Depois de um quarto de século, o mundo boquiaberto se deparou com a primeira clonagem de mamífero realizada a partir de uma célula adulta. Foi a ovelha Dolly, quando se inaugurou sérios debates sobre as intrincadas discussões sobre ética, ciência e legislação.
Dolly nascida nos laboratórios de Roslin Institute, da Universidade de Edimburgo, na Escócia só teve seu nascimento anunciado em 25 de fevereiro do ano seguinte. E, representou o único animal como exemplo exitoso entre duzentas e setenta e sete tentativas fracassadas.
Dois anos mais tarde, um estudo apontou a tendência da ovelha em envelhecer precocemente. E, em 2002, apresentou doença pulmonar progressiva, o que segundo alguns cientistas representava um sintoma de envelhecimento.
Aos seis anos de vida, a ovelha foi abatida para evitar-lhe uma morte agonizante por conta de infecção pulmonar incurável. E, seu corpo fora empalhado e, atualmente, encontra-se exposto no Museu Real da Escócia, localizado em Edimburgo.
Seu nome Dolly foi uma homenagem à cantora Dolly Parton afinal era um nome mais palatável do que cordeiro nº 6LL3. A experiência lançou o medo na humanidade de ser copiada, chegando a ser comparada à bomba atômica e, em 2018, soube-se que certo grupo de ativistas se lançou contra a clonagem e, tentou sequestrar a famosa ovelha em 1998, mas fracassou.
Temia-se a prática de eugenia, ou seja, a prática de criação de seres humanos perfeitos através da manipulação genética e, com potencial aumento do poder dos cientistas na busca da eterna perfeição. Teríamos, então, finalmente o Olimpo.
Tais efeitos chegaram às esferas políticas, tanto que Bill Clinton, o Presidente dos EUA na época, chegou a proibir a utilização de fundos federais para prática de clonagem humana e, depois, o Conselho da Europa adotou, no ano seguitne, protocolo para proibir a referida técnica em seres humanos.
Igualmente o Vaticano expediu a condenação e as organizações internacionais, tais como a OMS, a UNESCO e, ainda, a Comissão Europeia.
Enquanto diversas preocupações e questões foram suscitadas, Dolly seguia sendo a capa de jornais e revistas e, recebendo a visita de curiosos, e quase viveu como uma ovelha normal, não fossa a sua estrondosa fama e os problemas de saúde e, seis cordeiros a caminho.
Ainda em 2001, apresentou artrite, o que foi considerado pelos cientistas como efeito secundário da clonagem e, em 2003, contraiu a fatídica infecção pulmonar incurável.
Muitos anos mais tarde, a manipulação genética em humanos voltou a ser notícia, quando em novembro de 2018, cientista chinês afirmou ter ajudado a criar os primeiros bebês geneticamente manipulados, sendo gêmeas cujo ADN fora alterado por meio de tecnologia capaz de reescrever todo o mapa da vida, com o objetivo de tornar mais resistentes ao vírus da SIDA.
O referido cientista chinês foi condenado a três anos de prisão e ao pagamento de multa de três milhões de yuanes. E, autoridades chinesas anunciaram que em janeiro de 2019 que outra mulher estaria grávida de criança com DNA modificado, além das gêmeas, mas o nascimento deste bebê não fora confirmado.
Um clone é definido como uma população de moléculas, células ou organismos que se originaram de uma única célula e que são idênticas à matriz original. Portanto, a clonagem é mecanismo comum de propagação da espécie em plantas ou bactérias.
Em humanos, os clones naturais são os gêmeos idênticos que se originam da divisão de um óvulo fertilizado. E, a grande novidade foi que a Dolly, abriu o caminho para a possibilidade da clonagem humana.
Enfim, todos nós já fomos uma célula única resultante da fusão de óvulo com espermatozoide. Essa primeira célula já contém em seu núcleo o DNA contendo toda a informação genética apta a gerar um novo ser. O DNA nas células fica extremamente condensado e organizado em cromossomos, e todas as outras células do corpo humano possui quarenta e seis cromossomos.
Em cada célula, temos vinte e dois pares que são iguais nos dois sexos, chamados de autossomos e, um par de cromossomos sexuais (xx para mulheres e xy para homens). Essas células com quarenta e seis cromossomos são as chamadas células somáticas.
Depois da fecundação, a célula começa a se dividir progressivamente, e na fase de oito a dezesseis células, as células do embrião se diferenciam em dois grupos,a saber: o grupo de células externas que vai originar a placenta e anexos embriona´rios e uma massa de células externas que vai originar o embrião propriamente dito.
Após setenta e duas horas, o referido embrião, contando agora com cerca de cem células, é chamado de blastocisto. É nessa fase exatamente que ocorre a implantação do embrião na cavidade uterina.
Com exceção dos genes responsáveis pela manutenção do metabolismo celular que se mantêm ativos em todas as células do organismo, só irão funcionar em cada tecido ou órgão os genes importantes para a manutenção deste. Os outros se mantêm silenciados ou inativos.
A grande descoberta da notícia da Dolly foi a descoberta de que uma célula somática de mamífero, já diferenciada, podeia ser reprogramada ao estágio inicial e voltar a ser totipotente. Isso foi conseguido através da transferência do núcleo de uma célula somática da glândula mamária da ovelha que originou a Dolly para um óvulo recém-fecundado por um espermatozoide.
Segundo Brigitte Boisselier, a fertilização in vitro é técnica de fabricar cópias humanas sendo considerada como método alternativo de reprodução bem como a fertilização assistida adotada por casais inférteis ou homossexuais.
E, os defensores da clonagem humana argumentam, que a fertilização in vitro quando iniciada há mais de duas décadas, também acarretou grandes protestos mundiais e, registram-se milhares de crianças que nasceram por conta dessa tecnologia.
É sabido que a clonagem humana é proibida no Brasil, assim como prevê o artigo 6º, inciso IV, da Lei nº 11.105/05 (Lei de Biosseguranca), in verbis:
“Art. 6º Fica proibido:
I – implementação de projeto relativo a OGM sem a manutenção de registro de seu acompanhamento individual;
II – engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em desacordo com as normas previstas nesta Lei;
III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano;
IV – clonagem humana;
V – (...)”.
Essa mesma Lei regulamentou como crime a prática da clonagem humana, e dispõe em seu artigo 26, a pena para aquele que comete tal delito. In litteris:
“Art. 26. Realizar clonagem humana:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.”
Dessa forma, muito se questiona quais são os motivos do legislador pátrio para proibir a clonagem humana, e aplicar uma sanção penal para quem realizá-la em nosso território nacional.
Porém, para compreender tais razões, é necessário entender, primeiramente, as justificativas para que a clonagem humana fosse não aceita no nosso ordenamento. Ou seja, é preciso analisar os prós e contras da clonagem humana e sua repercussão.
Como argumentos a favor, é possível citar: o desejo da pessoa em ter o seu DNA preservado através do tempo e do espaço, ao ter um clone seu; a vontade de reproduzir um ente já falecido, em virtude da sua morte iminente e a saudade remanescente; o desejo de tornar certas pessoas eternas, em virtude de seus feitos em diversas áreas, como de cientistas, doutrinadores e grandes nomes, por exemplo Albert Einstein, William Shakespeare, Pontes de Miranda; a cura de determinadas doenças e outras inúmeras razões.
Por outro lado, como argumentos contrários, cogita-se que: “o ser humano tem direito a ser geneticamente único e irrepetível”; a ameaça que a clonagem humana representa para a dignidade da pessoa humana, pois o ser humano tem o direito de não ser programado geneticamente em laboratório, ou ainda, ele é o responsável pela sua carga genética e ninguém poderia transferi-la para outrem sem a sua autorização; a propagação da discriminação, porque através dos clones, certas características físicas ou pertencentes a determinadas raças seriam valorizadas para serem clonadas; etc.
Portanto, em razão do princípio da dignidade da pessoa humana é um dos direitos fundamentais que regulam todo o ordenamento jurídico do Brasil, e não havendo como existir uma compatibilização entre a clonagem humana e esse princípio, é certo que a vedação da clonagem humana foi legislada dessa forma, não havendo qualquer inconstitucionalidade na Lei de Biosseguranca.