"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos


 

 

Preconiza o CPC/2015 em seu artigo 356 a possibilidade de julgar parcial e antecipadamente o mérito. Sempre que um dos pedidos mostrar-se incontroverso ou estiver em condições de imediato julgamento, o juiz poderá decidir com a resolução do mérito[1].

 

Em verdade, tal possibilidade de julgamento não é novidade pois a doutrina já vinha admitindo, com algumas reservas, o que se denominou de "sentenças parciais", e, muito embora o STJ tenha se manifestado contrariamente à tese ( vide:

             RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. REFORMA PROCESSUAL. LEI Nº 11.232/2005. ADOÇÃO DO PROCESSO SINCRÉTICO. ALTERAÇÃO DO CONCEITO DE SENTENÇA. INCLUSÃO DE MAIS UM REQUISITO NA DEFINIÇÃO. CONTEÚDO DO ATO JUDICIAL. MANUTENÇÃO DO PARÂMETRO TOPOLÓGICO OU FINALÍSTICO. TEORIA DA UNIDADE ESTRUTURAL DA SENTENÇA. PROLAÇÃO DE SENTENÇA PARCIAL DE MÉRITO. INADMISSIBILIDADE. CISÃO INDEVIDA DO ATO SENTENCIAL. ART. 273, § 6º, DO CPC E NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INAPLICABILIDADE. (…) 5. A sentença parcial de mérito é incompatível com o direito processual civil brasileiro atualmente em vigor, sendo vedado ao juiz proferir, no curso do processo, tantas sentenças de mérito/terminativas quantos forem os capítulos (pedidos cumulados) apresentados pelo autor da demanda. (…) (REsp 1281978/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/05/2015, DJe 20/05/2015))

 

 

Portanto, para as decisões interlocutórias que julgam parcialmente o mérito, o recurso cabível será mesmo o agravo de instrumento, enquanto que para as sentenças (consideradas como decisões judiciais que encerram a fase processual, o recurso interponível será apelação.

 

Aliás, atribuir recursos diferentes para cada tipo de decisão judicial acarretou reflexos profundos na disciplina dada às decisões interlocutórias de mérito, que se distanciaram das sentenças apesar de, na essência atingirem o mesmo objetivo.

 

Cumpre destacar que a primeira distinção reside na falta de efeito suspensivo do recurso, pois na apelação dar-se o efeito suspensivo automático, por força de artigo 1.012 do CP vigente, o agravo de instrumento não é dotado de tal poder, o que autoriza, desde logo, o cumprimento provisório da decisão.

 

No artigo 356, §2º CPC ainda aduz que embora seja possível o cumprimento provisório de sentença se exige a caução para o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem em transferência de posse ou alienação de posse (art. 520, IV CPC), o requisito está expressamente dispensado no cumprimento provisório da decisão interlocutória de mérito.

 

A outra distinção reside na possibilidade de realização prevista no artigo 937 CPC/2015 in verbis:

     Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do art. 1.021:

I – no recurso de apelação;

II – no recurso ordinário;

III – no recurso especial;

IV – no recurso extraordinário;

V – nos embargos de divergência;

VI – na ação rescisória, no mandado de segurança e na reclamação;

VII – (VETADO);

VIII – no agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência;

IX – em outras hipóteses previstas em lei ou no regimento interno do tribunal.

1º A sustentação oral no incidente de resolução de demandas repetitivas observará o disposto no art. 984, no que couber.

2º O procurador que desejar proferir sustentação oral poderá requerer, até o início da sessão, que o processo seja julgado em primeiro lugar, sem prejuízo das preferências legais.

3º Nos processos de competência originária previstos no inciso VI, caberá sustentação oral no agravo interno interposto contra decisão de relator que o extinga.

4º É permitido ao advogado com domicílio profissional em cidade diversa daquela onde está sediado o tribunal realizar sustentação oral por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que o requeira até o dia anterior ao da sessão.

 

No entanto, o legislador pátrio limitou por norma posterior ao próprio Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) as hipóteses de cabimento de sustentação oral. Sendo inegável a importância jurídica para a delimitação do tema, diante da premissa de que a lei posterior revoga a anterior no que tange ao mesmo assunto.  aponta que cabe quatro ponderações, a saber:

 

1. Os regimes internos devem de acordo com experiência e da relevância dos casos concretos, e uma vez autorizados pelo inciso IX do art. 1.021 do CPC/2015, veio ampliar as hipóteses de sustentação oral, como é o caso de agravos de instrumento que pretendam levar à própria extinção do processo.

 

2. Convém que os regimentos internos corrijam a omissão da lei do artigo 937 VIII do CPC/2015, no tocante à explícita previsão de sustentação oral em agravo de instrumento contra decisão que resolva antecipada e parcialmente a lide (art. 354, parágrafo único e art. 355 do CPC).

 

Evidentemente é importante o enfrentamento do mérito da causa, independentemente da fase processual em que ocorrer e da modalidade de recuso cabível, o que justifica a derradeira intervenção oral junto aos tribunais.

 

Contudo, a eventualmente omissão de regimentos internos dos tribunais não afastará o cabimento de sustentação oral para as situações de agravo contra decisão parcial de mérito, ao menos quando houve aplicação da técnica de julgamento do art. 942 CPC/2015.

 

Isso porque o terceiro parágrafo, II do artigo 942 do CPC impõe o chamado julgamento estendido também para a hipótese de reforma de decisão parcial de mérito[2], sendo que a tal técnica traz como pressuposto essencial a permissão à sustentação oral, ao destacar o caput do dispositivo legal que "é assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante novos julgadores".

 

Já o inciso VIII, a indicar a permissão de sustentação oral no agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou de evidência, há de ser interpretado de maneira conceitual.

 

Pois existem decisões que tal natureza não está nominada expressamente pela lei, tal como ocorre com as liminares em mandado de segurança ou em ação civil pública, ou mesmo, em ações possessórias. Porém, conceitual tratam-se de tutelas provisórias, e conforme o regramento e a situação específica poderão ser de urgência ou de evidência.

 

Portanto, consequentemente, comportarão os agravos nesse caso interpostos a sustentação oral pelos advogados e advogadas.

 

De modo geral, com a incidência da técnica de julgamento do artigo 942 CPC é, essencial que o Presidente da Câmara ou Turma admita que os advogados das partes assumirem a tribunal, ainda que seja por uma segunda vez.

 

E, com efeito, a técnica de julgamento como é cediço veio a substituir o recurso de embargos infringentes, o qual oportunizava aos patronos das partes sustentarem da tribuna suas teses sobre os pontos divergentes contidos do acórdão anterior e que fora atacado pelo referido recurso.

 

Ou seja, os advogados e advogadas podiam sustentar quando do julgamento da apelação e, depois, em caso de oposição de embargos infringentes, era facultado o retorno à tribuna. E, pela técnica do art. 942 do CPC, dispensa-se as fases burocráticas de novos recursos e contrarrazões (embargos infringentes) mas, assegura-se às partes, no espírito que norteou o CPC de 2015, "o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores". (conforme a parte final do caput do art. 942 CPC).

 

Em assim sendo, incorre crassa ilegalidade o órgão de tribunal que não abre oportunidade ao retorno dos advogados e advogadas à tribuna. E, tal retorno há de acontecer mesmo depois de proferidos os votos divergentes, ocasião em que os advogados cientificar-se-ão dos termos da divergência, e, nos limites desta, poderão fazer nova abordagem para prover o convencimento dos novos julgadores.

 

De forma técnica e apropriada, o CPC prevê o art. 937 CPC estabelece que será dada a palavra para que as partes sustentem suas razões. Assim, ao eliminar a referência às razões do recurso, veio contribuir à utilização de melhor técnica.

 

Se é verdade que o princípio dispositivo proíbe ao juiz e ao tribunal examinar as questões não arguidas pelas partes, não menos certo é que, observados os devidos limites da lide, pode e deve o magistrado aplicar os dispositivos legais que entender pertinentes, assim como considerar as circunstâncias e os fatos que julgar apropriados, até mesmo porque pode ser provocado pelas partes.

 

Recorde-se que o "juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade no ordenamento jurídico", conforme o artigo 140 CPC. E, mais:" O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido e indicará na decisão as razões de seu convencimento". (art. 371 CPC).

 

O tribunal, no julgamento de determinado recurso ou processo, pode se fundar em circunstâncias dos autos e fundamentos jurídicos, até então não alegados pelas partes. Para tanto, conforme o artigo 10 do CPC provocará que as partes se manifestem.

 

E, se assim ocorre, com maior razão poderá o advogado, quando de sua sustentação oral, desde que observados os limites da lide, inovar em arguição quanto aos fatos já constantes dos autos e fundamentos jurídicos que embasem sua tese.

 

Deve-se refletir ainda, sobre a viabilidade de o advogado, quando da sustentação oral, arguir questões que poderiam, até mesmo, ser conhecidas de ofício. E, as partes estão presas ao fenômeno da preclusão[3] (art. 507 CPC) bem como aos limites da lide e ao princípio do dispositivo conforme os artigos 2 e 141 do CPC.

 

Então, se determinada a questão não está devolvida ao tribunal, por inércia do recorrente, não poderá esta ser arguida na tribunal, no momento da sustentação oral.

 

Evidentemente tal entendimento comporta mitigação. Pois há matérias e questões conhecíveis de ofício como é o caso da ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo, da perempção, da litispendência e a coisa julgada e da carência da ação (art. 485, §3º CPC).

 

Do mesmo modo, ocorre com as conhecidas nulidades absolutas (art. 278, parágrafo único do CPC). Exemplificando, pode-se apontar os pressupostos de admissibilidade dos recursos que devem ser observados, de ofício, pelos tribunais.

 

Portanto, tal conhecimento de ofício pelo tribunal, de questões de matéria de ordem pública, autoriza o advogado a sustentar oralmente tais questões, ainda que seja pela primeira vez. Uma vez que é dado ao julgador conhecê-las de ofício, com mais razão pode o advogado provocar o conhecimento, quando de sua manifestação derradeira.

 

Eis que a novidade no presente CPC reside na plenitude do contraditório que se estabeleceu, principalmente em face do parágrafo único do artigo 932 do CPC, que impõe que, antes de dar pela inadmissão do recurso, seja ouvido o recorrente e, oportunizada a correção do eventual vício.

 

Igualmente, e mais amplo ainda, prevê o artigo 933 do CPC que propõe que as partes sejam intimadas para se manifestarem, ainda que sobre fato superveniente ou mesmo a questão conhecível de ofício que surja na própria sessão de julgamento.

 

Porém, se o advogado invocar nova questão na tribunal, há duas possíveis soluções, a saber: ou o tribunal rejeitará e não haverá nem a necessidade da oitiva da parte contrária por faltar prejuízo processual (art. 292, primeiro parágrafo do CPC); ou se inexistir a convicção pela rejeição de plano, terá que suspender o julgamento e ouvir a parte a contrária sobre a questão inédita suscitada.

 

Poderá e deverá acontecer que no bojo da intimação a respeito do julgamento do recurso ou processo[4], já constar explícita advertência aos litigantes no sentido de que, se invocada a matéria nova, a manifestação, dar-se-á em plenário e de forma oral. E, nada obsta isso, eis que o primeiro parágrafo do artigo 933 do CPC aponta que se deve oportunizar às partes o debate, porém, não fixou o prazo, de forma que deve ser fixado discricionariamente conforme prevê o artigo 218, primeiro parágrafo do CPC.

 

Há, contudo, uma situação intrigante, se, por acaso o tribunal simplesmente não examinar a matéria arguida da tribuna e que não constava expressa em peça recursal. In casu, ocorre uma omissão do tribunal, afinal, a sustentação oral não é mero capricho ou bondade do julgador ou do tribunal, que a permitiu aos advogados.

 

Pois a sustentação oral está prevista em normas infraconstitucionais, tal como decorrência direta e dileta de princípios constitucionais vigentes. Portanto, o que for arguido nesta peça, por mais improcedente que seja, deve ser objeto de resposta fundamentada do julgador.

 

No entanto, caso a omissão persista, o único caminho viável e recomendável será a oposição de embargos de declaração. Lembrando, em tempo, que tal recurso é o adequado para decisões que mostrem omissão, obscuridade, erro material ou contradição. Existem precedentes no STJ que, a partir da análise do Regimento Interno da Corte acolhem-se os Embargos Declaratórios para suprir as omissões em acórdãos anteriores. E, registre-se, as omissões decorrentes do não enfrentamento de arguições feitas na tribuna.

 

Vide a jurisprudência, in litteris:

 

     EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. HABEAS CORPUS. ALEGADA OMISSÃO DO ACÓRDÃO. ARESTO QUE TERIA DEIXADO DE CONSIGNAR TESE SUSTENTADA ORALMENTE PELA DEFESA NA SESSÃO DE JULGAMENTO DO WRIT. POSTERIOR JUNTADA DAS NOTAS TAQUIGRÁFICAS. DEFEITO SANADO. ACLARATÓRIOS ACOLHIDOS, SEM EFEITOS MODIFICATIVOS.

 

1. Da leitura do acórdão impugnado, observa-se que, de fato, não há qualquer menção à apontada eiva na dosimetria da reprimenda imposta ao paciente, e que foi sustentada apenas no julgamento do presente habeas corpus, quando o impetrante fez uso da palavra em sustentação oral.

 

2. De acordo com o caput do artigo 100 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, as notas taquigráficas integram o acórdão proferido pelas Turmas, Seções ou Corte Especial.

 

3. Por sua vez, o artigo 103 do mesmo Estatuto preconiza que as notas taquigráficas – que registrarão o relatório, a discussão, os votos fundamentados, bem como as perguntas feitas aos advogados e suas respostas –,depois de revistas e rubricadas, devem ser juntadas aos autos, com o acórdão, regra que vem sendo flexibilizada em nome do princípio da celeridade processual, e observada apenas quando há pedido formulado por Ministro ou pelas partes. Precedentes.

 

4. Anexadas aos presentes autos as notas taquigráficas referentes ao julgamento do mandamus em apreço, elas passam a integrar o respectivo acórdão, pelo que resta sanada a omissão apontada nos aclaratórios em exame, devendo ser providenciada a republicação do aresto embargado, e reaberto o prazo recursal.

 

5. Embargos de declaração acolhidos, sem alteração do julgado. (STJ. EDcl no HC 135142/MS. Relator Min. Jorge Mussi. 21/06/2011).

 

Destaque-se ainda, que as matérias que são conhecíveis de ofício, podem ainda ser invocadas, mesmo depois do julgamento do recurso originário e, pela primeira vez, em sede de Embargos de Declaração, conforme estabelece o inciso II do art. 1.022 do CPC/2015.

 

Conclui-se que o mesmo é possível, se a arguição ocorre quando da sustentação oral do recurso anterior. A omissão do tribunal quanto ao exame da matéria arguida e ventilada oralmente na tribuna, e que poderia ser conhecida de ofício, autoriza o retorno da parte por meio de Embargos de Declaração.

 

O principal busilis residirá na comprovação cabal, a ser feita pelo embargante, que houve a arguição na sustentação oral. Lembrando em tempo que o CPC admite expressamente a gravação e filmagem dos atos processuais, mesmo audiências, até sem autorização do julgador.

 

Neste caso, poderá o advogado requerer ao Presidente da Câmara ou da Turma que lhe entregue as notas taquigráficas ou a certidão que comprove a arguição feita em plenário. E, tal procedimento é coerente com a publicidade dos atos processuais conforme prevê os artigos 189 do CPC e 93, inciso IX da CF/1988) e ainda com o direito da parte de ter certidão sobre qualquer ato ou termo do processo (art. 153, inc. V do CPC).

 

Lembremos ainda a exigência constitucional da necessária fundamentação das decisões judiciais o que foi reforçado pelo CPC de 2015, não havendo como persistir a omissão do tribunal quanto válida a arguição feita em tribuna.

 

A terceira distinção marcante entre os recursos processuais reside na técnica de ampliação da colegialidade. Pois o artigo 942 prevê que, quando o resultado da apelação não for unânime, serão chamados a participar do julgamento outros julgadores.

 

É, pois, uma franca releitura dos extintos e saudosos embargos infringentes. O que antes, no Código Buzaid exigia recurso da parte, agora no Código Fux, ocorre como um efeito automático do julgamento não unânime, para todos os recursos de apelação.

 

No que tange aos agravos de instrumento interpostos contra a decisão interlocutória de mérito[5], a ampliação da colegialidade apenas ocorrerá quando houver reforma da decisão (art. 942, terceiro parágrafo, II CPC), em uma aplicação bem mais restrita que a prevista para a apelação.

 

Por fim, considerando o menos relevante, está a possibilidade de exercício de juízo de retratação. O CPC prevê que haverá juízo de retratação no recurso de apelação sempre que for prolatada sentença sem resolução do mérito (art. 485, sétimo parágrafo do CPC) ou nas hipóteses de improcedência liminar do pedido (art. 332, terceiro parágrafo do CPC). Tanto o artigo 485 quanto o artigo 332 cogita expressamente em apelação.

 

Isto por que, para o recurso de agravo de instrumento, a possibilidade de retratação do juiz é regra. Tanto o é que o art. 1.018, primeiro parágrafo do CPC reproduziu o texto previsto no artigo 529 do CP/1973, afirmando que "se o juiz comunicar que reformou inteiramente a decisão, o relator considerará prejudicado o agravo de instrumento".

 

Durante a vigência do Código Buzaid era entendimento uníssono na doutrina que, na interposição de agravo de instrumento, o juiz poderia se retratar, ainda nas hipóteses de preclusão por judicato, isto é, quando era vedado que decidisse de novo a mesma matéria.

 

Não houve alteração no contexto do CPC/2015, que, no mesmo sentido, permanece autorizando a retratação, o que, por sua vez, dará por prejudicado o recurso de agravo de instrumento. Este é um dos motivos, inclusive para a manutenção do art. 1.018, com a ressalva de que, considerando que a comunicação de interposição do agravo de instrumento deixou de ser obrigatória (em regra), o juízo de retratação apenas poderá ser exercido mediante o requerimento do recorrente.

 

Concluindo, portanto, que na hipótese de julgamento parcial do mérito, interposto o agravo de instrumento e cumprida a formalidade prevista no art. 1.018, o juiz poderá se retratar, o que não é possível na hipótese de julgamento final (na sentença) e interposição de recurso de apelação.

 

Já a derradeira distinção pode ser apontada na impugnação das decisões interlocutórias não agraváveis, prolatadas anteriormente ao julgamento do mérito. O artigo 1.009, primeiro e segundo parágrafos do CPC dispõe que todas as decisões interlocutórias não agraváveis (que não estejam expressamente previstas no rol presente no artigo 1.015) deverão ser impugnada em preliminar de razões ou de contrarrazões de recurso de apelação vencedor.

 

Na tentativa de dar solução ao busilis decorrente da impugnação de interlocutórias não agraváveis e da recorribilidade de decisão parcial de mérito através de agravo de instrumento, o Enunciado 611 do Fórum Permanente de Processualistas Civis afirma que "na hipótese de decisão parcial com fundamento no artigo 485, ou no art. 487, as questões exclusivamente a esta relacionadas e resolvidas anteriormente, quando não recorríveis de imediato, devem ser impugnadas em preliminar do agravo de instrumento ou nas contrarrazões".

 

Uma premissa que não mais parece ser acertada, haveria distinção entre a forma de impugnação de interlocutórias não agraváveis, exigindo-se do recorrente, quando da interposição do agravo de instrumento, que avaliasse quais decisões judiciais seriam "exclusivamente relacionadas" e deixasse de impugnar aquelas que eventualmente pudessem se identificar também o pedido cumulado, ou parcela do pedido, ainda não julgada.

 

O problema é grave. Pois exigir que a parte, antecipadamente, identifique as decisões que podem ou não ter relação com parcela do pedido não julgada, para impugná-las posteriormente, é medida que apenas é viável nos exemplos meramente acadêmicos.

 

Pois, em regra, na prática forense, os processos são dotados de extrema complexidade, sobretudo quando existe cumulação de pedidos, tornando tal identificação uma missão praticamente impossível ao patrono da causa que, em muitos casos, não será capaz de bem avaliar se determinada decisão afetará ou não a parcela do pedido ainda não julgada.

 

Diante do diferimento da preclusão temporal para a impugnação de decisões interlocutórias não agraváveis, as quais deverão ser recorridas logo na primeira oportunidade, independentemente de sua relação com o pedido julgado de forma parcial. Desta forma, todas as decisões interlocutórias prolatadas até o momento do julgamento parcial do mérito deverão ser impugnadas em preliminar do agravo de instrumento (e de suas contrarrazões). Caso a parte opte por agravar da decisão parcial de mérito, a oportunidade para recorrer dessas decisões será transferida para a apelação.

 

 

Eis que a questão em comento está relacionada propriamente ao momento de interposição do recurso, que à existência ou não de relação com a decisão de mérito impugnada. Isto se confirma pelo fato de ser possível a interposição de recurso em preliminar de apelação, ainda que a decisão não tenha qualquer prejudicialidade com a sentença.

 

Não nos parece ter sido a proposta do Código Fux ao vincular os recursos interpostos em preliminar ao que será discutido no mérito, mas sim, criar um marco temporal para a interposição do recurso (para a ocorrência de preclusão).

 

 Não existe, portanto, qualquer distinção existente entre a forma de recorribilidade de interlocutórias não agraváveis em preliminar de agravo de instrumento ou de apelação, sendo correto que o momento para a interposição do recurso, independentemente de se tratar de decisão com ou sem relação com a parte do mérito resolvida, será o da primeira interposição recursal que verse sobre o mérito do processo.

 

De todo exposto é possível deduzir que o legislador atribuiu expressivas distinções entre os regimes de julgamento de mérito, as quais, apesar não seja possível atribuir qualquer vício de inconstitucionalidade, levam a um intrigante sistema, no qual, em certo momento, se atribui maior força à decisão interlocutória (execução provisória em caução, impossibilidade de sustentação oral e restrição à ampliação da  colegialidade) e, em outro momento, possibilita-se o juízo de retratação pelo juiz prolator da decisão judicial.

 

No que se refere à preclusão de decisões interlocutórias no processo civil e que não são agraváveis, o vigente CPC implementou seu diferimento para o primeiro momento de conhecimento e julgamento do mérito pelo tribunal.

 

E, uma vez interposto o agravo de instrumento contra a decisão que verse sobre o mérito do processo, todas as decisões interlocutórias até então prolatadas independentes de serem ou não relacionadas com o mérito, deverão ser impugnadas em preliminar de razões ou contrarrazões.

 

 Referências:

 

 

BUZAID, Alfredo. Exposição de motivos do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1964.

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Tradução da 2.ed. italiana feita por J. Guimarães Menegale. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1969.

LEITE, Gisele; CRUZ, Ramiro L. P. Apontamentos sobre a preclusão no direito processual brasileiro vigente. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/apontamentos-sobre-a-preclusao-no-direito-processual-brasileiro-vigente  Acesso em 4.6.2019.

LIBARDONI, Carolina Uzeda. NCPC: O julgamento parcial do mérito e sua impugnação. Disponível em: https://correio-forense.jusbrasil.com.br/noticias/395210830/ncpc-o-julgamento-parcial-do-merito-e-sua-impugnacao acesso em 4.06.2019.

NOGUEIRA, Luiz Fernando Valladão. Sustentação oral no novo CPC- considerações sobre os pontos relevantes. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI271416,61044-Sustentacao+oral+no+novo+CPC+consideracoes+sobre+pontos+relevantes Acesso em 4.9.2019.

RODRIGUES, Cláudia. Uma Breve investigação acerca do mérito no processo civil. Disponível em:http://revista.pgsskroton.com.br/index.php/juridicas/article/viewFile/1479/1416   Acesso em 4.9.2019.

SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. 6.ed. v.4. atualizada pela Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

 

 

 


[1] Segundo Liebman cogita que mérito da lide é representado pelas questões com influência na decisão.

Já Carnelutti cogita em mérito da lide e assevera que este significa o complexo de questões materiais que a lide apresenta. Do início do processo até o provimento final, o juiz deve conhecer, apreciar e resolver todas as questões relevantes de fato e de direito em que se funda a controvérsia ou parte dúvida. Essas questões podem ter pertinência quanto a situações do processo, as chamadas de questões processuais, bem como guardar relação com própria relação material não são o próprio mérito. São questões que apenas se referem à material principal. Quando tais questões chegam ao final do processo ainda sem solução, o juiz as analisará na parte da fundamentação da sentença.

[2] Os doutrinadores alemães foram os mais dedicados ao estudo do objeto do processo e, por isso, fixaram o instituto da pretensão (anspruch) não colocam a ação no centro do sistema, como fazem os italianos e os brasileiros, e se dedicam ao método centrado no próprio objeto do processo. A legislação processual alemã indica a pretensão como objeto do processo, vide ZPO, §147.

[3] A palavra preclusão[1] provém do latim praeclusio[2] que significa antes da conclusão no aspecto literal e se refere a dinâmica do processo que se desenvolve através de fases lógicas e concatenadas que materializam a prestação jurisdicional a cargo do Estado-Juiz, comportando a fase postulatória, a fase probatória e, finalmente, a fase decisória. Vide LEITE, Gisele; CRUZ, Ramiro L. P. Apontamentos sobre a preclusão no direito processual brasileiro vigente. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/apontamentos-sobre-a-preclusao-no-direito-processual-brasileiro-vigente  Acesso em 4.6.2019.

[4] O objeto do processo designa o conteúdo deste sobre o qual o Estado-juiz está obrigado a pronunciar-se, bem como é nos limites deste que o provimento jurisdicional será emitido. Pode-se conceituar restritivamente o mérito da causa, como objeto do processo, isto é, o conteúdo principal do processo.

[5] O mérito significa etimologicamente uma exigência, que através da demanda, o interessado apresenta ao juiz para seu exame. A pretensão à satisfação de um interesse, já se mencionou, implica a exigência de subordinação de um comportamento à determinada norma jurídica para que o interesse se realize. Portanto, os conceitos de mérito e pretensão caminham no mesmo sentido.

 

 

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 27/02/2022
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