de forma linear. Ao revés, pois a capacidade para a concentração de riquezas criou condições favoráveis ao surgimento de crises cíclicas na economia ocidental, o que acarretou as Guerras Mundiais do século XX, evidenciando as profundas contradições do sistema econômico-liberal.
Foi possível observar a afirmação do paradigma de intervenção estatal em substituição da ordem liberal de intervenção mínima e da emergência do Estado Social de corte intervencionista com finalidade de solucionar as falhas da liberdade de mercado. E, para tanto, o Estado passou ao reconhecimento de assimetrias sociais, promovendo o controle da economia (incentivando setores vitais) e procurou implementar a justiça retributiva necessária para a pacificação de conflitos sociais.
Há o reconhecimento de novos atores com específicas expectativas, distintas das tracionais demandas burguesas (o proletariado) o que levou à reconfiguração do conteúdo da dignidade humana pela incorporação de novos direitos (direitos sociais) oriundos das reivindicações de grupos sociais subalternos. Desta forma, constata-se a incorporação paulatina de direitos trabalhistas e previdenciários ao rol de liberdades já assimiladas pelo conteúdo da dignidade humana, como forma de administrar os conflitos: capital versus trabalho.
Já na década de noventa, mais conhecida como a era pós-socialista, observou-se realidade distinta no que se refere à esfera social. A fragmentação do tecido social tornou-se evidente com a emergência de grupos organizados, com reivindicações próprias que imprimiram alterações profundas à sociedade contemporânea.
Tais novas expectativas geraram solicitações que privilegiaram principalmente as diferenças existentes entre os vários setores sociais, confrontando-os com os valores tradicionais que atribuíram ao Estado a responsabilidade pela mitigação de desigualdades, deixando em segundo plano a diversidade.
Esse descompasso entre valor básico que fundamentou o Estado Social, qual seja: a diminuição de desigualdades sociais e os valores denominados pós-materialistas, que buscam, sobretudo, qualidade de vida (ecologia, lazer, educação, e, etc.) muito contribuiu para a transformação dos Estados intervencionistas de cunho social. Assim, outros tipos de injustiças, para além da luta do proletariado se fizeram presentes e buscaram seu reconhecimento, apresentando descontentamentos e distorções que não seriam solucionados unicamente através da justiça redistributiva.
As lutas e as exigências de justiça desses movimentos libertários estão referidos na importância do reconhecimento de suas diversidades, secundarizando para tanto inclusive dimensões ontológicas relevantes que poderiam ativar reflexões políticas mais abrangentes (exemplo: construção de um projeto comum emancipatório contra a opressão), do que uma simples retórica de conteúdo moral e apelo ao reconhecimento das diferenças.
O novo imaginário da era “pós-socialismo”, quando fez emergir movimentos emancipatórios renovou as expectativas quanto ao exercício das Liberdades de Pensamento. Essas Liberdades transformaram-se em veículos relevantes para a propagação das ideias necessárias à construção de um novo referencial para a dignidade humana, possibilitando a formação da identidade de grupo, intercâmbio de opiniões e experiências, e, ainda, a exposição de suas reivindicações.
Para fazer frente às novas demandas, especialmente aquelas ligadas à etnia, ao gênero e às discriminações, as mais variadas, foram formuladas políticas públicas sociais de inclusão, sempre dentro de uma perspectiva de proteção de diversidades originadas de setores desfavorecidos.
Conclui-se que para o Estado Contemporâneo, a liberdade de pensamento tem caminhado ao lado com a defesa da dignidade humana desses segmentos minoritários. Dessa forma, o paradigma estatal de intervenção, dentro da perspectiva de inclusão, seria ideologicamente incompatível com a proteção do discurso de ódio, pois tal manifestação de cunho segregacionista e que visa humilhar e calar a expressão das minorias.
O discurso do ódio é uma variável de liberdade do pensamento e, como tal, apresenta-se apenas como sentimento de rejeição ou ódio externado. E, pode gerar efeitos nocivos que poderão perdurar por muito tempo conforme o veículo de transmissão utilizado.
É verdade que a palavra veiculada oralmente, na mídia em geral, dirigida ao pública será provida de grande e imediato impacto, mas, se a imprensa publicar, poderá promover dano que perdurará por longo tempo. É possível afirmar que um discurso consoante o meio de divulgação escolhido promoverá maior impacto.
E, nesses casos, ter-se-ia o advento de novas tecnologias tal como a internet, a viabilidade de um prejuízo em escala mundial, trazendo ainda uma dificuldade maior no que se refere à questão do anonimato e a sua investigação de autoria.
O hate speech[11] é discurso cujo elemento central a expressão do pensamento que desqualifica, humilha e inferioriza indivíduos e grupos sociais. Esse discurso tem por fito propagar a discriminação desrespeitosa com todo aquele que pode ser considerado como "diferente", que em razão de uma etnia, opção sexual, condição econômica ou seu gênero, para promover à sua exclusão social.
O foco principal do discurso do ódio é desvalorização do outro. Por outro lado, há que se pontuar o dano difuso provocado. Em verdade, ainda que um indivíduo seja referido nesse discurso haverá violência ao segmento social ao qual ele pertence, na sua integralidade. Porém, é dano não indivisível e difuso em sua abrangência.
É possível observar que tal discriminação indica não apenas uma diferença, mas uma assimetria entre duas posições: uma supostamente superior, daquele que expressa o ódio, e outra inferior, daquele contra o qual a rejeição é dirigida. O objetivo pretendido é humilhar para amedrontar pessoas ou grupos sociais evidenciando que, por suas características específicas, eles não são dignos da mesma participação política. Calar, excluir e alijar são propósitos da manifestação do ódio.
Segundo alguns estudiosos, como Simon Lee que atribuem a Voltaire a responsabilidade pela defesa do discurso de ódio como manifestação legítima do pensamento, necessária à afirmação da democracia. E, para esses casos, a tolerância deveria provir de setores discriminados que suportariam as ofensas originadas dos discursos em nome da defesa da democracia. Esta é, por exemplo, a proposta de Escámez[12] que divulga que "Tolerância como uma resposta frente à humilhação das sociedades modernas".
Sem dúvida, a democracia considerada pelos padrões liberais burgueses contemplaria a Liberdade de Expressão, exercida em sua plenitude compreendendo inclusive a manifestação do ódio. Assim, haveria prevalência da Liberdade de Expressão sobre a dignidade dos ofendidos.
De outra parte, a aceitação de discursos do ódio legitimaria a competição entre eles, sempre com a crença de que o melhor discurso prevaleceria, cabendo aos ofendidos aguentar a rudeza da violência levada a efeito.
Entretanto, se enforcamos a democracia contemporânea que se afirma em sua pluralidade, a tolerância significa respeito à alteridade e à personalidade do ofendido, consequentemente, o discurso do ódio, na medida em que tende a inviabilizar o caráter comunicativo da Liberdade de Expressão não pode ser aceito, quer pelo desrespeito aos direitos do ofendido, quer porque busca a sua exclusão do exercício da cidadania, comprometendo a própria democracia.
A principal ênfase do discurso do ódio é a desvalorização do outro. E, pode causar dano difuso. Propagando a violência ao segmento social ao qual o outro pertence, em sua integralidade. Sendo, portanto, um dano não divisível e difuso em sua abrangência.
E, tal discriminação indica não apenas uma diferença, mas assimetria entre duas posições, a saber: uma supostamente superior, daquele que expresso o ódio e, outra inferior, daquele contra o qual a rejeição é dirigida. A finalidade pretendida é mesmo humilhar para amedrontar pessoas ou grupos sociais evidenciando que, por suas específicas características, eles não sejam dignos da mesma participação política. Assim, calar, excluir e alijar são propósitos da manifestação de ódio.
Alguns estudiosos atribuem a Voltaire a responsabilidade pela defesa do discurso de ódio tido como legítima manifestação do pensamento e necessária à afirmação da democracia.
Desta forma, nesses casos, a tolerância deveria provir de setores discriminados que suportariam as ofensas originadas de discursos em nome da defesa da democracia.
O que não pode ser aceito, quer pelo desrespeito aos direitos do ofendido, quer porque busca a sua exclusão do exercício da cidadania, comprometendo a própria democracia.
A permissão ou proibição do discurso do ódio é controvérsia nos mais diferentes ordenamentos jurídicos, pois acena com a opção política-ideológica do paradigma estatal. E, resulta em tratamentos distintos do mesmo busílis, a saber: nos EUA tende-se a valorizar a liberdade de expressão irrestritamente, protegendo, na prática, o discurso de ódio, enquanto que nos Estados Sociais opõem-se limites à liberdade de expressão como forma de proteger a manifestação de minorias, para legitimar as decisões em suas democracias.
Nos EUA, a primeira Emenda de sua Constituição apresenta expressa vedação ao Congresso, no que tange à atividade legislativa, destinada a pôr limites à liberdade de expressão, bem como à liberdade de imprensa. E, Suprema Corte tem sistematicamente protegido o discurso de ódio como forma de garantir a liberdade de expressão, inclusive desprestigiando outros valores.
Segundo Owen Fiss, nem sempre isso ocorre, dessa forma, pois houve momento em que se destacou o entendimento de que a liberdade de expressão deveria sofrer restrições. Tal situação ocorreu quando se pretendeu a supressão do Partido Comunista nos EUA, sob a justificativa da necessidade de inviabilizar a propagação do stalinismo.
O discurso do ódio não é perigoso por sua persuasão, mas, ao revés, é a imposição autoritária de ideias preconceituosas com o propósito de fazer calar as minorias.
Decisão relevante e reveladora dessa proteção, está patente no caso Brandeburg versus Ohio em 1969, no qual um líder da Ku Klux Klan fora condenado pela Suprema Corte de Ohio por fazer apologia ao crime, defender a violência e os métodos de terrorismo como meio de empreender reforma política e industrial.
Em reunião filmada por jornalista convidado havia ainda o pronunciamento de palavras de ordem valorizando brancos e depreciando negros e judeus. E, tal decisão fora revertida pela Suprema Corte norte-americana.
Os juízes Black e Douglas, entenderam que a doutrina do perigo claro e eminente de dano (clearand present danger) não deveria ser levada em conta em tempos de paz, na interpretação da primeira emenda da Constituição. Constatou a Corte, ainda, a falta de evidência do incitamento, porque a Ku Klux Klan defendeu abstratas ideias e com convicção, não tendo o governo o poder de invadir o espaço da crença.
Outra decisão defensora do hate speech aparece no caso R.A.V versusCity of Saint Paul (1992), Minnesota. Quando alguns adolescentes foram presos por invadir o quintal de família afrodescendente e atear fogo a uma cruz. A Suprema Corte de Minessota, com base em legislação estadual norte-americana, que tipificada crimes motivados por preconceito, entendeu que tal ato consistia em clara demonstração de depreciação em razão de raça e proferiu a respectiva condenação.
A Suprema Corte, nessa ocasião, entretanto, reverteu igualmente essa decisão, inclusive considerando inconstitucional da Lei do Estado de Minnesota, porque ela estabelecia restrições para preconceito, envolvendo raça, cor, credo religioso e, etc. Proibindo as palavras de ordem que contivessem o discurso de ódio. Argumentou também que o governo não pode regular as categorias dos discursos com base em hostilidades ou favoritismos, com discursos tão depreciativos em razão de raça, por exemplo. Essas manifestações estariam protegidas pela liberdade de expressão e pela primeira emenda da Constituição dos EUA.
Na Alemanha, especialmente após a Segunda Guerra Mundial deu-se a preocupação evidente com a disciplina da liberdade de expressão e ainda a repercussão do discurso do ódio.
E, sem dúvida, constitui direito fundamental, porém, convive com o princípio da dignidade humana a lhe opor os devidos limites. É relevante sublinhar igualmente que o princípio da dignidade humana adquire valor máximo de hierarquia no ordenamento jurídico alemão consagrado no primeiro artigo da Lei Fundamental, Constituição do pós-guerra conhecida com a Lei Fundamental de Bonn.
Cumpre destacar que haverá sempre a ponderação entre a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais. E, para os casos de violação de um direito constitucional, a solução se dará pelo princípio da proporcionalidade, com base em uma análise multinível. E, ainda se destaca a negação do holocausto não é considerada manifestação do pensamento possível.
Para a Alemanha, trata-se de mera negação de fato ocorrido e, não de mera expressão de pensamento. E, tal entendimento advém de julgado da Corte Constitucional Alemã de 1994 que se posicionou sobre a tese revisionista de David Irving sobre a não existência do holocausto, como dado histórico.
Entretanto, ocorrido um caso relevante na Alemanha, na década de 1990 que se refere à condenação de algumas pessoas por crime de insulto às Forças Armadas. E, foram condenadas pela distribuição de cartazes que continham afirmações de que os soldados eram assassinos em potencial.
A Corte Constitucional germânica discutiu a condenação entendendo que não havia hipótese de crime contra a honra, na medida em que não havia a acusação de homicídio dirigida a nenhum soldado. Apenas se tratava de protesto contra guerra. Portanto, a liberdade de expressão fora privilegiada pela Corte alemã no caso em tela. Observa-se, assim, que o discurso do ódio tende a ser rejeitado pelo modelo alemão. Vale ressaltar que a liberdade de expressão será sempre tutelada como um direito fundamental.
Em nosso país, a liberdade de expressão é constitucionalmente prevista com direito fundamental (artigo 5º, IV da Constituição Federal de 1988) e, sua tutela consiste na consagração de plena autonomia para seu exercício, vedando apenas o anonimato como forma de evitar a verbalização do discurso sem a devida responsabilidade.
É relevante destacar que essa liberdade, assim como as demais, não é de fruição ilimitada estando referida no sistema constitucional pelo princípio da legalidade. Consoante o artigo 5º, II da mesma Constituição, a possibilidade de escolha estará sempre limitada pela integralidade do ordenamento jurídico.
Assim em normas constitucionais, quando terá que conviver com outros valores igualmente prestigiados pelo texto legal, tal como a dignidade humana, os direitos da personalidade e, etc.; pelas normas infraconstitucionais que tipificam como condutas ilícitas (crimes), determinadas pelo Código Penal e também outros dispositivos tal como a Lei 7.716/1989 que prevê crimes de preconceito em razão de raça, cor, etnia, religião e, etc.
Conclui-se que a liberdade de expressão não é absoluta, nem é um direito fundamental de hierarquia maior e superior conforme os moldes dos EUA. E, essa liberdade terá que ser compatibilidade com outros direitos fundamentais, em respeito ao sistema constitucional em vigor. Poderá ser utilizada, em casos de violação de direitos, uma solução promovida através do princípio da proporcionalidade ou cessão recíproca entre valores constitucionais, ou ainda, outros recursos disponibilizados pela hermenêutica jurídica.
O discurso do ódio, entretanto, sofre restrições e vedações expressas nas leis infraconstitucionais promovidas pela Lei 7.716/1989 que tipifica em seu artigo 20 as condutas criminosas da prática de discriminação que deprecia e desqualifica em razão de raça, cor, etnia, procedência nacional ou religião. O limite promovido à liberdade de expressão prende-se ao artigo 5º, II da CF/1988 que estabelece o princípio da legalidade.
Apesar de que num primeiro momento, essas questões doutrinárias e dogmáticas apresentem aparente estabilidade, constata-se que continuam controvertidas, especialmente quando se observam as decisões do Supremo Tribunal Federal.
Recentemente, no Inquérito 4.781 do Distrito Federal, o Ministro relator do STF Alexandre de Moraes em 22 de julho de 2020 reiterou a ordem de bloqueio integral em relação a visualização em território brasileiro, de perfis e contas mantidas ou vinculadas aos investigados, em teses utilizadas como meio de cometimento de crimes apurados nestes autos ( a saber, os artigos 138, 139, 140 e artigo 288 do Código Penal brasileiro e nos artigos 18, 22, 23 e 26 da Lei 7.170/1983, impondo a multa diária de vinte mil reais, por perfil não bloqueado, com o prazo de 24 horas para cumprimento).
A decisão judicial em comento fora informada ao Twitter e ao Facebook em 23.07.2020.
Na imprensa noticiou-se que o Facebook deliberadamente confessou que não cumpriria a determinação de bloqueio judicial total dos perfis e contas, mantendo o acesso de investigados e, ainda a possibilidade de postagem a partir de acesso às contas no exterior, permitindo a visualização de conteúdos no território nacional, com os seguintes argumentos, in litteris:
O Facebook questiona, de forma direta, a autoridade da decisão judicial tomada no âmbito de inquérito penal, entendendo-se no direito de avaliar sua legalidade e a obrigatoriedade de cumprimento.
Assim, como qualquer entidade privada que exerça sua atividade econômica no Brasil, a rede social Facebook deve respeitar e cumprir de forma efetiva os comandos direitos do Judiciário brasileiro relativos aos fatos ocorridos ou com seus efeitos perenes dentro do território nacional; cabendo-lhe, se entender necessário, demonstrar seu inconformismo mediante os recursos permitidos pela legislação brasileira.
Afinal, a liberdade de expressão é consagrada constitucionalmente e balizada pelo binômio composto por liberdade e responsabilidade, isto é, o exercício desse direito não pode ser utilizado como verdadeiro escudo protetivo para a prática de atividades ilícitos. Portanto, não se pode confundir, conforme advertiu Min. Moraes a liberdade de expressão com impunidade para agressão.
Sendo desvirtuada a liberdade de expressão, a Constituição Federal brasileira e a legislação infraconstitucional autorizam as reprimendas civis e penais, tanto de natureza cautelar quanto definitivas.
E, a majoração de 20 mil para 100 mil a multa diária, o que não configura qualquer censura prévia, posto que proibida constitucionalmente, mesmo porque não vige qualquer proibição dos investigados em manifestarem-se em redes sociais ou fora destas, como vários continuam fazendo, não raras vezes, repetindo as mesmas condutas criminosas, mas, pretende, com natureza cautelar, fazer cessar lesão ou ameaça de lesão ao direito (artigo 5º, XXXV da CF/1988) já praticadas pelos investigados, visando interromper a divulgação de discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática, concretizados por meio de divulgação de notícias e fatos falsos e fraudulentos (fake news).
Os bloqueios de contas e perfis de redes sociais determinados neste Inquérito, se fundam na necessidade de fazer cessar a continuidade da divulgação de manifestações criminosas, que, concretamente materializam infrações penais apuradas neste inquérito em andamento e, que continuam a ter seus ilícitos efeitos dentro do território nacional, inclusive pela utilização de subterfúgios permitidos pela rede social Facebook.
A parcial suspensão de contas e perfis, ora usados como meio para cometimento de crimes em apuração, por limitar seus efeitos práticos a postagens feitas em contas registradas em território nacional, caracteriza descumprimento da ordem judicial, tendo em conta seu objetivo, pois permite a plena manutenção de divulgação e acesso das mensagens criminosas em todo o território nacional, perpetuando-se verdadeira imunidade para a manutenção da divulgação de ilícitos penais já perpetrados.
Com relação aos fatos pretéritos, a suspensão deve ser total e absoluta, configurando-se o descumprimento a permissão dada pelo provedor implicado para a continuidade de divulgação de contas bloqueadas no país, a partir de acessos em outros países.
Também não se debate a questão de jurisdição nacional sobre o que seja postado e visualizado no exterior, mas sim, a divulgação de fatos criminosos no território brasileiro, por meio de notícias e comentários por contas que se determinou o bloqueio judicial.
Ou seja, em momento algum se determinou o bloqueio de divulgação no exterior, mas o efetivo bloqueio de contas e divulgação de mensagens ilícitas no território brasileiro, não importante o local de origem da postagem.
Verifica-se o doloso descumprimento pelos provedores ora implicados, indica, de forma objetiva, a concordância com a continuidade do cometimento de crimes em apuração e, a negativa ao atendimento da ordem judicial verdadeira colaboração indireta para a comunidade da atividade criminosa por meio de mecanismo fraudulento.
Assim, in litteris o Ministro Alexandre de Moraes decidiu: “1) Havendo determinação do bloqueio de 12 contas do Facebook dos investigados e passados 8 dias sem cumprimento, de rigor a exigência da multa processual, que será aplicada no valor de R$ 1.920.000,00 (Hum milhão, novecentos e vinte mil reais), considerando o valor diário de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por conta não bloqueada, conforme decisão judicial anterior. 2) Reconhecendo-se o descumprimento voluntário da determinação judicial, e ainda havendo interesse legítimo e necessário para seu cumprimento, dada a continuidade das condutas investigadas neste inquérito, elevo a multa diária para o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por perfil indicado e não bloqueado no prazo fixado, nos termos do art. 3º do Código de Processo Penal e dos arts. 77, IV e 139, IV, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo da imposição de outras medidas coercitivas”.
DETERMINO, por fim, a INTIMAÇÃO PESSOAL do presidente do Facebook Serviços Online do Brasil Ltda, CONRADO LEISTER, para: a) Efetivar o pagamento pela empresa do referido valor de R$ 1.920.000,00 (Hum milhão, novecentos e vinte mil reais), no prazo de 15 dias a contar da intimação da presente decisão, decorrente do não cumprimento da ordem judicial em sua integralidade. b) Cumprimento imediato da ordem de bloqueio, sob pena da imposição da multa diária ora remanejada, sem prejuízo de sua responsabilização penal pessoal pelo descumprimento ora reconhecido.”.
Desde de 1920 travou-se eloquente diálogo político e intelectual sobre a liberdade de expressão que se posicionou entre duas tradições políticas: a saber, a liberal e a socialista e a comunista italianas, que, ao se influenciarem reciprocamente, permitiram uma renovação cívica na Itália, efetuando interessante organização dos atores democráticos na sociedade italiana do pós-guerra.
O ensaio de Norberto Bobbio intitulado "Nè con loro, nè senza di loro" (Nem com eles, nem sem eles) expressou bem o espírito que dominou a retomada daquele debate nos anos cinquenta, envolvendo intelectuais de formação liberal-socialista, como ele próprio, e parte da intelligentzia comunista, inclusive o então secretário geral do Partido Comunista Italiano (PCI), Palmiro Togliatti.
Ainda para Bobbio:
“É importante que se comece a conceber o direito não mais como fenômeno burguês, mas como um complexo de normas técnicas que podem ser operadas tanto por burgueses quanto por proletários para conseguir certos fins que, a uns e outros, como homens sociais, são comuns. Uma vez destacado o direito, como técnica da sociedade civil, abre-se a estrada ao estudo de todos os aspectos desta técnica, assim como foram elaboradas no curso dos séculos as correções e os aperfeiçoamentos que sofreu e que não se pode evitar de comparar a técnica jurídica de um Estado liberal-democrático com aquele ditatorial [...]”
Os fascismos e todas as ditaduras sempre recorreram à supressão das liberdades, em nome de sua defesa contra os comunistas que queriam exterminá-las. Este foi o recorrente mote ideológico das ditaduras no século XX para exterminar opositores de esquerda. Os erros teóricos de Togliatti e Della Volpe não derivam exclusivamente de sua falta de visão, possuíam também razões históricas muito amplas e complexas.
Em três de maio comemora-se o Dia Internacional da liberdade de imprensa. À primeira vista, a 77º posição ocupada pela Itália no ranking de Reporters Sans Frontières (RSF) com um balanço sobre a liberdade de imprensa pode parecer puro anacronismo.
Entre os 180 países analisados a aparente independência de jornalistas é colocada em risco, principalmente como a Nicarágua, Botswana e a Armênia apresentam situações menos críticas que aquela italiana.
Segundo a ONG, entre 30 a 50 jornalistas italianos são protegidos pela polícia local porque são vítimas de ameaças. E, os casos mais emblemáticos são aqueles de Roberto Saviano, autor do best-seller Gomorra ameaçado pela máfia e residente em new York, e aquele dos jornalistas Gianluigi Nuzzi e Emiliano Fittipaldi, escritores que podem ser condenados pela justiça vaticana porque acusados de roubo e divulgação de documentos confidenciais.
Na mídia mainstream a situação é diferente e na TV de estado, a RAI historicamente sempre existiriam nomeações políticas principalmente no que se refere aos cargos de prestígios.
Outra situação complexa na Itália é o fato que grandes conglomerados editoriais são, direta ou indiretamente, ligados aos grupos industriais ou a personalidades com significativa influência política. Apesar do país possuir lei em matéria de conflito de interesses, o risco de ingerência no pluralismo da informação e na completa liberdade de imprensa é real.
No que tange à internet, a Itália festejou recentemente trinta anos de acesso à rede mundial de computadores e, está investindo enfaticamente para que a banda larga esteja disponível em todo o país.
Destaque-se que em cerimônia realizada na Universidade de Turim, Umberto Eco declarou polemicamente que as mídias sociais também dão voz a legiões de imbecis; pessoas que antes só falavam no bar depois de um copo de vinho, sem prejudicar a coletividade, e que agora tem o mesmo direito de expressão de um Prêmio Nobel". (Vide in: https://post-italy.com/imprensa-na-italia/ )
Para George Orwell: "Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade". O debate sobre a liberdade de expressão no Reino Unido contou com as pressões para silenciar as vozes que revelam a maior rede de espionagem da história continuam. Após intimidar o jornalista Glenn Greenwald, detendo seu parceiro no aeroporto de Heathrow por nove horas, o alvo da vez foi o periódico em que seus textos são publicados, o jornal britânico The Guardian - uma das publicações mais respeitados do mundo.
O diário acabou vivenciando um dos mais sinistros episódios da história do jornalismo digital. Os editores do jornal revelaram em 20.08.2013 como foram obrigados a destruir os hard drivers (onde se armazenam os dados dos PCs) que continham cópias de documentos vazados pelo ex-agente da Agência Nacional de Segurança (NSA), Edward Snowden.
A decisão fora tomada após uma série de ameaças desencadeadas em 20 de julho de 2013 por oficiais da inteligência britânica, entre estas, entrar com ação para congelar judicialmente a série de reportagens sobre a extensão da vigilância das agências de segurança americana e britânica.
A intensificação da pressão do governo britânico sobre os jornalistas ficou ainda mais evidente com a retenção de David Miranda, o brasileiro parceiro de Glenn Greenwald, em Heathrow em 18.09.2013. Detido com base nos termos da Lei de Terrorismo de 2000, Miranda fora liberado somente nove horas depois de ser exaustivamente interrogado.
Glenn expôs a fragilidade da perseguição ao lembrar como as autoridades abusaram da própria lei, por razões que nada se relacionam com o terrorismo: de acordo com documento publicado pelo governo sobre a lei, menos de três pessoas a cada dez mil são averiguadas quando passam as fronteiras do Reino Unido. Ademais, David não estava entrando no Reino Unido, mas apenas, em trânsito para o Rio de Janeiro.
Ainda em 2013, após a publicação do Relatório Leveson os três principais partidos políticos ingleses, a saber: o conservador, trabalhista e liberal-democrata anunciaram em 18 de março o fechamento de acordo para regulação da imprensa (jornais, revistas e internet no Reino Unido).
A agência reguladora terá poderes de um órgão fiscalizador, poderá aplicar multas de até um milhão de libras (cerca de três milhões de reais) ou de até 1% do faturamento das empresas de mídia; adotará medidas gerais para proteção do cidadão comum, além de poder obrigar jornais, revistas e sites de internet com conteúdo jornalístico a publicar correções de matérias e pedidos de desculpas.
Mais importante: o novo órgão regulador será amparado legalmente por uma Carta Real (Royal Charter), assinada pela rainha Elizabeth II, da qual constará uma cláusula rezando que “não pode ser alterada pelos ministros”, mas apenas pela maioria de dois terços nas duas Câmaras do Parlamento britânico.
Pode-se efetivamente deduzir duas lições básicas para nosso país, no que ocorreu na Inglaterra desde o escândalo que revelou os crimes do tabloide News of the World, apesar, naturalmente, das enormes diferenças entre as duas sociedades.
A primeira diferença específica para os que ainda não conseguem conviver com a noção de que é a regulação da mídia impressa é necessária, sendo possível e democrática. Sendo fundamental para que a liberdade de expressão seja de todos e, não apenas de alguns poucos. E, visa ainda garantir os direitos e, não o contrário.
A outra lição relevante se refere como os britânicos conseguiram finalmente viabilizar nova regulação da mídia impressa através da negociação, do entendimento entre seus principais partidos políticos, da situação e da oposição, no Parlamento.
Concluímos que ao estabelecer os devidos contornos à liberdade d expressão e de se dimensionar seu conteúdo, deparamo-nos com o discurso do ódio como manifestação ofensiva e direcionada especialmente as minorias da sociedade contemporânea, com o fito de promover sua segregação e de minimizar ou eliminar sua participação no exercício da cidadania.
Mesmo atentando-se para as relações existentes entre a liberdade de expressão e o discurso do ódio, a liberdade de manifestação do pensamento conforme as técnicas promovidas pelo Estado Liberal tenderá a ser admitida em sua integralidade como direito fundamental de superior hierarquia e sobrepondo-se aos demais valores constitucionais, sem quaisquer limites à sua função.
E, assim, nesse contexto liberal o discurso de ódio é considerado como legítima forma de liberdade de expressão e, sendo, necessário à confirmação democrática. Com relação aos ofendidos pelo discurso, estes deverão tolerar as ofensas em nome da afirmação da democracia genuína.
Já a liberdade de expressão protegida pelo Estado Social dotado de peculiar caráter intervencionista, tenderá, por sua vez, a impor limitações ao poder de autodeterminação, como modo de atender às demandas de segmentos sociais prejudicados e, buscando a perspectiva de inclusão social.
E, os grupos sociais libertários organizados com base em sua diversidade, seja étnica, sexual, opção religiosa e, etc... buscam a liberdade de expressão a visibilidade necessária para dar expressão às lutas e reivindicações.
E, dessa forma, não pode o Estado Social, sob pena de vir a comprometer seriamente a legitimidade de suas decisões, admitir ou tolerar os discursos do ódio posto que tenha por objetivo de segregar e calar a expressão de minorias.
Os limites postos à liberdade de expressão para garantir a participação de minorias, poder-se-ia questionar sobre a visibilidade de restrições ao seu conteúdo, com fulcro na defesa da dignidade humana, para os casos não previstos em norma infraconstitucional.
Afinal, a dignidade humana por ser valor mesmo que previsto em texto constitucional, não está revestida de conteúdo ideológico que poderá transitar do liberalismo burguês, às concepções do Estado Social. Assim, seria possível obter irradiações sensíveis de seu conteúdo, a proibição do discurso do ódio, porém, também a sua proteção. E, tais afirmações podem ser constatadas da leitura dos votos dos Ministros do STF no caso Ellwanger[13].
Cumpre destacar ainda que o princípio da liberdade não admite divisão e, o direito se manifesta por meio de vários tipos especiais de liberdade, a saber: a liberdade de pensamento, liberdade de expressão, liberdade de ir e vir, liberdade de crença.
Biblicamente, um símbolo peculiar do princípio da liberdade assenta-se na desobediência de Adão em razão da qual perdeu o paraíso, porém, ganhou a liberdade e livremente foi gozar do amor com Eva. Ganhou a liberdade em si, não disso ou daquilo.
O princípio da liberdade sequer costuma ser explicitado nas Constituições porque vige ínsito nas regras que definem os direitos de liberdade em particular, eis que o encontramos no artigo 5º, II da CF/1988 pois ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei[14].
Eis que abriga duas dimensões. Uma de forma explícita que consubstancia o princípio da legalidade e, outra, subentendida, na qual exprime a liberdade de ação em geral, isto é, exprime o princípio da liberdade que é fonte e fundamento de todos os direitos de liberdade em particular estabelecidos na Constituição vigente.
O princípio da liberdade nasceu exatamente quando o homem teve consciência de suas próprias possibilidades e, em qualquer caso, o princípio da liberdade como produto da evolução histórica, sendo resultado de luta secular que se deu em dois momentos cruciais: a luta contra a necessidade e luta contra a opressão[15].
Em verdade, muitas teorias que definem a liberdade como resistência à opressão ou à coação do poder. Revela-se, assim, a liberdade em sentido negativo, posto que negue a autoridade. Já outra teoria, porém, propõe um sentido positivo, afirmando que é livre quem participa do poder.
Observa-se que ambas teorias tem o defeito de definir a liberdade em razão da autoridade. Liberdade opõe-se ao autoritarismo, que é a deformação da autoridade, porém, não à autoridade legítima.
Em verdade, a autoridade é imprescindível à ordem social, condição mesma da liberdade em relação à expansão individual. O desafio reside em estabelecer exatamente entre liberdade e autoridade um tal equilíbrio que o homo medius possa sentir que dispõe do campo necessário e suficiente à perfeita expressão de sua personalidade.
Não é correta a definição de liberdade como mera ausência de coação. Novamente, consiste na ausência de toda coação anormal, ilegítima e imoral.
Afinal, Montesquieu já afirmava em seu tempo que a liberdade política não consiste em fazer o que se quer. Pois numa sociedade onde existem leis, a liberdade não pode consistir senão em poder fazer, o que se deve querer e, a não ser constrangido a fazer, o que não se deve querer". Revela-se, então uma noção de liberdade insidiosa, desde que não se admite que tais leis devam ser consentidas pelo povo.
Assim, o conceito de liberdade deve ser expresso no sentido de um poder de atuação do homem em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade. É boa, sob esse aspecto, a definição de Rivero: “a liberdade é um poder de autodeterminação, em virtude do qual o homem escolhe por si mesmo seu comportamento pessoal”.
O marcante aspecto histórico denota que a liberdade, em síntese, consiste num processo dinâmico de liberação do homem de vários obstáculos que se antepõem à realização de sua personalidade. Sejam os obstáculos naturais, econômicos, sociais e políticos.
Rawls afirmou que entre os obstáculos ao gozo da liberdade, conta-se a incapacidade de tirar proveito das possibilidades oferecidas que resulta da pobreza, da ignorância e, de um modo geral, de falta de meios.
Afinal, é função do Estado realmente promover a liberação do homem de todos esses obstáculos e, é aqui que a autoridade (enquanto poder) e liberdade se relacionam e se ligam.
Não é o Estado o único que oprime o desenvolvimento da personalidade, nem a única entidade que impõe relações coativas de convivência e, que as mesmas liberdades liberais restam condicionadas em sua realização a situações e poderes extra-estatais.
E, tais poderes podem ser de caráter muito diverso: raciais, eclesiásticos, e etc. variáveis segundo os países, mas de um modo geral e comum destacam os poderes econômicos. São destes poderes, ou, das pressões econômicas destes poderes, que interessa, em primeiro lugar, liberar os grupos a que estamos aludindo pois são a estes, e não ao Estado, que sentem como obstáculo imediato para o desenvolvimento de sua personalidade.
Mesmo o processo de democratização sucessiva, com subsequente pugnação com os princípios liberais, se acentua, ademais, enquanto a democracia passa a informar campos alheios ao do novo procedimento de formação e realização da vontade estatal.
Lembremos que a igualdade e liberdade, de fato, são valores que dão essência e existência ao ser humano. Na essência, a dimensão do "em si", âmbito da liberdade; "na existência, a dimensão do ser-no-mundo, do "ser com", âmbito da igualdade porque a característica de ser da realidade humana é ser com os outros".
Foi, John Rawls quem percebeu com clareza o cariz reciprocamente intrínseco existente entre liberdade e igualdade, quando, em sua Teoria da Justiça, proveu um capítulo sob o título: "A liberdade igual para todos", firmando, ab initio, uma premissa básica, a saber: "uma constituição justa deveria ser um justo procedimento organizado de maneira a garantir um resultado justo". De forma que concluiu que as liberdades ligadas à igualdade dos cidadãos devem ser incluídas na Constituição e por ela protegida”.
Adiante, Rawls foi estudar o fundamento da igualdade, ou seja, as características dos humanos que fazem que estes devam ser tratados segundo um princípio da justiça, cimentando, nas considerações, a ideia de liberdade igual para todos, ainda que não se possa concordar com tudo que ali cogitou, sobretudo, certo naturalismo no tratamento do princípio da igualdade, por exemplo, admitir a validade às doutrinas que fundam a igualdade sobre as capacidades naturais. A função de igualização das condições dos desiguais repele uma tal doutrina.
O princípio da igualdade se amplia e expande por todas relações humanas. Porém, sua interpretação pelas Constituições tem sido sempre reducionista. Acolhendo somente o seu aspecto isonômico, isto é, aquilo que a teoria denomina de princípio da isonomia, que é a igualdade jurídica formal, a igualdade de todos perante a lei, quando o princípio é bem mais amplo, porque não se limita à seara estrita jurídico-formal.
Adverte-se de que o princípio difere das regras e que este gera para sua aplicação às diversas instituições jurídicas: igualdade perante a jurisdição, igualdade perante a tributação, igualdade perante a lei penal e, etc. Enfim, a liberdade do nosso mundo contemporâneo possui conteúdo de princípios e de regras de direito da liberdade e sua vinculação intrínseca com o princípio da igualdade que se conjugam para a realização plena da justiça para todos.
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[1] A liberdade de imprensa já era garantida mesmo pela Constituição outorgada de 1824. Escreve Bernardo Joffily: "Cada corrente tem seu porta-voz", mas, ainda assim, "há órgãos apolíticos: o Diário do Rio de Janeiro (1º diário do País, 1821-1878) nem noticia o Grito do Ipiranga. Mas a regra é a imprensa engajada, doutrinária".
[2] As causas para a revolução liberal incluem: Criação da classe média; ideias do Iluminismo que trazem apoio aristocrático; Perigo para a economia em geral (uma depressão ou recessão), que afeta o bem-estar de todas as classes, especialmente os pobres; A crise específica que o estabelecimento não pode lidar, muitas vezes financeira e muitas vezes relacionada com o enorme custo de guerras estrangeiras.
[3] Custando muito sangue, de um lado, e muita tinta, de outro lado, se materializaram as liberdades do século XVIII– tendo a Charta Magna Libertatum (1215) como primeira e magnânima experiência – em textos jurídicos da importância da Petition of Rigths (1628), do Habeas Corpus Act (1679) e do Bill of Rigths (1689), no século XVII, da Declaração de Independência dos EUA (1776), da Declaração de Direitos da Virgínia (1776) e da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), no século XVIII, e do Código Napoleônico (1804) e da Encíclica Rerum Novarum (1891), no século XIX. Entre as cartas de direito do século XX que defendem os direitos individuais, contamos a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Convenção Americana dos Direitos Humanos (1978), para citarmos apenas os textos mais genéricos.
[4] Ao longo do século XX a dignidade da pessoa humana se tornou um princípio presente em diversos documentos constitucionais e tratados internacionais, começando pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e se espalhando pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) (1976) e pelas Constituições de Itália (1947, art. 3º), Alemanha (1949, art. 1º), Portugal (1976, art. 1º), Espanha (1978, art. 10), Grécia (1975, art. 7º), Peru (1979, art. 1º), Chile (1980), Paraguai (1992, art. 1º), Bélgica (após a revisão de 1994, art. 23) e Venezuela (1999, art. 3º), dentre diversos outros pactos, tratados, declarações e constituições.
O conteúdo dos textos é bastante semelhante. Em geral, eles dizem que as pessoas têm a mesma dignidade, que esse é o parâmetro principal da ação estatal e/ou que o objetivo principal do Estado é promover a dignidade humana, como se vê na Constituição Brasileira de 1988.
[5] O liberalismo, no século XVIII, preconizava a ideia de progresso baseado na liberdade do indivíduo ou da comunidade contra a autoridade absoluta do poder real ou eclesiástico. Significava a existência de um conjunto de liberdades e garantias sob o primado da Razão contra o da Tradição, alicerçadas no Direito Natural contra os privilégios de classe. A liberdade política, defendida por homens como Montesquieu e Rousseau, tinha paralelo também na economia, visível na máxima Laissez faire, laissez passer, le monde va de lui même.
Todos estes conceitos foram primeiramente idealizados e aplicados de forma gradual e parcial na Inglaterra, onde a "aliança" entre setores da burguesia e da nobreza resultou, como exemplo mais notório, na transformação, no século XVII, das Cortes em Parlamento, dele saindo em 1680 a primeira Declaração de Direitos baseados em princípios liberais. Esta conciliação de interesses servirá de base política para as revoluções Agrícola e Industrial inglesas do século XVIII. A época das Luzes, tempo de gestação de ideais e princípios liberais, para além de um conjunto notável de teorizadores e filósofos (Voltaire, Rousseau...) e dos avanços políticos ingleses, precipitará a eminente queda do Antigo Regime, absoluto e despótico.
A declaração de independência dos Estados Unidos da América assinala, em 1776, o primeiro grande momento de implantação desses princípios de igualdade dos direitos políticos e da liberdade do indivíduo, adotando uma Constituição a partir de uma Declaração de Direitos. A França, berço de ideais liberais e revolucionários, observando a sua aplicabilidade na América, aventura-se na sua própria Revolução em 1789, abrindo na Europa a era do liberalismo político e do fim dos regimes absolutos.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 4 de agosto do mesmo ano assinala o triunfo das reivindicações e anseios igualitários dos ideólogos por leis fundamentais e direitos de voto e cidadania. Rapidamente o ideário liberal triunfador em França se propaga pela Europa e América Latina, muitas vezes com fins nacionalistas.
[6][6] Proudhon (1809-1865) foi filósofo político e econômico francês, foi membro do Parlamento Francês e primeiro grande ideólogo anarquista da história para o anarquismo do século XIX. É considerado um dos mais influentes teóricos e escritores do anarquismo, sendo também o primeiro a se autoproclamar anarquista até então um termo considerado pejorativo entre os revolucionários e foi o líder intelectual dos anarquistas norte-americanos naquele século, além de ser o primeiro assumidamente anarquista da história. Foi em vida chamado de socialista utópico por Marx e seus seguidores, rótulo que jamais se reconheceu.
[7] Sobre a condição dos operários, em português, "Das Coisas novas" foi encíclica escrita pelo Papa Leão XIII em 15.5.1891. Dirigida em uma carta aberta a todos os bispos sobre as condições das classes trabalhadoras, em cuja composição das ideias distributivas de Wilhelm Emmanuel von Ketteler e Edward Manning tiveram grande influência.
A encíclica trata de questões levantadas durante a revolução industrial e as sociedades democráticas no final do século XIX. Leão XIII apoiava o direito dos trabalhadores de formarem sindicatos, mas rejeitava o socialismo e o capitalismo irrestrito, enquanto defendia os direitos à propriedade privada. Discutia as relações entre o governo, os negócios, o trabalho e a Igreja.
[8] Isaiah Berlin (1909-1997) foi teórico social russo-britânico, filósofo e historiador das ideias. Embora avesso à escrita, suas aulas e palestras improvisadas foram gravadas e transcritas, com sua palavra falado sendo convertida por seus secretários em ensaios e livros publicados. Obras como: Karl Marx: His Life andEnvironment (Karl Marx: a Vida e a Época), Thornton Butterworth, 1939. 5a. ed., 2013, Princeton University Press. ISBN 978-0-691-15650-7. The Age of Enlightenment: The Eighteenth-Century Philosophers, New American Library, 1956. Vico and Herder: Two Studies in the History of Ideas, Chatto and Windus, 1976.
Substituído por Three Critics of the Enlightenment.The Hedgehog and the Fox: An Essay on Tolstoy's View of History (O Ouriço e a Raposa: Um Ensaio sobre a Visão da História de Tolstói), Weidenfeld & Nicolson, London, 1953. Phoenix. ISBN 978-0-7538-0867-2. (ed. EUA, Princeton University Press, 2013. ISBN 978-1-4008-4663-4.) Four Essays on Liberty, Oxford University Press, 1969. Substituído por Liberty. Vico andHerder: Two Studies in the History of Ideas, Chatto and Windus, 1976. Substituído por Three Critics of the Enlightenment.Russian Thinkers (coeditado com Aileen Kelly), Hogarth Press, 1978. (revista por Henry Hardy), Penguin, 2008. ISBN 978-0-14-144220-4. Concepts and Categories: Philosophical Essays, HogarthPress, 1978. Pimlico. ISBN 978-0-7126-6552-0.
[9] A versão moderna da dignidade se desenvolveu a partir de três marcos fundamentais: (1) o marco religioso, resultado da tradição judaico-cristã; (2) o marco filosófico, a tradição ligada ao Iluminismo; e (3) o marco histórico, uma resposta aos atos da Segunda Guerra Mundial. Da primeira tradição vem a ideia de que os seres humanos ocupam um lugar especial na realidade porque foram feitos à imagem e semelhança de um ser superior. Já o segundo marco fornece a principal justificativa não religiosa da dignidade da pessoa humana, sintetizada pelo filósofo iluminista Immanuel Kant ainda no século XVIII.
Segundo ele (KANT), o ser humano possui dignidade porque é capaz de dar fins a si mesmo, em vez de se submeter às suas inclinações. Por isso, ele deve ser visto como um fim em si mesmo, não como meio para a realização de projetos alheios.
Essa capacidade de dar normas a si mesmo é a autonomia, em contraposição à heteronomia. Mas, para que não se reduza às suas inclinações, é preciso agir de acordo com a razão, de acordo com o dever, isto é, segundo o imperativo categórico, de maneira que a máxima de sua vontade possa ser tomada como lei universal.
Segundo Kant, a dignidade é a característica do que não tem preço, isto é, do que não pode ser trocado por nada equivalente. E o fundamento da dignidade é a autonomia, a capacidade de dar leis a si mesmo, em outras palavras, a moralidade entendida como a capacidade de agir de acordo com a lei moral.
[10] Lista elaborada pela organização 'Repórteres Sem Fronteiras' coloca o país em 107º lugar de 180 posições, atrás de Angola, Montenegro e Moçambique. Queda está relacionada ao presidente Jair Bolsonaro, segundo a entidade. O Brasil cai pelo segundo ano seguido no ranking de liberdade de imprensa. O relatório da organização afirma que a eleição do presidente Jair Bolsonaro, em 2018, "deu início a uma era particularmente sombria da democracia e da liberdade de imprensa no Brasil". Naquele ano, o país ocupava a posição 102 na lista, caindo para a 105 em 2019.
[11]Hate speech poderia ser descrito como o discurso voltado a promover o ódio contra grupos protegidos pela lei. Argumenta-se que o “hate speech” não seria “free speech”, ou ainda que fosse, deveria ser limitado, pois isso melhora as condições de vida das minorias. Esses debates são amplamente divulgados na mídia pelo próprio papel central dos EUA no mundo, bem como refletem na produção cultural americana e fazem parte do discurso de suas instituições, reflexamente influenciando o pensamento de pessoas de outros países sobre sua própria realidade.
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal, no emblemático caso Ellwanger (HC 82424), condenou um escritor por racismo em função de ter escrito livro em que negava o holocausto e acusava os judeus de teorias conspiratórias e outras ideias antissemitas;
no Canadá, a Suprema Corte entendeu, no caso Keegstra, que era constitucional a condenação de um professor que divulgava ideias revisionistas sobre o Holocausto em sala de aula;
a Corte Europeia de Direitos Humanos recusou-se sequer a apreciar a questão trazida pelos requerentes em Glimmerveen e Hagenbeek vs Holanda, em que eles pretendiam ver defendido o direito de distribuir panfletos que continham mensagens sobre a suposta necessidade de deportação em massa de turcos e surinameses; a Suprema Corte dos Estados Unidos entendeu que era inconstitucional limitar o uso de suásticas numa marcha do Partido Nacional Socialista dos Estados Unidos num bairro repleto de sobreviventes do Holocausto na cidade de Chicago no caso National Socialist Party vs Village of Skokie (também conhecido como Collin vs Smith.
[12] ESCÁMEZ, Sebastian. Modelos de tolerância: prudencia y respeto como justificationes de una institución moderna. Madrid, 2005. Disponível em:. Acesso em: 31.7.2020.
[13] Siegfried Ellwanger Castan (1928 – 2010) foi um industrial e editor gaúcho. Propunha um revisionismo histórico que negava o holocausto judeu na Segunda Guerra Mundial. Utilizava sua editora e livraria Revisão Editora LTDA. para publicar obras como Os protocolos dos sábios de Sião, o Minha Luta de Hitler e outros de Sérgio de Oliveira e Gustavo Barroso. Também disseminava livros de sua autoria como Nos Bastidores da Mentira do Século; S.O.S para Alemanha; Acabou o Gás!…
O fim de um mito sob o nome autoral de S.E. Castan. Organizou em 1992 o Centro Nacional de Pesquisas Históricas, CNPH, para dar um respaldo acadêmico ao seu material. Em sua obra Holocausto judeu ou alemão – nos bastidores da mentira do século (1987), argumentou que nunca houve câmaras de gás nos campos de concentração.
E eles não seriam campos de extermínios, mas centros de trabalho forçado. O holocausto judeu seria uma mentira forjada. Com base nisso, houve denúncia de racismo no Ministério Público em Porto Alegre contra o conteúdo das obras publicadas por Ellwanger. A denúncia foi reiterada em 1990 e no ano seguinte foi feita busca e apreensão de livros. Em 1995 Ellwanger foi absolvido em primeira instância do crime de racismo. Houve recurso e a 3ª Câmara do TJ-RS vedando-lhe a distribuição de seus livros. A denúncia foi movida pelo Mopar – Movimento Popular Antirracista –, coletivo que reunia representantes do Movimento Judeu, Movimento Negro e Movimento de Justiça e Direitos Humanos, o qual figurou como assistente da acusação.
Somou-se nova denúncia quando em 1996, dois dias depois de sua condenação, Ellwanger estava vendendo da Feira do Livro em Porto Alegre. O Mopar fez nova denúncia na qual resultou em ser condenado a quase dois anos de reclusão por induzir e incitar ao preconceito e discriminação – art. 20 da Lei 7.716/1989, comutada em serviços comunitários.
Apesar da não reclusão, esse caso (Processo-crime n.º 1397026988 – 08720) chegou ao STF no pedido de Habeas Corpus nº 82.424 em favor de Siegfried Ellwanger, sob a alegação que não tipificava racismo em seus livros. Argumentou que “judeus não constituem raça, mas um povo”. Atuaram como amicus curiae Décion Milnitzki, Miguel Reale e Celso Lafer. O parecer de Lafer se tornou referência sobre o assunto. O autor, ex-ministro das Relações Exteriores e membro da Academia Brasileira de Letras, depois publicou-o em uma versão expandida (2005).
[14] O relator do processo, Ministro Moreira Alves, propôs a concessão do habeas corpus, mas quando o caso foi a plenário, por 8 votos a 3, negaram o pedido. Maurício Corrêa, presidente do STF, fez o acórdão no qual publicar livros de antissemíticos caracterizava racismo, sendo crime inafiançável e imprescritível conforme o art. 5º, inciso XLII da CF. O conteúdo da obra em questão, patentemente antissemítica, não configurava inquirição histórica. Dessa forma, não feriria o princípio da liberdade de manifestação do pensamento a decisão judicial a coibir a propaganda de obras racistas.
[15] Alex Potiguar faz uma análise minuciosa da tensão entre liberdade e igualdade no Estado Democrático de Direito, tomando como base a decisão do habeas-corpus n. 82.424/RS. Segundo o autor, o discurso de ódio é um exemplo de tema limítrofe no direito constitucional contemporâneo no que diz respeito ao exercício da liberdade de expressão. Nesse sentido, para que se tenha um diálogo aberto e plural, entende-se necessário haver respeito mútuo entre os participantes, de tal forma que as pessoas se reconheçam como livres e iguais dentro do debate comunicativo.