Apostila de Direito Imobiliário
Apostila de Direito Imobiliário
O direito de propriedade é o mais importante e sólido de todos direitos subjetivos, é um direito real por excelência, em torno do qual gravita o direito das coisas.
Saito chegou a pontificar o direito de propriedade ser a pedra fundamental de todo direito privado. Possui sua importância no direito, na economia, na sociologia e nos mais diversos segmentos das ciências humanas.
Quando recai exclusivamente sobre coisas corpóreas tem a denominação peculiar. Propriedade é gênero e domínio vem a ser espécie.
Duas palavras designam em latim o proprietário: dominus e heres. Provém a primeira de domare (dominar) e não de domus (casa) como acreditam alguns. A segunda tem her como raiz que corresponde ao sânscrito haraman e designa a mão. Herus é o que toma uma coisa.
O direito de propriedade no direito brasileiro é de categoria constitucional posto que a CF/88 assegura tal direito, entre aqueles individuais referidos no art. 5º, embora desde logo estabeleça sua conformação à função social que desempenhar. Já não é possível falar em único direito de propriedade abrangendo todos os bens e com disciplina legal idêntica para todos os casos.
O Código Napoleônico definiu o direito de propriedade por forma que se tornou célebre: “ O direito de gozar e de dispor das coisas de maneira mais absoluta, desde que delas não se faça uso proibido pelas leis e regulamentos. Referendou repetindo tal definição o Código Civil italiano art.436.
De qualquer maneira a expressão legal mereceu críticas. Primeiramente por ser pleonástica, cogita no grau absoluto como se houvesse um. Depois, porque a referida definição in fine, a rigor quer dizer o seguinte: a propriedade é poder absoluto mas nem tanto pois vive a sofrer restrições criadas pelas leis e pelos regulamentos administrativos.
Não é tarefa fácil definir e traçar seus caracteres e elementos constitutivos. O direito de propriedade é de fato absoluto, é erga omnes e reitera sua plenitude por ser o mais extenso e o mais completo de todos os direitos reais.
Bonfante é sugestivo ao traçar paralelo entre propriedade e os direitos reais que dela se desmembram, na esfera do direito privado, e a soberania e os direitos daí resultantes na esfera do direito público.
Enquanto a soberania é o conjunto dos poderes do Estado enfeixados, o domínio, o conjunto dos direitos reais unidos e conglomerados.
É difícil definir propriedade face as inúmeras faculdades atribuídas ao proprietário e, por outro lado, podem faltar algumas dessas faculdades sem que por isso de desnature o direito.
Ao caráter absoluto da propriedade soma-se o de exclusividade. O direito de um sobre determinada coisa exclui o direito de outro sobre a mesma coisa.
O art. 527 do C.C. expressamente reconhece tais caracteres tanto que estipula a presunção de que é exclusivo e ilimitado até prova em contrário.
Mesmo no condomínio não padece e nem desaparece a exclusividade posto que os condôminos são co-titulares do direito pois o condomínio implica na divisão abstrata de propriedade.
Acrescente ainda ao caráter absoluto e exclusivo decorre também é irrevogável. Uma vez adquirida, a propriedade em regra não pode ser perdida senão pela vontade do proprietário. É irrevogável e perpétua e subsiste independentemente de exercício enquanto não sobrevier causa legal extintiva.
Domolombe declara que é a perpetuidade da propriedade que possibilidade de sua transmissão post mortem.
O Código Civil soviético limitara a duração da propriedade das construções. A irrevogabilidade da propriedade na sistemática jurídica brasileira só é afetada por eventuais exceções, tornando-se assim resolúvel ou revogável por expiração de termo de duração.
O conteúdo positivo do direito de propriedade é o usar, gozar e dispor da coisa e ainda a sua proteção que corresponde ao direito de seqüela.
O direito de usar compreende o de exigir da coisa todos os serviços que ela pode prestar sem alterar-lhe a substância.
O direito de gozar consiste em fazer frutificar a coisa e auferir-lhe os produtos. O direito de dispor, o mais importante do tríduo, consiste no poder de consumir a coisa, de aliená-la, de gravá-la de ônus e de submetê-la ao serviço de outrem.
O abuso não tem conotação ante social, traduzia o poder de alínea, o poder de consumir, em suma, na idéia de disposição.
Os elementos constitutivos de propriedade (jus utendi, fruendi et abritendi são autônomos), não se confundindo uns com outros.
É plena a propriedade de onde se acham reunidos todos os elementos em favor de único titular; quando há o desmembramento, exigindo direito real autônomo e conferido a outrem, chama-se de propriedade ilimitada.
A propriedade resolúvel encontra limite quando a duração do direito mantendo-se intactos os demais direitos elementares.
A propriedade quer que seja soma de direitos ou um único direito, possui a faculdade de comprimir-se ou seduzi-se de poderes, permanecendo, todavia, potencialmente unida, tal é a expressão do princípio da elasticidade do domínio.
O art. 526 CC suscita que a propriedade do solo abrange o subsolo e o espaço aéreo, itens ao exercício do direito de propriedade. Porém, o proprietário não pode opor-se aos trabalhos que sejam empreendidos a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele legítimo interesse em impedir.
A propriedade efetivamente inclui o espaço aéreo e o subsolo, e, se delimita pela utilidade que ao proprietário pode proporcionar.
O art. 8º do Decreto 271/67 permite a concessão de uso do espaço aéreo sobre superfície de terrenos públicos ou particulares, tomada a projeção vertical nos termos e nos fins do art. 7º e na forma em que for regulamentada.
Quanto as minas e jazidas e demais recursos minerais, constituem propriedade distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamento industrial (CF – art. 176, Cód. Mineração art. 84), encontrando-se derrogado o art. 526 CC.
Pertencem a União, a propriedade do produto da lavra é do concessionário que a explora, tocando ao proprietário do solo apenas a participação nos resultados da lavra.
Proteção específica da propriedade é assegurada pela ação de reivindicação de natureza real, exercitável adversus omnes, tendo a finalidade a retomada da coisa do poder de quem quer que injustamente a detenha.
Instrumento particular de compra e venda sem o registro imobiliário não é gerador de direito real, só assegurando o direito obrigacional e não serve como força probante para a ação de adjudicação compulsória.
O art. 528 prescreve que os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao proprietário, salvo se por motivo jurídico, especial, houverem de caber a outrem.
É a aplicação do jus friendi, é a modalidade de gozo da coisa.
No art. 529 prescreve ainda o CC que o proprietário, ou inquilino de um prédio, em que alguém tem direito de fazer obras, pode no caso de um dano iminente, exigir do autor delas as precisas seguranças contra o prejuízo eventual.
Protege o proprietário contra os danos a que se exposto o imóvel de sua propriedade, em virtude de obras realizadas ou pelo proprietário do prédio dominante (na hipótese de servidão) ou por outra pessoa (na hipótese em que tenha título que lhe confira semelhante direito). Idêntica proteção existe em favor do inquilino.
Exerce-se a defesa através de ação cominatória (art. 287 CPC) sendo a prestação de caução disciplinada pelos atrs. 799 e segmentos do mesmo diploma legar,.
As restrições constitucionais impões a subordinação da propriedade à sua função social, expressão vaga mas que pode ser genericamente interpretada como a subordinação do direito individual ao interesse coletivo.
A CF dispões sobre a desapropriação por necessidade ou entidade pública e por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro.
Também é prevista a utilização da propriedade particular em caso de perigo iminente, assegurada a indenização (art. 5º, XXV).
Prevê ainda o texto constitucional a desapropriação do imóvel urbano não edificado, inadequadamente aproveitado ou sub-utilizado (art. 182 § 4º, III). Por igual permite à União desapropriar o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, para fins de reforma agrária (art. 184).
Numerosas restrições administrativas quanto ao direito de propriedade, a começar no Decreto-Lei 25/37, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, o qual em seu art. 17, prescreve que as coisas tombadas não poderão ser, em caso algum, destruídas, demolidas ou mutiladas, nem ainda, sem prévia autorização da autoridade competente, reparadas, pintadas ou restauradas.
O art. 18, preceitua-se mais que, sem a mesma autorização, não será possível, na vizinhança de coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes. A mesma lei assegura ainda à União, ao Estado e ao Município direito de preferência, em caso de alienação onerosa (art.22). Mas o judiciário tem competência para decidir se a coisa tombada tem ou não valor histórico e artístico; na hipótese afirmativa subsiste o tombamento, com restrições que dele decorrem.
O direito de construir é o mais limitado já que as normas edilícias e de zoneamento fixam usos e construção permitidos em cada região da cidade estabelecem recuos coeficiente de aproveitamento, a implantação no lote, área máxima de edificação, gabaritos de altura.
A exigência de licença prévia de edificação evidencia a ingerência do Estado no direito de propriedade, harmonizando-o com as da coletividade.
O Código de Minas, o Florestal, de Caça, de Mineração e o de Pesca resultam em sensíveis limitações ao direito de propriedade.
As limitações de natureza militar são bastante numerosas (Decreto-Lei 4812/42, modificados pelo DL 545/43 dispõe sobre a requisição de móveis e imóveis necessários às forças armadas e à defesa passiva da população. Decreto-Lei 6430/44 prevê sobre transações de terras particulares na faixa de 150 Km ao longo da fronteira do território nacional.
A concessão de certos direitos reais a estrangeiros desde que a sua área não ultrapasse os 2000 hectares.
O DL 3437/41 prevê providência a respeito de aforamentos de terrenos e sobre a construção de edifícios em zonas fortificadas, vedando outrossim, a sua reconstrução nas proximidades dos terrenos das fortificações, dentro dos limites enunciados.
O DL 4008/42 dispõe sobre a requisição de bens destinados ao transporte aéreo e a Lei 6634/79 sobre a faixa fronteiriça, e ainda a Lei 5130/66 sobre as zonas indispensáveis a defesa do país.
A Revolução Francesa pretendeu democratizar a propriedade e aboliu os privilégios mobiliásticos e cancelou direitos perpétuos.
Apesar das incertezas e mutações a noção de contrato sofreu sensível modificação, estabelecendo o primado da ordem pública sobre o princípio da autonomia da vontade. Também a propriedade recebeu o ímpeto, que vai até supressão do domínio individual.
Muitos preconizam a publicação do direito de propriedade como Savatier, a órbita individual cede praça às exigências da ordem pública e outros, ainda tratam a propriedade como instituição e não como direito. Acreditando na função social da propriedade e na sujeição de seu uso ao bem-estar social.
O direito de propriedade recebeu diversos rótulos, tais como direito real por excelência, direito subjetivo padrão ou fundamental.
Lafayette lhe enxerga de forma abrangente incluindo todos os direitos de expressão pecuniária. Serpa Lopes aponta a teoria dos direitos reais em torno da propriedade exigida assim em centro de irradiação.
Os atributos ou faculdades inerentes à propriedade são o uso, fruição e disposição da coisa.
Aquisição originária de propriedade é quando o individuo, em um dado momento, torna-se dono de uma coisa que jamais esteve sob o senhorio de alguém. É uma propriedade sem que ocorra a transmissão de outrem. É uma propriedade sem relação causal com o estado jurídico anterior da própria coisa.
Dá-se a aquisição derivada a que ocorre quando se considera a coisa em função de seu dono atual, ou seja, a titularidade do domínio em relação com outra pessoa que já era proprietária da mesma coisa.
É a forma mais freqüente. É a que passa normal com propriedade imobiliária, considerada em função de que o direito que se adquire está relacionado com direito de um precedente proprietário.
A idéia principal é a transmissão quer seja direta, indireta, voluntária ou involuntária, quer a título universal ou particular.
Há sempre na aquisição derivada um sucessor e um antecessor do direito de propriedade.
A transmissão a título universal há a transmissão da totalidade dos direitos, enquanto que a título singular, é que o novo titular assume uma determinada condição jurídica do antecessor, mas assume determinada condição jurídica na parcialidade do direito de propriedade.
A sucessão pode ser causa mortis ou intervivos.
No sistema brasileiro não se adquire a propriedade solo consensu, através somente do contrato.
No direito romano a transferência de domínio exigia um ato externo tradição ou usucapião para efetivar, fazia-se mister a sua autenticação via registro imobiliário.
A propriedade imóvel era, indispensável a tradição de coisa, tomando o posse direta coma efetiva presença do adquirente em todas as partes do imóvel e mais tarde considerada efetiva pelo só fato de o alienante o levar ao ponto mais alto, de onde a coisa transmitida era, mostrada ou colocada ante os olhos do adquirente.
O Código Civil Alemão (Bügerliches Gezetzbuch) de 1896, instituiu uma sistemática para a transferência do domínio, baseada fundamentalmente na inscrição do contrato no registro imobiliário (BGB – art. 873). A chave do sistema germânico é o cadastro de toda propriedade imóvel.
A inscrição no registro decorre do acordo formal de transmissão sendo uma convenção jurídico-real e resulta de declaração de vontade dos interessados, especificamente à inscrição.
Gera o registro a presunção de titularidade do domínio.
O sistema germânico se baseia em dois princípios: o da presunção de exatidão do registro e o da proteção a quem confia no registro, posto inexato (arts. 891 e 892 BGB).
O nosso sistema se aproximou da técnica germânica quanto a aquisição do domínio pelo registro, mas se afastou de todos os seus efeitos.
O contrato cria somente direito puramente obrigacional e não opera a transferência de domínio que é realizada pelo registro imobiliário e que efetivamente cria o direito real.
O registro é um ato jurídico causal, pois está sempre vinculado ao título translatício originário e somente opera dentro das forças e sob condição de validade formal e material do título.
O pressuposto fático é um título hábil a operar a transferência, cabendo ao oficial do registro a supervisão sumária quanto a capacidade das partes ou a qualquer requisito formal.
Realizada a matrícula ou a inscrição do título aquisitivo, presume-se pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se registrou ou inscreveu (CC – art. 859).
Considera-se adquirida a propriedade no momento da apresentação do título a registro (art. 534) ainda que entre a prenotação no protocolo e o registro haja decorrido algum tempo.
É uma presunção uires tantum. A importância do registro e curial para a organização jurídica da propriedade brasileira, além de significar a causa determinante da aquisição da propriedade.
A eficácia do registro, no sustento brasileiro, assenta na observância das formalidades extrínsecas e intrínsecas a que se subordina, corresponde às normas de direito imobiliário formal e de direito imobiliário material do sistema alemão do qual em linhas gerais se aproxima, embora sem o rigor tedesco e sem que se lhe atribua o efeito absoluto ali vigente.
A aquisição pela transcrição é sempre derivada.
Já na acessão poderá ser originária ou secundária, e entende o direito de proprietário a tudo que ao bem se incorpora inseparavelmente.
É baseado em ordem prática, alguns casos é visível como na aluvião, afora aqueles em que a separação não pode materialmente fazer-se (formação de ilha).
Daí a aceitação de que a propriedade das partes que cedem é um incremento material, operando aquisição em favor do dono do prédio a que adere.
Aluvião ocorre através de acréscimo paulatinos quase imperceptíveis, formando depósito e aterro naturais.
Ocorre o desvio das águas dos rios ainda que navegáveis dando lugar ao terreno abandonado.
Não se consideram, porém, terrenos de aluvião as partes descobertas pela retração (aluvião imprópria) das águas dormentes como lagos, lagoas e tanques, e, por tal motivo os donos dos terrenos confiantes não os adquirem, como não o perdem o que o que as águas invadirem (art. 539 CC).
Não são terrenos de aluvião os aterros artificiais, ou as terras decorrentes de trabalhos individuais do proprietário ribeirinho, pois que lhes falta a circunstância do incremento paulatino e natural.
O Código das Águas alterou a concepção do aluvião, estende o conceito de terreno aluvial aos acréscimo formados em acessão ao mar e as correntes; admite como modo aquisitivo a aluvião imprópria que o Código Civil repelia.
São acréscimos públicos dominicais os que se derem nas águas publicas ou dominicais, se não estiverem destinados ao uso comum.
Igualmente públicos dominicais, ou constituirão servidão de trânsito os acréscimos, se o álveo for limitado por estrada pública.
Mas se houver deslocamento brusco de uma porção de terra por força natural violenta, desprendo-se de um prédio para se juntar a outro, a isto chama-se avulsão que é também causa aquisitiva de propriedade e obediente as normas especiais.
Não perde o proprietário de cujo imóvel se desgarra, não perde a parte deslocada que lhe é lícito reclamar em espécie.
Se a avulsão decorrer de fato natural a regra é que ninguém responde pelo fortuito. Impossibilitada a aderência natural, avulsão se regula pelas disposições referentes à invenção.
A regra é que álveo abandonado, particular ou público o rio, pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens na proporção de testadas, até a linha mediana do álveo abandonado (art. 545).
A acessão industrial sujeita a indenização no respectivo valor.
Gisele Leite
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 15/11/2007