O discurso da servidão voluntária nos instiga ao estranhamento e a revisitação de muitos pensadores como Platão e Thomas Morus. Realmente, a La Boétie não concebeu uma agremiação política ideal, não busca uma virtuosa forma de distribuição do poder.
Questiona-se por que tantos homens deixam-se tiranizar, seria covardia? seria falta de outras opções? Busca-se a causa da opressão e, também busca-se conhecer a verdade, e a verdade vos libertará, é o que nos informa o Evangelho de João 8.32.
La Boétie reconheceu que todos os homens reconhecem sem outra advertência a não ser a da natureza, a obediência que cada um dve a seu pai e a sua mãe. Constata-se o inatismo moral de Santo Agostinho e seu platonismo que dita a lei natural inscrita no coração dos homens e, posteriormente regatado e, enxerga o germe que se atribui a virtude, mas aborta, muitas vezes, sufocado pelos vícios que sobrevêm.
Etienne também discorreu sobre a dominação pela força das armas e, quando se tratar de uma guerra, de uma imposição com ameaça contra a vida, nao há espanto que os homens obedeçam, pois aguardam melhor sorte no futuro. Seu texto ainda nos oferece nítida distinção entre obediência e servidão. Porém, não oferece um divórcio estanque e inequívoco, entre tais espécies de dominação.
La Boétie não esclarece totalmente o fundamento pelo qual a reputação que a obediência aos pais seja sempre boa; limita-se a dizer que é da naturez a das coisas. Parte, por sinal, da suposição de que haja uma essência do humano, corrompida pelo vício: emmuitas passagens evoca a 'nossa natureza' (como quando trata dos deveres recíprocos de amizade, dos direitos que a natureza nos deu etc.):
“Se há algo claro e evidente, ao qual ninguém pode ficar cego, é que a natureza, ministra de Deus e governante dos homens, criou todos nós da mesma forma e, ao que parece, na mesma fôrma, para nos mostrar que somos todos companheiros, ou melhor, irmãos todos.” Ávidos pela liberdade, os bichos não servem voluntariamente; nem anjo, nem besta, o homem foi degradado pelo seu desejo de servir.
A servidão decorreria do hábito e uma das estratégias dos tiranos consiste em fornecer pão e circo. Existe, igualmente, a cumplicidade dos dominados, pois o tirano é mantido por seis, que o adulam, enquanto que esses seis têm sob suas ordens seiscentos e, assim, por diante...
O tirano subjuga os súditos, uns por meio de outros e, se faz guardar por aqueles contra os quais deveria se precaver. Para tanto, existem os arqueiros, os guardas e os alabardeiros, não que estes não sofram algumas vezes com a opressão do tirano, mas tais infelizes se contentam em ligações com o mal e em fazê-lo, não àquele que o fez a estes, mas aqueles, que como eles, estão condenados a sofrê-lo e nada podem fazer.
A tirania parece advir de uma espécie de ignorância, algo bem próximo a alienação que fora tratada por Marx. A servidão consentida deita raízes num rio de esquecimento, tanto que não consegue o povo despertar para reconquistá-la.
Acredita-se num tempo imemorial quando os homens tiveram convivido sem a dominação e, onde a liberdade é natural. O estado de natureza do homem corresponde ao convívio pacífico e igualitário e, a ruptura, representada pela transição entre a natureza para a cultura, representa um mau encontro. Quando a civilização teria degradado a condição humana. Na cultura ocidental, a criança passa por um conflito de valores, envolvendo tabus, a proibição do incesto e do parricídio.
Enfim, o sistema não apenas utiliza o poder de força para sua dominação, mas igualmente, os limites dos próprios dominados. Eis que surge na ruptura entre a barbárie e a civilização, o reconhecimento das relações de fraternidade. A fraternidade para La Boétie seria uma estado natural dos homens.
Enfim, a cultura é bem marcada pela tentativa de adestramento das pulsões humanas e, ao enfatizar as regras de convívio social, que são sentidas como se fossem atemporais e, decorrem de complexas janelas, orientadas ao adestramento dos corpos.