"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos


 Pode-se afirmar que o direito penal ou direito criminal, se tem que existem outras denominações já foram propostas tais como: direito protetor dos criminosos (Dorado Montero), direito repressivo (Puglia) e, etc.
 
Como sendo a parte ou ramo do direito que define as infrações penais (crimes ou delitos ou contravenções) cominando-lhes sanções correspondentes tais como penas e medidas de segurança ou ainda outra consequência legal para a hipótese de descumprimento de seu preceito.
 
Entre as mais célebres definições[1] há a de Von Liszt[2] que definiu como conjunto de prescrições emanadas do Estado, que conecta ao delito, como pressuposto, a pena como consequência jurídica.
 
Para Wezel[3] é como parte do ordenamento jurídico que determina as características da ação delituosa e lhe impõe penas ou medidas de segurança.
 
Trouxe Wessels uma definição mais completa: “por Direito Penal designar-se a parte do ordenamento jurídico que determina os pressupostos de punibilidade, bem como os caracteres específicos da conduta punível, cominando determinadas penas e prevendo, a par de outras consequências jurídicas, especialmente as medidas de tratamento de segurança”. (In: Queiroz, Paulo. Direito Penal 5.ed., Porto Alegre: Sergio A. Fabris Editor, 1976, p.5).[4]
 
O direito penal é violência a serviço do controle da violência.
 
Entre os doutrinadores brasileiros, Frederico Marques assinalou com razão, que, para se obter a noção exata, é imprescindível que nela se compreendam todas as relações jurídicas que as normas penais disciplinem, inclusive as que derivam dessa sistematização ordenadora do delito e da pena, apresentando-se por isso o seguinte conceito in litteris: “ conjunto de normas que ligam ao crime, como fato, a pena como consequência e disciplina, também outras relações jurídicas, também outras relações jurídicas daí derivadas, para estabelecer, a aplicabilidade de medidas de segurança e a tutela do direito de liberdade em face do poder de punir do Estado. (In: Tratado de Direito Penal. Campinas: Bookseller, 1997, p. 24).
 
Entretanto tal conceituação formal não satisfaz e nem retrata o objeto do direito penal. O que vale dizer que o direito penal é algo que está além de tais definições, que não se compreende nessas fórmulas conceituais.
Para tanto basta conferir o conteúdo de algumas de suas normas: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, ninguém pode ser punido por fato que a lei posterior deixa de considerar crime; considera-se praticado o crime, no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado ( arts. 1º ao 4º do CP), a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa.
 
Conclui-se, outrossim, que as normas caracteristicamente penais não se restringem à definição de comportamentos delituosos cominando0lhes as respectivas sanções.
 
Se prevalecesse esse tão restrito conceito, só existiriam as normas penais como sendo aquelas previstas na Parte Geral do Código Penal e das leis penais extravagantes que são definidoras de condutas delituosas.
 
Tanto a Parte Geral como a Parte Especial do Código Penal em vez de declarar quais são os comportamentos criminosos ou contravencionais, cuida principalmente de delinear o âmbito de vigência das normas penais e de estabelecer os critérios de aplicação e interpretação.
 
Mas, não apenas a Constituição Federal, principalmente, mas também o Código Penal define ainda, as bases e os princípios fundamentais do direito penal, traçando-lhes o perfil, limites e contornos. Ou seja, fornece-lhe a conformação política-jurídica[5].
Quanto ao aspecto formal, o direito penal pode ser definido como conjunto das normas jurídicas que materializando o poder punitivo do Estado, define, portanto, as infrações penais (crimes ou delitos e contravenções), com a indicação de sanções correspondentes (penas, medidas de segurança[6] ou outra consequência jurídica).
 
Atualmente cogita-se de vítimo-dogmática, parte da vitimologia que se ocuparia da influência do comportamento da vítima na dogmática penal.
 
A vitimologia é uma ciência que estuda o papel da vítima no crime, trazendo posição de equilíbrio, colocando a vítima no local central do crime e não o réu, obviamente, respeitando todos os seus direitos e garantias.
 
Quando o Estado Democrático de Direito começou a se organizar e assumir o monopólio da justiça, a vítima foi passada para o segundo plano e com o surgimento do Direito Penal moderno, as atenções se concentraram para a pessoa do réu.
 
Porém, a vítima já ocupou a posição central do delito e, não apenas, mera posição periférica conforme acontece cotidianamente, dava-se à vítima a colocação de destaque, a opção de escolha entre a vingança e a compensação, esta era foi como conhecida como idade de ouro.
 
O surgimento da Vitimologia ocorreu como disciplina derivada de uma ciência maior denominada criminologia, entretanto, vige divergência doutrinária sobre a existência ou não de uma autonomia científica desse estudo. Existem autores que tratam a vitimologia como ciência autônoma, pelo fato de existir método, finalidade e princípios próprios.
 
Porém, a maior parte da doutrina entende que a Vitimologia sendo um ramo de uma ciência maior denominada Criminologia. Também existe um terceiro posicionamento isolado que nem reconhece a existência da vitimologia[7], nem como ramo específico e nem tampouco como ciência autônoma.
 
Aliás, assim Schünemann[8] desenvolveu o princípio vitimológico que prevê onde seja possível e exigível uma autoproteção fácil e eficaz por parte da própria vítima não ocorre propriamente, uma lesão socialmente perigosa e digna de repressão jurídico-penal, motivo pelo qual o ofendido não é, em tal vaso, merecedor de proteção outorgada, pelo direito penal, dado o caráter de ultima ratio. (Vide Roxin, Derecho penal. Madrid: Editora Civita, 1997, p. 562-7).
 
Por derradeiro, pode-se defini-lo como García-Pablos, sob o enfoque dinâmico e sociológico, como sendo um dos instrumentos de controle social formal por meio do qual o Estados mediante determinado sistema normativo (leis penais), que castiga com sanções negativas de particular gravidade (penas e consequências afins e, etc.) as condutas  derivadas mais nocivas para a convivência, assegurando desse modo a necessária disciplina social e a correta socialização dos membros do grupo. (In: García-Pablos. Criminologia. Tradução: Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 1992).
 
Adverte-se que não se deve confundir direito penal, criminologia[9] e política criminal[10].
 
A criminologia enquanto expressão remonta ao antropólogo francês Topinard em 1879, é considerada uma ciência empírica e interdisciplinar que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima, do controle social do comportamento criminoso e que procura identificar a gênese, dinâmica e as variáveis principais do crime, assim como os programas de prevenção e controle social.
 
Ao mencionar a expressão “ou outra consequência legal”, quero referir-se às medidas despenalizadas, tais como a suspensão condicional do processo[11] e a transação penal[12] (Lei 9.099/1995) bem como a possibilidade da redefinição e flexibilização da resposta penal, segundo o princípio de adequação.
 
Para ilustrar a conceituação do instituto de transação penal[13], João Francisco de Assis expõe a Transação Penal como uma concessão recíproca entre o Ministério Público e o infrator para extinguir o conflito, mediante o cumprimento de uma pena.
 
Vejamos: [...] ato jurídico através do qual o Ministério Público e o autor do fato, atendidos os requisitos legais, e na presença do magistrado, acordam em concessões reciprocas para prevenir ou extinguir o conflito instaurado pela prática de fato típico, mediante o cumprimento de uma pena consensualmente ajustada, que não seja, frisa-se, privativa de liberdade.
 
O direito penal deve ampliar sensivelmente, os modos de responder ao conflito, conforme as peculiaridades de cada caso concreto, buscando semelhança com o direito não-penal (civil, administrativo) uma solução para o caso, solução que não precisa ter necessariamente, caráter de pena, nem mesmo alternativa.
 
O objeto, portanto, da criminologia se ampliou sensivelmente para incluir também além d delito e do delinquente e suas causas dentro do paradigma casual-explicativo ou etiológico- explicativo, tão próprio da criminologia positiva. E o estudo da vítima e, em especial, da reação e do controle social do mesmo.
 
Para Newton Fernandes define a criminologia como: “[...] a vítima, as deter­minantes endógenas e exógenas [na sociedade], que isolada ou cumulativamente atuam sobre a pessoa e a conduta do delinquente, e os meios labor-terapêuticos ou pedagógicos de reinte­grá-lo ao agrupamento social”.
 
A criminologia divide-se em: critica e tradicional. A primeira desmitifica a crença no crime como realidade ontológica e criminal, também dizia a sua ideologia da figura do criminoso como ser anormal.
 
Enquanto a criminologia tradicional pressupõe a qualidade criminal de um comportamento que existe objetivamente, esta, entende que as normas sociais constituem um acordo universal, num consenso “válido em nível intersubjetivo”.
 
O positivismo surgiu no final do século XIX, e início do século XX, principalmente na Eu­ropa quando pretendeu transplantar até mesmo para a Filosofia o rigor do método científico. E com sua evolução surte efeitos no âmbito do Direito e consequências nas ciências criminais.
 
Assim essa escola teve três grandes influenciadores, que foram: Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Garafalo. Esta escola era responsável pela visão biológica do crime. A escola positivista buscava entender como o homem se torna um criminoso e quais são os fatores que o circundam (interna e externamente) que o levam a ser um criminoso.
 
Os influenciadores desta escola divergiam em suas opiniões, como: Lombroso preo­cupava com as características mentais ou físicas de algum antepassado, além da aparência do criminoso como fatores que determinavam à prática do crime.
 
Para Ferri, o outro influenciador desta escola, dizia que o indivíduo se torna criminoso pelas condições sociais que o circundam. Nesta escola o delito é tido como fato histórico e real que prejudica a sociedade, ori­ginando assim o delito e a natureza, tendo aqui como objetivo “cortar o mal pela raiz” com programas de prevenção, priorizando os estudos do delinquente independente dos delitos.
 
Os postulados basilares dessa escola são:
 
a) o Direito tem uma natureza transcendente, segue a ordem imutável da Lei natural: O direito é congênito ao homem, porque foi dado por Deus à humanidade desde o primeiro momento de sua criação, para que ela pudesse cumprir seus deveres na vida terrena. O direito é a liberdade.
Portanto, a ciência criminal é o su­premo código da liberdade, que tem por objeto subtrair o homem da tirania de si mesmo e de suas próprias paixões. O Direito Penal tem sua gênese e fundamento na lei eterna da harmonia universal;
 
 
b) o delito é um ente jurídico, já que constitui a violação de um direito.  Conclui-se que o delito é definido como infração. Nada mais é que a relação de contradição entre o fato humano e a lei;
c) a responsabilidade penal é lastreada na imputabilidade moral e no livre arbítrio humano;
d) a pena é vista como meio de tutela jurídica e como retribuição da culpa moral comprovada pelo crime.
O fim primeiro da pena é o restabelecimento da ordem externa na sociedade, alterada pelo delito.
Em consequência, a sanção penal deve ser aflitiva, exemplar, pública, certa, proporcional ao crime, célere e justa;
e) o método utilizado é o dedutivo ou lógico-abstrato;
f) o delinquente é, em regra, um homem normal que se sente livre para optar entre o bem e o mal, e preferiu o último; g) os objetos do estudo do Direito Penal são o delito, a pena e o processo.
 
Diferentemente, portanto, do direito penal que é uma ciência do “dever-ser” (normativa) a criminologia é uma ciência do ser, empírica e baseada na análise e na investigação da realidade, por isso que, enquanto a criminologia serve de um método indutivo, empírico, o direito penal se utiliza num método lógico, abstrato e dedutivo.
 
Já a política criminal, como parte natural da política e que consiste na sistematização de estratégias, táticas e meios de controle social da criminalidade penais e não-penais.
 
Apesar disso, criminologia, político criminal e direito penal caminham no sentido de formar modelo integrado, imposto pela necessidade de um método interdisciplinar e pela unidade do saber científico.
 
A criminologia deve incumbir se de fornecer o substrato empírico do sistema, seu fundamento científico; a política criminal de transformar a experiência criminológica em opções e estratégias concretas de controle de criminalidade e, por derradeiro, o direito penal deve encarregar-se de converter em proposições jurídicas gerais e obrigatórias, o saber criminológico esgrimido pela política criminal segundo o perfil e limites próprios de um Estado Democrático de Direito sobretudo porque um direito penal que se pretende democrático deve ser criminologicamente fundado e politicamente orientado.
 
Dentre todos os instrumentos de política criminal[14], o direito penal é, seguramente, o mais inadequado pela violência  estrutural que lhe é inerente, de sorte que, lhe é inerente, de sorte que não se deve confundir controle de criminalidade com o controle penal, em face de múltiplas possibilidades da política social que são utilizáveis pelo Estado para a prevenção e controle de desviação.
 
Direito Penal e Controle Social[15]
 
A vida em sociedade está sujeita a multiplicidade de regras de convivência que surgem naturalmente das diversas interações sociais que nesta se processam.
 
Já por ocasião do nascimento, ou antes mesmo disso, ou seja, no período da gestação, sofremos indefesos e de modo arbitrário os efeitos da socialização que decorre do convívio familiar e, mais tarde, e simultaneamente a essa primária socialização, seremos submetidos à socialização escolar (o que a educação domiciliar recém regulamentada no Brasil pretende extinguir), depois nova socialização, a do trabalho, do esporte, da religião, da moral[16], da imprensa e, enfim, das normas de convívio social.
 
Cabe salientar que a submissão às regras de comportamento é tão natural quanto o ato mesmo de existir. A socialização ou repressividade é, portanto, um fenômeno onipresente na ordem social, pois a todos persegue, a todo tempo, e, em toda parte, inexoravelmente.
 
A ordem jurídica e o Estado sob tal perspectiva não são, portanto, mais do que o reflexo ou a superestrutura de determinada ordem social, incapaz por si mesma de regular a convivência de modo organizado e pacífico. (In: Muñoz, Conde. Derecho penal y control social. Fundación Univeristaria de Jerez, 1985, p.24).
 
Portanto, o direito enquanto norma de conduta procura padronizar coercitivamente certos comportamentos humanos e, não pode ser compreendido como senão uma referência ao sistema social em que se insere.
 
Porque as normas jurídico-penais são consideradas em face do sistema social e do próprio direito, não são senão um dos instrumentos dirigidos à socialização dos homens.
 
O direito penal é, portanto, em fave do sistema social global, um subsistema de controle social, puramente confirmador de outras instâncias como a família, a escola, o trabalho e, etc., bem mais sutis e eficazes.
 
Conclui-se que a norma penal é a cominação da socialização. Não é todo o controle social, nem sequer é sua parte mais relevante, é, mais propriamente conforme bem aludiu Muñoz Conde a parte mais visível do iceberg (pois há outras instâncias formais e informais de controle social), é talvez o que realmente importa porque a norma penal não cria valores, nem institui um sistema autônomo de motivação do comportamento humano.
 
Consequentemente, o subsistema penal como um todo ocupa e há de ocupar dentro do sistema social, um papel menor e secundário que já que sua função é subsidiar a vigência em última razão de outras instâncias de controle.
 
Logo, o direito penal é, parte da artilharia pesada do Estado que só tem sentido, se considerarmos como continuação de um conjunto de instituições públicas ou privadas, cuja tarefa consiste igualmente, em socializar e educar a convivência das pessoas por meio de aprendizagem e da internalização de certas pautas de comportamento[17].
 
Motivo pelo qual somente deve ser acionado o Direito Penal e utilizado como se revelarem insuficientes as demais instâncias de controle social, utilizado, enfim, só como ultima ratio.
 
Por exemplo, pensemos na conduta de quem emite, dolosamente, cheque sem fundos, que é fato tipificado no artigo 171 do Código Penal, há uma evidente noção da complexidade do controle social, atuando concorrentemente com a intervenção jurídico-penal, a saber: a censura social, a perda do crédito, pagamento de juros, encerramento da conta bancária, a inscrição do nome do emitente no SPC e SERASA (sanções administrativas), protesto e/ou execução forçada do título de crédito (sanção civil); e, por fim, o direito penal, que começa pelo indiciamento policial.
 
Se tomarmos a sério todo esse controle prévio e/ou concomitante ao direito penal, resultará em bastante questionável sua adequação e necessidade.
 
Direito e Moral
 
Não raro são confundidas as relações entre direito penal e moral, havendo até quem afirme, tal como Maggiore que o direito não é senão um momento da vida moral[18] ou ética (In: Direito Penal. Tradução J. Ortega Torres. Bogotá: Editora Temis, 1971, p;24-25).
 
No entanto, sob a égide do Estado Democrático de Direito não se pode confundir a moral e direito pois a primeira visa o aperfeiçoamento do homem e o segundo quer exclusivamente possibilitar a convivência social, independente de se lograr em fazer prevalecer suas prescrições e adesões morais por parte de seus destinatários.
 
Conforme salienta Gonzalo Rodrigues Mourullo, o direito se ocupa dos comportamentos humanos na medida em que transcendem à ordem social exterior e não, pelo que estes representam bem menos ambiciosa, ou seja, pretende unicamente evitar as consequências perturbadoras da paz que tais  condutas produzem na ordem social exterior. (In: Derecho Penal. Madrid; Editora Civitas, 1978, p.20).
 
E nem poderia ser diferente pois o respeito à moral supõe espontaneidade enquanto que o direito não pode existir senão por meio de coercibilidade, ou seja, por meio da possibilidade do apelo à força para impor suas determinações.



Conclui-se, portanto, que não pode haver coincidência absoluta entre os preceitos morais e jurídicos, pois do contrário, o Estado estaria violando o pluralismo ideológico que a adoção da democracia implica, converter-se-ia em Estado policial[19] (ou simplesmente sociedade militarizada).
 
Ou, o que é mais gravoso num Estado de terror, tal como se deu na época da vigência do Livro V das Ordenações Filipinas[20] que vigeram no Brasil até 1916 quando foram revogadas pelo Código Civil de 1916 (tiveram sobrevida de cinco décadas, mesmo após terem sido revogadas em Portugal, vigeram de 1822 até 1916).
 
Por essa razão, por mais imorais que sejam certos comportamentos humanos tais como o incesto, não se justifica a intervenção penal, salvo se forem especialmente lesivos ao bem jurídico alheio.
 
Conforme aludiu Fernadez Carrasquilha, o direito penal não é instrumento de moralização ou aperfeiçoamento espiritual do homem, senão um instrumento para preservação da paz social;
 
Do contrário o direito se prestaria à persecução da moral, o que significaria contrariar a liberdade de consciência e, portanto, o pluralismo ideológico e ainda a tolerância moral e ideológica que aquela implica. (In: Concepto y limites del derecho penal. Bogotá: Editora Temis, 1992, p. 23-4).
 
No âmbito da vida pessoal intocável pelo poder do Estado e a resguardo do controle público e da vigilância policial e o direito de se cometer erros de pensamento e de opinião.
 
Apesar da distinção não devem as normas jurídicas contradizer as disposições morais, não, porém para moralizar seus destinatários mas que possam ser respeitadas como referencial normativo, porque, conforme aduziu Savigny, o direito serve à moralidade, não porque execute seus preceitos, mas porque assegura a livre evolução de sua força. (In: Derecho penal. Tradução: Conrado A. Finzi. Buenos Aires: Depalma, 1981, p.12).
 
Por isso, concluiu Zygmunt Bauman[21] que uma comunidade que, para sua convivência, tenha adotado normas com cominações penais contrárias à lei moral não seria uma comunidade jurídica, mas uma quadrilha de ladrões.
 
O que seria um absurdo manifesto. Conclui-se com a lição de Ferrajoli afirmando-se que a imoralidade é uma condição necessária, mas jamais por si suficiente para justificar, politicamente, a intervenção coercitiva do Estado[22] na vida dos cidadãos.
 
O caráter subsidiário do direito penal (ou sancionador)
 
A discussão sobre o direito penal que possui caráter constitutivo ou primário ou subsidiário ou sancionador e pode ser considerado em dois sentidos, a saber: o social ou o político e o lógico e sistemático.
 
 
Quanto ao primeiro sentido, é pacífica a doutrina a informar que de fato, o direito penal somente deve ser chamado a intervir quando fracassarem outras instâncias de controle social (jurídicas, inclusive) tais como a família, a escola, o trabalho, o direito civil, direito administrativo e direito constitucional.
 
Quanto ao segundo sentido, lavram-se grandes divergências, pois uns consideram que o direito penal tem natureza subsidiária, outros em sentido contrário, reconhecem-lhe a natureza constitutiva.
 
Realmente tem o direito penal o caráter sancionador e não propriamente constitutivo, posto que a antijuridicidade do injusto é apenas uma só. A infração fere a todo o ordenamento jurídico e, não apenas à ordem penal.
 
Aliás, Binding, um dos mais famosos doutrinadores de direito penal, em quem Mayer[23] se baseou, mas também do qual se distância ao criar a noção do tipo como ratio cognoscendi do ilícito, e que entendia que o agente que atua de forma típica não contraria a lei penal, mas sim, atuar propriamente contra a norma que a fundamenta.
 
Para melhor entender, didaticamente exponho, que toda a perspectiva para a relação entre o juízo de tipicidade e o de ilicitude, é preciso observar a forma pela qual o legislador cria a lei penal, para então penetrar na distinção que Binding fazia entre as normas jurídicas e a lei penal.
 
O direito penal age e se deve agir como instrumento de criação do conteúdo da proibição e do dever jurídico ou limita-se e se deve limitar-se a atuar como instrumento de sanção máxima para lesões a normas pré-constituídas pelo ordenamento jurídica em suas demais acepções.
 
Para Binding, citado por Alaor Leite, "os cidadãos não são destinatários da lei penal e, por isso mesmo, não a podem violar". Isso porque as leis penais, na visão de Binding, apenas dão origem ao um direito subjetivo para o Estado agir de modo coercitivo, sancionando de forma especialmente drástica o descumprimento de um dever jurídico. (In: LEITE, Alaor. Dúvida e erro sobre a proibição no direito penal. São Paulo: Atlas, 2013).
 
Afinal, as leis penais não possuem o condão de constituir a matéria de proibição no sentido de fundar as "diretrizes de comportamento" dos cidadãos.
 
Dentro de tal constatação que fez Binding[24] sobre a lei penal, o delinquente, ao agir do modo descrito pela lei penal, a cumpre. De fato, aquele que mata alguém, não contraria a norma exposta no artigo 121, caput do Código Penal Brasileiro.
 
Pelo revés, age exatamente conforme descrito no tipo penal, submetendo-se exatamente ao preceito secundário da norma penal, ou seja, a sanção prevista para o delito cometido, desde que executado de modo ilícito e culpável.
 
Por exemplo, Jescheck afirmou que historicamente que o direito penal constitui a forma mais antiga de manifestação do direito e que regula, de forma autônoma e sem precisar de conceitos e funções de outros ramos do direito, as áreas extensas, como o direito à vida, à liberdade e à honra.
 
Na doutrina pátria, Cezar Bitencourt[25] assinalou que é necessário reconhecer a natureza primária e constitutiva do direito penal e, não simplesmente acessória, uma vez que protege bens e interesses não protegidos por outros ramos do direito e mesmo quando tutela bens já coberto pela proteção de outras áreas do conhecimento jurídico, assim o faz de modo particular, dando-lhe nova feição com distinta valoração.
 
No fundo, o significado do que seja caráter constitutivo ou sancionador do direito penal já é em si, problemático e ressaltando numa resposta consequentemente obscura.
 
Em ambos sentidos, tanto o lógico-sistemático ou político-social, discute-se no fundo uma só e a mesma coisa, qual seja a conveniência política de se apelar, ou não ao direito penal  para regulação de certos conflitos, é afirmar, saber se são ou não suficientes as outras formas de intervenção, até a jurídica.
 
Conforme sugere Jescheck não se discute a questão cronológica e, sim lógica; saber se o ilícito penal pressupõe, ou não um ilícito anterior. Em qualquer sentido, porém, o direito penal é sempre subsidiário não primário.
 
Com certeza, a natureza subsidiária do direito penal e não principal diante de outras formas de controle social decorre em primeiro lugar, pelo fato de o direito penal constituir a forma mais violenta de intervenção do Estado na vida dos cidadãos. E, se impõe somente quando não fossem realmente suficientes os outros modos de intervenção social ou jurídica que se possa recorrer, legitimamente, ao direito penal para proteção de bens jurídicos fundamentais (princípio da proporcionalidade).
 
Por isso, não mais se justifica atualmente a punição do adultério ou da bigamia, por exemplo, visto ser suficiente a disciplina do direito civil para resguardo da fidelidade conjugal e preservação da instituição do casamento: separação, divórcio e anulação.
 
É discutível, ainda, para repressão do descaminho (artigo 334 CP), a necessidade da pena, em razão da sanção de perda dos produtos descaminhados em favor da União, imposta na esfera administrativa.
 
E o mesmo pode-se afirmar da criminalização do assédio sexual conforme prevê a Lei 10.224, de 15/05/2001 que acrescentou o artigo 216-A ao Código Penal Brasileiro.
 
 
Com o advento da Lei 13.654/2018 que alterou alguns pontos do Código Penal brasileiro, especialmente, os artigos 155 e 157.
Ao que cerne o artigo 155, que dá vida a conduta antijurídica do Furto, a lei prevê as seguintes alterações:
“Art. 155. …………………………………………………………..
………………………………………………………………………….
§ 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
…………………………………………………………………………
§ 7º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.”
 
Em relação à antiga redação do Código Penal anterior à vigência da lei 13.654/2018, no Código não constava menção acerca dos artefatos explosivos, o que foi inserido pela nova lei.
 
Um outro elemento destacável com o advento da recente lei 13.654/2018 é atinente ao crime de roubo (art. 157 do Código Penal). Para a referida conduta, a lei prevê:
 
Art. 157. …………………………………………………………..
………………………………………………………………………….
§ 2º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade:
I — (revogado);
…………………………………………………………………………
VI — Se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.
§ 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):
I — Se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo;
II — Se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
§ 3º Se da violência resulta:
I — Lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa;
II — Morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa.” (NR)
Ao que se refere o crime de roubo (artigo 157), o primeiro elemento a ser destacado refere-se à possibilidade de não ser mais considerada como causa de aumento o emprego de “arma branca” como forma de violência ou grave ameaça para a subtração da coisa.
 
A Lei 13.718/2018[26] alterou dispositivos do Código Penal brasileiro referentes aos delitos contra a dignidade sexual.  De acordo com o novel art. 215-A, configura o delito de importunação sexual a conduta de "praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro", para a qual o legislador previu pena de reclusão, de um a cinco anos, desde que o fato não constitua crime mais grave.

A legislação também criou o tipo penal de divulgação de cena de estupro ou de estupro de vulnerável, de cena de sexo, ou de pornografia no artigo 218-CP.
 
O legislador pátrio ignorou o princípio da taxatividade e agiu irracionalmente (sob o ponto de vista da técnica jurídica) ao não delimitar o alcance dos delitos contra a dignidade sexual em tela – estupro e importunação sexual –, haja vista ele não ter reservado ao delito mais grave (estupro) as categorias de atos libidinosos inspiradoras de maior juízo de reprovação.
 
Em razão disso, permitiu que a reprovabilidade penal imputada à conjunção carnal prossiga sendo equiparada, muitas vezes, a qualquer outro ato libidinoso que possa vir a ostentar reprovabilidade social sensivelmente inferior.
 
E, consequentemente, ignorou o princípio da proporcionalidade ao também permitir a aplicação das mesmas penas a casos que ensejam reprovações diametralmente opostas.
 
O tráfico de pessoas representa um dos mais repugnantes crimes e assume dimensões transnacionais e, segundo o artigo 3º, alínea a, do Protocolo de Palermo, constitui:
    tráfico de Pessoas[27]: “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração”.
 
A exploração deverá incluir, pelo menos, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extração de órgãos”.
 
A Lei 13.344/2016[28], por seus artigos 13 e 16, alterou o Código Penal Brasileiro, inserindo o artigo 149 – A com o “nomen juris” de “Tráfico de Pessoas” e revogando expressamente os artigos 231 e 231 –A, CP que anteriormente tratavam da matéria.
 
O artigo 149 – A, CP é um crime de ação múltipla, conteúdo variado ou tipo misto alternativo, pois contempla vários núcleos verbais, sendo eles: agenciar, aliciar, recrutar, transferir, comprar, alojar ou acolher.
 
O artigo 122 do Código Penal brasileiro que foi alterado pela Lei 13.968/2019 que entrou em vigor na data de sua publicação, 26 de dezembro de 2019, alterando o artigo 122 do Código Penal.
 
Totalmente reformulado, o artigo 122 do Código Penal agora conta, além de seu "caput", com 7 (sete) parágrafos, detalhando casos de "induzimento ou instigação a alguém a suicidar-se ou praticar automutilação", ou ainda "prestar-lhe auxílio material para que o faça".
 
A inovação vem na inclusão da prática de automutilação, tema estudado no Poder Legislativo desde 2017 a partir da CPI dos Maus Tratos.
 
Consoante o parágrafo 6º do artigo 122 CP, resultando lesão corporal de natureza grave ou gravíssima e em se tratando de sujeito passivo menor de 14 (catorze) anos, o agente responde pelo crime tipificado no parágrafo 2º do artigo 129 CP (pena de 2 a 8 anos de reclusão).
 
A pena a que é submetido o autor é muito mais exasperada que a prevista no parágrafo 1º do artigo 122, de 1 (um) a 3 (três) anos de reclusão.
 
No mesmo parágrafo 2º do artigo 129 CP responde o agente que induza, instigue ou preste auxílio material para prática de automutilação ao sujeito passivo que, por enfermidade ou doença mental, não tenha discernimento para a prática do ato.
 
Pessoa vítima que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência à ação do autor do crime, também será protegida pelo disposto no parágrafo 2º do artigo 129 CP, cuja pena é de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
 
Foi aprovada recentemente a Lei 13.964/2019, proveniente de um projeto do Governo denominado de Pacote Anticrime[29]. Alterou-se a previsão da legítima defesa que é a causa excludente de ilicitude que acoberta a conduta de repelir, de si mesmo ou de outrem, uma injusta agressão, atual ou iminente. Neste caso, há uma injusta agressão, a qual torna lícita a conduta que visa a neutralizar tal agressão.
 
Segundo Giuseppe Maria Bettiol[30], político e jurista italiano, é uma exigência natural a previsão da legítima defesa como excludente de ilicitude. Como o Estado não pode sempre garantir a segurança dos seus cidadãos, necessita permitir que se defendam de agressão injusta se não houver outro meio de se salvar.
 
O Código Penal disciplina da legítima defesa no artigo 25: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
 
A Lei 13.694/2019 inseriu o parágrafo único ao artigo 25 do Código Penal, de seguinte teor: Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.
 
Quanto à execução da pena de multa, o Código Penal trata da execução da pena de multa no seu artigo 50: A multa deve ser paga dentro de 10 (dez) dias depois de transitada em julgado a sentença. A requerimento do condenado e conforme as circunstâncias, o juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais.
 
§ 1º – A cobrança da multa pode efetuar-se mediante desconto no vencimento ou salário do condenado quando:
a) aplicada isoladamente;
b) aplicada cumulativamente com pena restritiva de direitos;
c) concedida a suspensão condicional da pena.
 
§ 2º – O desconto não deve incidir sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família.
 
A Lei de Execução Penal, por sua vez, cuida do tema em seu artigo 164: Extraída certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado, que valerá como título executivo judicial, o Ministério Público requererá, em autos apartados, a citação do condenado para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora.
 
§ 1º Decorrido o prazo sem o pagamento da multa, ou o depósito da respectiva importância, proceder-se-á à penhora de tantos bens quantos bastem para garantir a execução.
 
§ 2º A nomeação de bens à penhora e a posterior execução seguirão o que dispuser a lei processual civil.
 
Dada a diferença entre os dispositivos, tem prevalecido que o prazo para pagamento é aquele do artigo 164 da LEP, que prevê o seu início apenas após a “citação” do condenado para pagar o valor da pena de multa ou nomear bens à penhora.
 
É importante observar que o tema passou por uma grande mudança com a Lei 9.268/96 que, dando nova redação ao artigo 51 do Código Penal, passou a determinar o tratamento da pena de multa, imposta por sentença transitada em julgado, como dívida de valor da Fazenda Pública.
 
A atual redação foi dada pela Lei 13.694, de 24 de dezembro de 2019, que passou a prever a competência do Juízo da Execução Penal: art. 51: Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.
 
O STF decidiu, no dia 13 de agosto de 2018, modificando seu próprio entendimento, que a legitimidade para cobrança da pena de multa é do Ministério Público, sem prejuízo de, subsidiariamente, a Fazenda Pública promover sua execução:
 
“O Tribunal, por maioria, resolveu a questão de ordem no sentido de assentar a legitimidade do Ministério Público para propor a cobrança de multa, com a possibilidade subsidiária de cobrança pela Fazenda Pública, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Edson Fachin. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 13.12.2018”.
 
Entretanto, mesmo após a modificação do entendimento do STF, o STJ tem decidido de forma oposta:
    “(…) Conforme o entendimento da Terceira Seção desta Corte, a pena pecuniária é considerada dívida de valor e, assim, possui caráter extrapenal, de modo que sua execução é de competência exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública. (…)” (STJ, AgRg no HC 441809/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 04/06/2019)
 
Para tornar o assunto mais complexo,  a Lei 13.694/2019 modificou o artigo 51 do Código Penal, passando a prever que a execução deve se processar no Juízo da Execução Penal, o que parece reforçar a legitimidade do Ministério Público e afastar a da Procuradoria da Fazenda, ao menos após o início da sua vigência, prevista para 30 dias após a publicação:
 
Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.
 
Limite de cumprimento de pena
As penas de reclusão e detenção possuem seus limites estabelecidos no artigo 75, que possuía a seguinte redação:  O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos.
 
§ 1º – Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.
§ 2º – Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.
 
Assim, o limite fixado pela lei foi de 30 (trinta) anos para as penas de reclusão e de detenção. É uma exigência constitucional, dada a vedação de penas de caráter perpétuo, nos termos do artigo 5º, inciso XLVII, alínea b, da Constituição Federal Brasileira vigente.
 
A Lei 13.694, de 24 de dezembro de 2019, modificou a redação do caput e do parágrafo primeiro do artigo 75 do Código Penal, para modificar o limite de 30 (trinta) para 40 (quarenta) anos: O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos.
 
§ 1º Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.
 
A alteração era esperada por vários penalistas, dada a alteração na própria expectativa de vida desde a fixação do limite de 30 (trinta) anos, não havendo que se falar em violação da vedação a penas perpétuas. Cuida-se de adaptação da norma, dada a modificação da realidade social, dentro dos limites permitidos pela Constituição.
 
Portanto, com a modificação legislativa, o limite fixado pela lei passou a ser de 40 (quarenta) anos para as penas de reclusão e de detenção, sendo que, se houver a fixação de penas em montante superior ao máximo, elas devem ser unificadas pelo juiz da execução, adequando-as ao teto.
 
Cumpre mencionar que o limite modificado só pode ser aplicado para os crimes cometidos após o início de vigência da Lei 13.694/2019, por se tratar de lei penal posterior que prejudica o réu. (grifo meu)
 
Há ainda feminicídio conforme previsto no artigo 121, §2º, VI CP. O feminicídio é o homicídio praticado contra a mulher em decorrência do fato de ela ser mulher (misoginia e menosprezo pela condição feminina ou discriminação de gênero, fatores que também podem envolver violência sexual) ou em decorrência de violência doméstica. A lei 13.104/2015, mais conhecida como Lei do Feminicídio, alterou o Código Penal brasileiro, incluindo como qualificador do crime de homicídio o feminicídio.
 
A Lei do Feminicídio não enquadra, indiscriminadamente, a qualquer assassinato de mulheres como um ato de feminicídio. O desconhecimento do conteúdo da lei levou diversos setores, principalmente os mais conservadores, a questionarem a necessidade de sua implementação. Devemos ter em mente que a lei somente aplica-se nos casos descritos a seguir:
 
Violência doméstica ou familiar: quando o crime resulta da violência doméstica ou é praticado junto a ela, ou seja, quando o homicida é um familiar da vítima ou já manteve algum tipo de laço afetivo com ela. Esse tipo de feminicídio é o mais comum no Brasil, ao contrário de outros países da América Latina, em que a violência contra a mulher é praticada, comumente, por desconhecidos, geralmente com a presença de violência sexual. Menosprezo ou discriminação contra a condição da mulher: quando o crime resulta da discriminação de gênero, manifestada pela misoginia e pela objetificação da mulher.
 
Em razão dos altíssimos índices de crimes cometidos contra as mulheres que fazem o Brasil assumir o quinto lugar no ranking mundial da violência contra a mulher, há a necessidade urgente de leis que tratem com rigidez tal tipo de crime. Os dados do Mapa da Violência[31] revelam que, somente em 2017, ocorreram mais de 60 (sessenta) mil estupros no Brasil.
 
Além disso, a nossa cultura ainda se conforma com a discriminação da mulher por meio da prática, expressa ou velada, da misoginia e do patriarcalismo. Isso causa a objetificação da mulher, o que resulta, em casos mais graves, no feminicídio.
 
No Brasil, este tema ganhou maior relevância com a entrada em vigor da Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, também conhecida como “Lei Maria da Penha”, uma merecida homenagem a mulher que se tornou símbolo de resistência a sucessivas agressões de seu ex- esposo.
 
A violência baseada no gênero é aquela decorrente das relações entre mulheres e homens, e geralmente é praticada pelo homem contra a mulher, mas pode ser também da mulher contra mulher ou do homem contra homem.
 
Sua característica fundamental está nas relações de gênero onde o masculino e o feminino, são culturalmente construídos e determinam genericamente a violência.
 
A violência doméstica não é marcada apenas pela violência física, mas também pela violência psicológica, sexual, patrimonial, moral dentre outras, que em nosso país atinge grande número de mulheres, as quais vivem estes tipos de agressões no âmbito familiar, ou seja, a casa, espaço da família,  onde deveria ser “o porto seguro” considerado como lugar de proteção, passa a ser um local de risco para mulheres e crianças.
 
O alto índice de conflitos domésticos já detonou desmistificou a expressão de “lar doce lar”. As expressões mais terríveis da violência contra mulher estão localizadas em suas próprias casas onde já foi um espaço seguro com proteção e abrigo.
 
Segundo a OMS – Organização Mundial de Saúde -, a violência pode ser classificada em três modalidades, a saber:
Violência interpessoal – este tipo de violência pode ser físico ou psicológico, ocorrer tanto no espaço público como no privado. São vítimas crianças, jovens, adultos e idosos.
Neste tipo de violência destaca-se a violência entre os jovens e a violência doméstica; violência contra si mesmo – é aquela em  que a própria pessoa se violenta, causando a si mesmo lesões; violência coletiva – em suas diversas formas, recebe uma grande atenção pública, pois, há  conflitos violentos entre nações e grupos, terrorismo de Estado ou de grupos, estupro como arma de guerra, guerras de gangues, em que ocorre em toda a parte do mundo;
 
violência urbana[32] que é aquela cometida nas cidades, seja em razão da prática de crimes eventuais, seja pelo crime organizado. É um problema que aflige vários países mundo afora.
 
Alguns cientistas sociais acreditam que a violência é própria da essência humana (do estado de natureza). Enquanto fenômeno estritamente humano, a violência não pode ser percebida fora de um determinado quadro histórico-cultural.
 
Assim como as normas de conduta variam do ponto de vista cultural e histórico a depender do grupo que está sendo analisado, atos considerados violentos por determinadas culturas não são assim percebidos por outras, como  por exemplo, as ablações do clitóris[33] das crianças ocorrem diariamente em alguns países de religião islâmica, e, são consideradas práticas normais pela maioria  da população mulçumana, além de não serem criminalizadas, diferentemente da população ocidental, em que tem – se atos de violência e graves violações aos direitos humanos.
 
Durante muito tempo, os castigos físicos infligidos a crianças e negros foram considerados normais. Assim, também ocorria a violência contra a mulher, que era considerada, até recentemente, como corriqueira e natural nas relações familiares em virtude do poder que o homem detinha sobre a mulher em face do pátrio poder e do casamento.
 
O caráter subsidiário do direito penal em face de outras formas de controle social decorre, portanto, do imperativo político-criminal proibitivo dos excesso; não se justifica o emprego de um instrumento especialmente lesivo da liberdade, quando se entende que os meios menos gravosos e mais adequados de intervenção, sob pena de violação ao princípio da proporcionalidade[34].
 
Segundo PICAZO apud Paulo Bonavides, a ideia de princípio deriva da linguagem da geometria, “onde designava as verdades primeiras”.
 
Segundo ALEXY, os princípios são normas, e as normas compreendem as regras e os princípios. Assim sendo, a diferença entre princípios e regras é, portanto, uma diferença entre duas espécies de normas. Os princípios são ordens de otimização, caracterizados pela forma como podem ser cumpridos em diferentes graus, e a medida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, como também das jurídicas.
 
O princípio da proporcionalidade é a regra fundamental a que devem obedecer tanto aos que exercem, quanto os que padecem o poder. O referido princípio tem como seu principal campo de atuação o âmbito dos direitos fundamentais, enquanto critério valorativo constitucional determinante das restrições que podem ser impostas na esfera individual dos cidadãos pelo Estado, e para consecução dos seus fins.
 
Segundo ALEXY, necessidade, adequação e proporcionalidade são “parcelas” do princípio da proporcionalidade,  onde necessidade implica dizer se um princípio tem mais ou menos peso em certa situação conforme as  circunstâncias da situação tornem o valor que ele tutela ou promove mais ou menos necessário; adequação  significa dizer que um princípio deve ser aplicado a uma situação quando é adequado para ela;  e proporcionalidade em sentido estrito, onde “os ganhos devem superar as perdas”.
 
 
O princípio da proporcionalidade desempenha importante função dentro do sistema penal, uma vez que orienta a construção dos tipos incriminadores por meio de uma criteriosa seleção daquelas condutas que possuem dignidade penal, bem como fundamenta a diferenciação nos tratamentos penais dispensados às diversas modalidades delitivas.
 
Além disso, estabelece limites à atividade do legislador penal e, também, do intérprete, posto que estabelece até que ponto é legítima a intervenção do Estado na liberdade individual dos cidadãos. (In:  Rabelo, Graziele Martha. O princípio da proporcionalidade no direito penal. Disponível em:https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/o-principio-da-proporcionalidade-no-direito-penal/ Acesso em 21.03.2020).
 
A natureza secundária das normas penais, conforme afirmou Maurach, uma exigência político-jurídica dirigida ao legislador. Frise-se que o direito penal é, enfim, a ultima ratio da política social.
 
Afinal, a par dessa subsidiariedade social, há, ainda, conforme dito, uma subsidiariedade lógico-sistemática (do direito penal com os demais ramos do direito) que decorre da unidade lógica do direito, já que apesar de sua compartimentalização em disciplinar, o direito é um só, uno e indivisível, não podendo haver contradições dentro do sistema.
 
Portanto, o ilícito, seja latente ou manifesto preexiste à sistematização do direito penal, pois tal já é objeto do direito civil, processual, tributário e, etc.
 
Mas, sobretudo objeto do direito constitucional porque toda liberdade nasce (e morre) originariamente, na Constituição Federal brasileira e só derivadamente na ordem infraconstitucional.
 
Aliás, menciona claramente a Constituição Federal declara em seu artigo 5º, que a propriedade é inviolável, necessariamente está criando, a um só tempo, o lícito e o ilícito[35].
 
Ao proclamar o princípio da inviolabilidade da propriedade, a Constituição vigente está declarando de forma originária e genérica, a ilicitude dos atos que atentem contra esse bem jurídico.
 
Ou seja, o bem jurídico seja qual for, tem necessariamente assento constitucional. Caberá ao legislador ordinário detalhando os limites dessa ilicitude, eleger, criteriosamente, os instrumentos de defesa (civil, administrativo e, etc.) desse interesse constitucional.
 
Assim cuida o direito civil quando disciplinando a propriedade e a posse outorga ao proprietário ou ao possuidor o direito de recorrer à ação reivindicatória aos interditos possessórios, ao desforço in continenti ante a turbação ou esbulho, de modo a atender e a dar efetividade àquele mandamento constitucional inviolabilidade da propriedade.
 
Ao proclamar a inviolabilidade da propriedade, a Constituição está logicamente declarando a forma originária e genérica, a ilicitude dos atos que atentou contra esse bem jurídico. Ou seja, o bem jurídico seja qual for, tem necessariamente assento constitucional.
 
Cabe ao legislador ordinário detalhando os limites dessa ilicitude eleger criteriosamente os instrumentos de defesa (civil, administrativa, penal) desse interesse constitucional.
 
Quando o legislador penal define como crime de furto, roubo, estelionato ou dano que, no fundo, outra coisa não constituem senão que modos qualificados de esbulho.
 
Há, pois, uma subsidiariedade lógica entre o direito penal e, certamente também, de todo o direito e a Constituição. Conforme aludiu Luiz Carlos Perez, o direito penal é o braço armado da Constituição nacional.

Tal subsidiariedade com relação à Constituição se estende às demais formas de intervenção jurídica, pois quando o direito penal criminaliza comportamentos, o faz ou deve fazê-lo, somente após demonstrado o fracasso dessas formas menos danosas de intervenção do Estado.
 
O direito penal não constitui (ou seja, não tem caráter constitutivo), portanto, o ilícito, limitando-se a reforçar a proteção de interesses, ao selecionar e sancionar mais gravemente, dentre uma multiplicidade de ações antijurídicas por transcendência, fatos que já são explícitas ou implicitamente sancionados pelo direito como um todo. O direito penal é um direito residual.
 
Conforme lecionou Hungria[36] a ilicitude jurídica é uma só, do mesmo modo que um só, na essência, é dever jurídico. Isto é, todos os pressupostos primários penais pressupõem um outro preceito não penal do qual são o complemento e reforço.
 
O que não significa isso, porém, que lhe negue autonomia em face de outros ramos do direito, utilizando-se de conceitos e institutos próprios, que nem sempre coincidem com os utilizados pelos demais direitos.
 
Caráter fragmentário do direito penal
 
Consequentemente, o direito penal não constitui um sistema exaustivo de ilicitudes (Binding), ou de proteção plena de bens jurídicos (vida, integridade física, honra, propriedade e, etc), mas de forma descontínua, fragmentária já que sua intervenção pressupõe o insucesso de outras intervenções jurídicas ou não.
 
É porque o direito pena seleciona criteriosamente a tipificação das condutas atendendo à relevância do bem jurídico e segundo a intensidade da lesão quer se trate em face de sua gravidade outorgando-lhe, assim, proteção não absoluta, mas relativa.
 
Não se protegem, portanto, todos os bens jurídicos, e, sim, apenas os mais importantes e, nem seque se protege em face de qualquer tipo de atentados, mas, tão-só em face dos ataques mais intoleráveis. (In: Rodrigues, Mourullo. Derecho penal, p.17).
 
Frise-se que os bens jurídicos não devem receber uma proteção absoluta e uniforme do Direito, senão seletiva e fragmentária: o Direito penal só  protege os bens mais valiosos para a convivência e o faz, ademais, somente em face dos ataques mais intoleráveis de que possam ser objeto  (a natureza 'fragmentária' da intervenção penal); e mesmo assim quando não existem outros meios eficazes, de natureza não penal, para salvaguardá-los  (natureza 'subsidiária' do Direito penal).
 
Para Binding, o delito consistia na lesão a um direito subjetivo do Estado, havendo, contudo, total correlação entre a norma e o bem jurídico, a primeira sendo a única e definitiva fonte de revelação deste.
 
Nesse sentido, Kaufmann destaca que “toda agressão aos direitos subjetivos se produz mediante uma agressão aos bens jurídicos e é inconcebível sem estes”, de modo que as formulações de Binding alicerçam a moderna concepção de bem jurídico.
 
Para Liszt, por sua vez, o Direito tem a finalidade de tutelar os interesses da vida humana, pois “a proteção de interesses é a essência do direito, a ideia finalística, a força que o produz”. Em síntese, Liszt entende que o bem jurídico não é um bem do Direito ou da ordem jurídica; ao contrário, é um bem do homem que o direito reconhece e protege.
 
Ensina Maria Ferreira da Cunha (In: CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da. Constituição e crime: uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1995.) que a espiritualização e normatização do bem jurídico teve início com a obra de Richard Honig (em 1919), que passa a identificar o bem jurídico como a ratio da norma.
 
Assim, bem jurídico é compreendido como o fim reconhecido pelo legislador nas prescrições penais, “não se confundindo com os substratos da realidade em que os valores poderão assentar, a sua origem é normativa”.
 
No sistema criminal neokantiano, bem jurídico é compreendido como um valor, abstrato, de cunho ético-social, tutelado pela norma penal (PRADO, 1996, p. 29; In:  PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996), ou seja, “valor abstrato e juridicamente protegido da ordem social”.
 
Conclui-se que o bem jurídico-penal se constitui como limite e, simultaneamente, fundamento para a intervenção penal. Portanto, a concepção e definição de bem jurídico assumiu uma dimensão fundante da intervenção penal, já que funciona como fundamento e limite da legitimidade do Direito Penal.
 
Nem mesmo o direito à vida recebe a proteção penal plena e absoluta, pois, por exemplo os atos simplesmente preparatórios (não os executórios) visando à sua eliminação, são, como regra, penalmente indiferentes ou atípicos.
 
Também somente oprime, ordinariamente, as ações dolosas pois o próprio direito penal autoriza, ainda a morte, quando permite, por exemplo, o aborto necessário ou sentimental (artigo 228 CP).
 
Em tempo, cumpre expor ainda duas modalidades presentes no campo da medicina e também ligadas ao tema proposto que são a distanásia e o suicídio assistido.
 
A distanásia, ao contrário da eutanásia e da ortotanásia, é a prática que prolonga a vida do doente ao máximo, mesmo que os métodos de tratamento utilizados já não sejam mais úteis. Tal prática prolonga ainda mais o sofrimento do indivíduo que padece diariamente em detrimento de, nas palavras de Martin (apud Sá, 2000), in litteris: “[…] uma postura ligada especialmente aos paradigmas tecnocientífico e comercial empresarial da medicina”.
 
Quanto ao suicídio assistido, tem os mesmos preceitos da eutanásia, exceto no que condiz a ação do médico. Pois este, ao contrário da eutanásia, em nada contribui para a morte do paciente. O próprio paciente é quem toma as medidas cabíveis para que sua morte ocorra, também utilizando de meios indolores e não cruéis.
 
A conduta foi absorvida pelo art. 121 do Código Penal, equiparando a eutanásia ao crime de homicídio: “Art. 121: Matar alguém. Pena: reclusão, de seis a vinte anos”.
 
Atualmente, não há qualquer excludente de ilicitude que possa eximir o agente ativo desta conduta de sofrer sanção. Há apenas uma atenuante contida no parágrafo primeiro do mesmo artigo que prevê a possibilidade de diminuição da pena “se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima”, ato este chamado pela doutrina penal de “homicídio privilegiado”.
 
A propósito, do tema, aponta o Conselho Federal de Medicina (CFM) brasileiro, expondo seu posicionamento contrário à da prática da eutanásia através do Código de Ética Médica (Resolução n.1.931/2009):
   “Capítulo V: É vedado ao médico: […] Art.41: Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”.  (CFM, 2009).
 
Contudo, o CFM é favorável à prática da ortotanásia sob o enfoque da Resolução nº 1.805/2006, que dispõe:
“Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.
 
§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.
 
§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.   
 
§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.
 
Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.
 
Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário”. (CFM, 2006)
(Vide in: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução n.1.931/2009. Brasília: CFM, 2009. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2009/1931_2009.htm. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1805_2006.ht .
SÁ, Maria de Fátima Freire de. Direito de morrer. Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Direito. Belo Horizonte. 2000).
 
O bem jurídica “vida” recebe uma proteção relativa, fragmentária por parte do sistema penal. E, conclui-se que a subsidiariedade e fragmentariedade são, aspectos de um único fenômeno, ou seja, a relatividade dessa proteção jurídica-penal extrema. E, o mesmo se deve afirmar sobre todos os demais ramos do direito.
 
Ilícito penal e Ilícito não-penal
 
Não se pode cogitar por força da unidade do direito, inclusive, de uma distinção qualitativa (ontológica), mas quantitativa sobre as diferenças existentes entre o ilícito penal e o não-penal.
 
Ao definir, ou não, determinados comportamentos como delituosos ou contravencionais, para submeter a seguir, a uma disciplina especialmente rígida (o direito penal), é uma questão de conveniência política[37].
 
A distinção, por exemplo, das sanções penais e as administrativas é, puramente, quanto ao maior rigor entre estas.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Jacques Derrida[38] escreveu: “…tal situação é, de fato, a única que nos permite pensar a homogeneidade do direito e da violência, a violência como exercício do direito e o direito como exercício da violência. A violência não é exterior à ordem do direito.
 
Desta forma, quando se adota o princípio da estrita legalidade[39] (ou da reserva legal), o princípio da não-perpetuação das penas, o de proporcionalidade entre crime e castigo.
 
Enfim, as normas tipicamente penais previstas ou não em códigos penais, ao tempo que fundam e estruturam o poder punitivo do Estado, fixam os princípios e normas fundamentais que vão informar a intervenção jurídico-penal, criando paralelamente, um sistema de garantias em face do exercício desse mesmo poder estatal.
 
Afinal, tais definições, ao tempo em que ressaltam a relação Estado-infrator, marginalizam por completo, a vítima, desconsiderando o fundamental papel que esta assume, cada vez mais, no direito penal, e especialmente, no processo penal.
 
Ela não consiste, essencialmente, em exercer sua potência ou uma força brutal para obter tal ou tal resultado, mas em ameaçar ou destruir determinada ordem de direito, e precisamente, nesse caso, a ordem de direito estatal que teve de conceder esse direito à violência, por exemplo, o direito de greve.” Força de Lei. Martins Fontes: S. Paulo, 2007, p. 81.
 
Também Kelsen observou “O Direito e a força não devem ser compreendidos como absolutamente antagônicos. O Direito é uma organização da força. Porque o Direito vincula certas condições para o uso da força nas relações entre os homens, autorizando o emprego da força apenas por certos indivíduos e sob certas circunstâncias.
 
O Direito autoriza certa conduta que, sob todas as outras circunstâncias, deve ser considerada ‘proibida’; ser considerada proibida significa ser a própria condição para que tal ato coercitivo atue como sanção. O indivíduo que, autorizado pela ordem jurídica, aplica a medida coercitiva (a sanção) atua como um agente dessa ordem ou – o que equivale a dizer o mesmo – como um órgão da comunidade, constituído por ela.
 
Apenas esse indivíduo, apenas o órgão da comunidade, está autorizado a empregar a força. Por conseguinte, pode-se dizer que o Direito faz o uso da força um monopólio da comunidade. E, precisamente por fazê-lo, o Direito pacifica a comunidade.” Teoria geral do direito e do Estado. Tradução: Luíz Carlos Borges. 4ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 30.
 
FUNÇÃO: PRA QUE SERVE O DIREITO PENAL?
 
A função do direito penal é a proteção subsidiária de bens jurídicos. É missão do Direito Penal a proteção dos bens jurídicos mediante o amparo dos elementares valores ético-sociais da ação. Essa tem sido a concepção em torno da qual o direito penal moderno tem se desenvolvido desde Karl Binding (1841-1920).
 
É de se mencionar, contudo, em razão da voz que vem reverberando pelo mundo, o posicionamento contrário de Günther Jakobs. O direito penal de Jakobs recusa a generalizada função atribuída ao direito penal de proteção de bens jurídicos, para abraçar a função de proteção da norma jurídica.
 
E, assim tem pronunciado em diversos trabalhos: “o direito penal garante a vigência da norma, não a proteção de bens jurídicos”. Como a constituição da sociedade tem lugar por meio de normas, isto é, se as normas determinam a identidade da sociedade, garantir a vigência da norma permite garantir a própria identidade social: o direito penal confirma a identidade social.  Nesse quadro de proteção da norma e afirmação da identidade social, a sanção penal preveniria a erosão da configuração normativa real da sociedade.
 
 Muito embora o princípio de proteção de bens jurídicos tenha sido originariamente elaborado por Paul Johann Anselm Ritter von Feuerbach (1775-1833) — no sentido de proteção de interesses humanos —, conforme afirma Hassemer, atribui-se propriamente a criação e desenvolvimento do conceito de bem jurídico à Johann Michael Franz Birnbaum (1792-1877), de acordo com Roxin.
 
Proteger subsidiariamente equivale a afirmar que os bens jurídicos não são protegidos apenas pelo direito penal. Significa dizer que tal proteção se realiza por meio da manifestação dos demais ramos do Direito que, atuando cooperativamente, pretendem operar como meio de solução social do problema.
 
O direito penal deve intervir para solucionar problemas sociais tão-somente depois que outras intervenções jurídicas não-penais falharem nessa solução.
 
Precisamente, por ser o direito penal a forma mais dura de ingerência do Estado na esfera da liberdade do cidadão, deve ele ser chamado a agir apenas quando outros meios do ordenamento jurídico (civis, administrativos, tributários, sanitários, trabalhistas etc.) mostrarem-se insuficientes à tutela dos bens jurídicos fundamentais.
 
Diante desse quadro, temos que, para a salvaguarda de bens jurídicos, o direito penal deve funcionar subsidiariamente aos demais campos jurídicos (princípio da subsidiariedade), intervindo minimamente na criminalização de condutas (princípio da intervenção mínima), operando como ultima ratio na solução de problemas sociais, considerando a dura intromissão estatal que o caracteriza: a privação da liberdade.
 
Além disso, a proteção não se realiza em função de todos os bens jurídicos, bem como aqueles que são selecionados como objeto de proteção devem ser parcialmente protegidos.
 
Nem todos os bens jurídicos extraíveis da Constituição devem ser elevados à categoria de bem jurídico-penal e, ainda, aqueles que o forem, devem ser protegidos somente diante de determinadas formas concretas de ataque. A proteção do direito penal é assim, pois, fragmentária — princípio da fragmentariedade.
 
A limitação da norma penal incriminadora às ações mais graves perpetradas contra os bens jurídicos mais relevantes vai conformar o caráter fragmentário do direito penal.
 
Mas afinal, o que são bens jurídico-penais?
 
Para Welzel (1904-1977), bem jurídico é um bem vital do grupo ou do indivíduo, que em razão de sua significação social, é amparado juridicamente. Desde uma perspectiva funcionalista,
 
Roxin define que bens jurídicos são circunstâncias dadas ou finalidades que são úteis para o indivíduo e seu livre desenvolvimento no marco de um sistema social global estruturado sobre a base dessa concepção dos fins ou para o funcionamento do próprio sistema.
 
A literatura penal[40] em geral costuma empregar as expressões valor e interesse para conceituar bem jurídico: valores relevantes para a vida humana individual ou coletiva; valores e interesses mais significativos da sociedade; valor ou interesse juridicamente reconhecido em determinado bem como tal em sua manifestação geral.
 
Nesse contexto, os bens jurídico-penais devem derivar sempre da Constituição da República, documento fundamental e lei maior do Estado Democrático de Direito[41]. A vida, a liberdade, o patrimônio, o meio ambiente, a incolumidade pública, para citar alguns, vão formar o rol de valores, interesses e direitos que, elevados à categoria de bens jurídico-penais, constituirão o objeto de proteção do direito penal.
 
Desde seu início, a denominada teoria do bem jurídico admite quer bens jurídicos individuais, tais como a vida e liberdade, quer bens jurídicos universais, tais como administração da justiça, e, modernamente, ordem tributária, administração pública, sistema financeiro, meio ambiente, relações de consumo, saúde pública, dentre outros.
 
Brandão também sustenta a tese de que o Direito Penal ganha legitimidade quando se reveste da função de proteger bens jurídicos, pois a missão do Direito Penal é a tutela de bens jurídicos. Aduz Luiz Flávio Gomes que, conceber o direito penal como um adequado instrumento de tutela dos bens jurídicos de maior relevância para a pessoa e, por outra parte,
 
Entender que sua intervenção somente se justifica quando esse mesmo bem jurídico se converte em objeto de uma ofensa intolerável implica, sem dúvida, repudiar os sistemas penais autoritários ou totalitários, do tipo opressivo ou policialesco, fundada em apriorismos ideológicos ou políticos radicais, como os que já historicamente vitimizaram tantos inocentes .
 
Significa, ademais, privilegiar um sistema penal de cunho personalista, que vem da tradição do iluminismo, centrado especialmente nas liberdades individuais e, ao princípio moral do respeito à pessoa humana, e que seja expressão de um modelo de Estado Democrático e Constitucional de Direito e dos direitos fundamentais, enquanto instrumento ao serviço da pessoa humana e não o inverso. (In: GOMES, L. F.  Princípios da ofensividade no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 14-17);
 Vide  https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/4288/1/arquivo5220_1.pdf
 
Referências:
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DE MELO, Thiago Carvalho Bezerra. Bem Jurídico Penal. A Contextualização do Bem Jurídico no Estado Social e Democrático de Direito. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/4288/1/arquivo5220_1.pdf Acesso em 11.02.2020.
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FERNANDES, Newton; Fernandes, Valter. Criminologia integrada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
FERREIRA, Antônio Carlos. A ESCOLA POSITIVA NO BRASIL: A influência da obra “o homem delinquente”, de Cesare Lombroso, no pensamento penal e criminológico brasileiro entre 1900 e 1940 (Monografia). Criciúma: UNESC, 2010.
MOLINA, Antônio Garcia-Pablos de; Gomes, Luiz Flávio. Criminologia: introdução e seus fundamentos teóricos, introdução às bases criminológicas da lei 9.099/95 – Lei dos Juizados especiais criminais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 4 ed. rev. São Paulo: Ed. RT, 2002.
 
 
 
[1] Em âmbito jurídico-penal, o problema conceitual é simplificado em função das características do Direito Penal, uma vez que este ramo do Direito – mais do que qualquer outro e por força da legalidade – se restringe ao chamado direito positivo, ou seja, às normas legais em sentido estrito, que são a única fonte primária do Direito Penal. Essa característica absolutamente deixa de lado qualquer possível referência ao chamado Direito Natural, delimitando e restringindo o Direito Penal a um espaço específico dentro do ordenamento jurídico: somente a lei é norma jurídica suscetível de ter caráter penal.
[2] O direito penal é, pois, uma espada de duplo fio, porque é lesão de bens jurídicos para proteção de bens jurídicos (Franz von Liszt). Afinal, pretende combater crimes (homicídio etc.) por meio de graves constrangimentos à pessoa humana, os quais podem variar de uma simples multa à pena de morte, que é uma espécie de assassinato legal.
[3] Welzel: o direito penal é “a parte do ordenamento jurídico que determina as características da ação delituosa e lhe impõe penas ou medidas de segurança (Derecho penal alemán, trad. Bustos e Pérez. Santiago: Ed. Jurídica de Chile, 1993, p. 1). Juarez Cirino: o direito penal é o setor do ordenamento jurídico que define crimes, comina penas e prevê medidas de segurança aplicáveis aos autores das condutas incriminadas (Direito Penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006, p. 3). Zaffaroni/Batista: o direito penal é o ramo do saber jurídico que, mediante a interpretação das leis penais, propõe aos juízes um sistema orientador das decisões que contém e reduz o poder punitivo, para impulsionar o progresso do estado constitucional de direito (Direito Penal Brasileiro – I. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 40).
[4] O conceito dado inicialmente parece também confundir direito penal com legislação penal, isto é, confunde lei e direito, embora sejam coisas distintas, como ainda veremos. Num sentido lato, o direito penal é, portanto, um sistema de princípios e regras que estabelece as condições de legitimação e deslegitimação da jurisdição penal, que é o poder de dizer o direito. Diz-se lato porque esta definição também compreende, em última análise, o processo e a execução penal.  E num sentido estrito, é a parte do ordenamento jurídico que define as infrações penais e comina as sanções, bem como institui os fundamentos e as garantias que regulam o poder punitivo estatal. Cabe também conceituá-lo, como faz García-Pablos, sob o enfoque dinâmico e sociológico, como um dos instrumentos do controle social formal por cujo meio o Estado, mediante determinado sistema normativo (as leis penais), castiga com sanções negativas de particular gravidade (penas e outras consequências afins) as condutas desviadas mais nocivas para a convivência, assegurando a necessária disciplina social e a correta socialização dos membros do grupo
[5] A legalidade formal, então, é exatamente o seguir o procedimento formal para a criação de uma lei daquela natureza.  Legalidade material, por sua vez, é o amoldar-se o conteúdo da lei aos direitos e às garantias fundamentais, previstos constitucionalmente.  Num Estado Constitucional de Direito, a legalidade diz respeito a um Estado regido por uma Constituição, a lei suprema, portanto as leis hierarquicamente inferiores devem sempre obediência à suprema. Já que devem observar o procedimento formal, disciplinado na Mater Legis, devem também, e com muito mais razão, conformar-se com as normas constitucionais materiais. O princípio da legalidade exige obediência incondicional à Constituição, seja em âmbito formal (processo legislativo) ou em âmbito material (direitos e garantias fundamentais). Aqui tem lugar a máxima nullum crimen nulla poena sine lege valida.
[6]  Lembremos que as medidas de segurança é instrumento de defesa da sociedade aplicados à indivíduos inimputáveis (aqueles que não podem ser imputados a práticas de crime) que cometem infração penal. Há duas espécies de medidas de segurança, a saber: restritiva e detentiva. Para semi-imputáveis que são avaliados por peritos médicos (a avaliação sobre a pessoa, se esta tem discernimento ou não), cabe a medida de segurança ou a pena decidir, isto é, o próprio perito médico. Anteriormente à reforma do sistema penal poderia haver pena somada à medida de segurança. Mas, atualmente, vige o sistema único, podendo ser aplicado apenas uma dessas sanções. A pena é retributiva e busca a recuperação e adaptação do indivíduo à sociedade. Enquanto que a medida de segurança é preventiva, tenta impedir a ocorrência de novos crimes. Vige controvérsia sobre o tempo de duração das medidas de segurança. De acordo com o Código Penal o prazo de aplicação da medida de segurança é indeterminado. Enquanto existir a periculosidade do indivíduo, este deve sofrer a sanção da medida de segurança, portanto, perdura o tratamento até ser avaliado por peritos. E, seu prazo mínimo de um e três anos, sempre sujeitos à reavaliação de perícia médica.
[7] O termo vítima vem do latim victus e victimia, no sentido de dominado e vencido (ou ainda, oferta e oblata). Em sentido originário, a vítima era pessoa ou animal sacrificado aos deuses ou divindades. Atualmente, a palavra vítima se estende por vários sentidos, mas em sentido geral, é pessoa que sofre os resultados infelizes dos próprios atos, dos de outrem ou do acaso. No sentido jurídico, a vítima é aquela que sofre diferentemente a ofensa ou ameaça ao bem tutelado pelo direito (honra, vida, liberdade, por exemplo). Em sentido jurídico penal amplo abrange o indivíduo e a sociedade que sofrem indiretamente as consequências dos crimes.  A vitimologia abrange inclusive a Sociologia Jurídica e também a Medicina Legal.
[8] Bernd Schünemann é jurista alemão e filósofo jurídico. Discípulo de Claus Roxin, obteve seu doutorado e habilitação em direito penal em 1971 e 1975, respectivamente. Atuou como consultor de Bundestag e de outras organizações. Seu trabalho é especialmente conhecido na América Latina e no Leste da Ásia e, obteve ainda seis doutorados honorários em universidades em todo o mundo.
[9] A palavra "Criminologia" foi empregada pela primeira vez por Paul Topinard em 1883, e aplicada internacionalmente pelo italiano Raffaele Garofalo em 1885, em sua obra Criminologia.  A criminologia é o conjunto de conhecimentos a respeito do crime, da criminalidade e suas causas, da vítima, do controle social do ato criminoso, bem como da personalidade do criminoso e da maneira de ressocializá-lo. Etimologicamente o termo deriva do latim crimino ("crime") e do grego logos ("tratado" ou "estudo"), seria portanto o "estudo do crime".  É uma ciência empírica, por basear-se na experiência da observação, nos fatos e na prática, mais do que em opiniões e argumentos, e também interdisciplinar, por ser formada pelo diálogo de uma série de ciências e disciplinas, tais como a biologia, a psicopatologia, a sociologia, política, a antropologia, o direito, a criminalística, a filosofia e outros. A palavra "Criminologia" foi empregada pela primeira vez por Paul Topinard em 1883, e aplicada internacionalmente pelo italiano Raffaele Garofalo em 1885, em sua obra Criminologia.
[10]A expressão política criminal não conta com um conceito unânime na doutrina penal. Basileu Garcia define-a como a ciência e a arte dos meios preventivos e repressivos que o Estado dispõe para atingir o fim da luta contra o crime. Examina o Direito em vigor e, em resultado da apreciação de sua idoneidade na proteção contra os criminosos, trata de aperfeiçoar a defesa jurídico-penal contra a delinquência, sendo o seu meio de ação, portanto, a legislação penal.
[11] A suspensão condicional do processo é forma de solução alternativa para problemas penais que busca evitar o início do processo em crimes, cuja pena mínima não ultrapasse a um ano. Vide o art. 89 da Lei n.º 9.099/95, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não pela lei mencionada, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena. Inobstante, frise-se que o referido benefício não pode ser aplicado aos casos de violência doméstica ou familiar contra a mulher, nos termos da súmula 536 do STJ, que menciona que “A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha”. Também, tal benefício não se aplica à Justiça Militar, conforme menciona o art. 90-A da lei do Juizado. Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado sob as condições constantes no art. 89 da lei mencionada e demais condições que ele entender necessárias. Caso no curso do prazo o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou contravenção penal, ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano, ou ainda se descumprir qualquer outra condição imposta, a suspensão será revogada.
[12] A transação penal foi implementada ao nosso sistema penal pelo legislador constituinte no artigo 98, I da Carta Magna, que decidiu sobre a criação dos Juizados Especiais Criminais, e consentindo expressamente a transação nos crimes de pequena monta, a qual foi regulamentada posteriormente pelo artigo 7651 da Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995 para conferir ao suposto autor de ato infracional de menor potencial ofensivo à possibilidade do cumprimento de pena não privativa de liberdade o abstendo de responder a processo penal e sofrer os efeitos de uma eventual sentença condenatória.
[13] A transação deve ser proposta antes do oferecimento da denúncia. A aceitação da proposta não pode ser considerada reconhecimento de culpa ou de responsabilidade civil sobre o fato, não pode ser utilizada para fins de reincidência e não consta de fichas de antecedente criminal. O fato só é registrado para impedir que o réu se beneficie novamente do instituto antes do prazo de 5 (cinco) anos definidos na lei. As propostas podem abranger só duas espécies de pena: multa e restritiva de direitos. A primeira é obviamente pecuniária, a segunda pode ser prestação de serviços à comunidade, impedimento de comparecer a certos lugares, proibição de gozo do fim de semana etc., depende da criatividade dos promotores (que atualmente só conhecem o pagamento de cesta básica). Se o acusado estiver dentro dos parâmetros estabelecidos na lei (não ter sido condenado anteriormente por crime que preveja pena restritiva de liberdade, não houver transacionado nos últimos 5 (cinco) anos e outros requisitos relativos às características pessoais; art. 76, §2º, lei 9.099/95) o Ministério Público deve  oferecer a transação, uma vez que se trata de direito subjetivo do acusado.
 
[14] Sob a inspiração de Feuerbach, a Política Criminal compreende o conjunto de procedimentos através dos quais o corpo social organiza respostas ao fenômeno criminal.  Nada mais é que uma resposta institucionalizada ao crime, com intuito de punir de forma adequada o infrator das leis. Caracteriza-se como a teoria e a prática de diferentes formas do controle social.
 
[15] A expressão “controle social” tem origem na sociologia sendo designada para se referir aos mecanismos que estabelecem a ordem social disciplinando a sociedade e submetendo os indivíduos a determinados padrões sociais e princípios morais. Assim procedendo, assegura a conformidade de comportamento dos indivíduos a um conjunto de regras e princípios prescritos e sancionados. Mannheim o define como “conjunto de métodos pelos quais a sociedade influencia o comportamento humano, tendo em vista manter determinada ordem”. Na teoria política, o significado de controle social é ambíguo, podendo ser concebido em sentidos diferentes a partir de concepções de Estado e de sociedade civil distintas. Tanto é empregado para designar o controle do Estado sobre a sociedade quanto para designar o controle da sociedade ou de setores organizados sobre as ações do Estado.
 
[16] Nesse sentido Chaïm PERELMAN destaca que:  Se partirmos da hipótese de que Deus é o Ser supremo, cuja vontade é o fundamento de toda a norma moral, a filosofia moral não existe como disciplina independente: depende inteiramente da teologia. Mas, se nos empenhamos em elaborar uma ética independente, surge imediatamente o problema de seu fundamento, que é ainda mais controvertido porque opiniões diametralmente opostas se manifestaram sobre o ponto de saber o que deve ser fundamentado e o que deve servir de fundamento. Cumprirá fundamentar o juízo moral nos princípios morais ou cumprirá, ao contrário, fundamentar os princípios no juízo moral? (In: PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 288.).
 
 
[17] Klaus GÜNTHER menciona que a fundamentação moral de um direito em relação à sua validade acaba por produzir de forma empírica uma solução. O direito pode ser intersubjetivamente refletido por cada indivíduo se violados os valores. Segundo John LOCKE, a ideia de que —cada um (é) seu próprio juiz “traz diversos questionamentos consigo a partir do princípio da reciprocidade”.
 
 
[18] “O Direito, dizia ele, só deve cuidar da ação humana depois de exteriorizada; a Moral, ao contrário, diz respeito àquilo que se processa no plano da consciência. Enquanto uma ação se desenrola no foro íntimo, ninguém pode interferir e obrigar a fazer ou deixar de fazer. O Direito, por conseguinte, rege as ações exteriores do homem, ao passo que as ações íntimas pertencem ao domínio especial da Moral. A moral e o Direito ficavam assim totalmente separados, sem possibilidade de invasão recíproca nos seus campos, de maneira que a liberdade de pensamento e de consciência recebia, através de doutrina engenhosa, uma tutela necessária.” In: REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 29° edição, ajustada ao novo Código Civil, 6° Tiragem. São Paulo: Saraiva,2009.
 
[19] Estado policial é o tipo de organização estatal fortemente baseada no controle da população (e, principalmente, de opositores e dissidentes) por meio da polícia política, das forças armadas e outros órgãos de controle ideológico e repressão política.  O Estado Policial é artefato muito antigo, nascido concomitantemente ao Estado-nação liberal, componente de uma das faces da estrutura ambivalente deste (conforme a metáfora do Estado-centauro, a um só passo racional e violento, difundida por Loïc Wacquant). O direito penal do inimigo é um discurso contemporâneo que, em certo sentido, serve como justificativa ou pretexto para o avanço e o agigantamento do Estado Policial.  O Estado moderno é desde sempre paradoxal. Nele convivem instituições liberais, destinadas a resguardar os direitos individuais de liberdade, igualdade e propriedade, bem como instituições repressivas, destinadas a coibir as violações à ordem jurídica pelo uso da força coercitiva. Revela-se um Estado Policial quando irrompe um desequilíbrio entre ''a cabeça e o corpo do centauro'': entre a finalidade de assegurar a estabilidade social e o uso desproporcional da coerção. Ele desponta quando a violência se transmuda de exceção para regra.
 
[20] As Ordenações Filipinas, mais especificamente em seu Livro V, que contém o conjunto dos dispositivos legais que definiam os crimes e a punição dos criminosos, será analisada de forma priorizada com o objetivo de refletir sobre aspectos da organização da sociedade portuguesa do século XVII. Partindo do pressuposto que o direito exerce um papel importante na definição dos termos da vivência social, analisar-se-á alguns pontos dessa legislação e suas conexões com as transformações da época. O estudo possibilitou a compreensão do Direito como fruto da relação social que elege, na forma dos dispositivos legais, o que deve ser virtude social e o que deve ser colocado na condição de ilícito, e não como mero instrumento abstrato a regular a vida individual das pessoas. Ou seja, além de apontamentos acerca da sociedade em questão, este trabalho determina o significado do Direito à luz da experiência social e histórica do ser humano."
 
[21] Zygmunt Bauman (1927-2017) foi um sociólogo, pensador, professor e escritor polonês, uma das vozes mais críticas da sociedade contemporânea. Filho de judeus, em 1939, junto com sua família, escapou da invasão das tropas nazista na Polônia e se refugiou na União Soviética. Utilizou o conceito de “Modernidade Líquida” (ou “Pós-Modernidade”) como forma de explicar como se processam as relações sociais na atualidade. Para Bauman, a modernidade “sólida”, forjada entre os séculos XIV e XV e cujo apogeu se deu nos séculos XIX e XX, teve como traço básico a ideia de que o homem seria capaz de criar um novo futuro para a sociedade, que cresceria em paralelo a uma vida enraizada em instituições fortes e presentes, como o Estado e a família.
A confiança no homem e em sua capacidade de moldar o próprio futuro seria o principal traço desse período. Em sua lição: “A incerteza é o habitat natural da vida humana – ainda que a esperança de escapar da incerteza seja o motor das atividades humanas.
Escapar da incerteza é um ingrediente fundamental, mesmo que apenas tacitamente presumido, de todas e quaisquer imagens compósitas da felicidade. É por isso que a felicidade ‘genuína’ adequada e total sempre parece residir em algum lugar à frente: tal como o horizonte, que recua quando se tenta chegar mais perto dele.”

 
[22] Tanto Estado Policial quanto direito penal do inimigo se alimentam da midiatização da criminalidade e da transformação do processo penal em uma tática de guerra. De acordo com instigante definição de Nilo Batista, o punitivismo consiste na ''referência cultural hegemônica do discurso jornalístico''7. Daí se cogitar em uma criminologia midiática. Os meios de comunicação de massa cooperam com a escolha, delimitação e popularização da figura do inimigo social. Fomentam, com o auxílio de iniciativas publicitárias, uma sociedade do espetáculo, com a qual setores do Poder Público colaboram ou são pelo menos condescendentes. In: FERREIRA, Antonio Oneildo. Três faces do autoritarismo: Estado Policial, Direito Penal do Inimigo e lawfare. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/276236/tres-faces-do-autoritarismo-estado-policial-direito-penal-do-inimigo-e-lawfare Acesso em 19.3.2020.
 
[23] Max Ernst Mayer foi advogado criminal alemão e filósofo jurídico (1875-1923). O ano de 1916 foi um ponto de virada em sua carreira acadêmica, quando renunciou ao cargo de professor de Estrasburgo e foi para Vilnius, ocupada pelos alemães, na época da Sede da administração militar alemã, onde trabalhou como promotor militar até o final da guerra. Com o término da guerra, voltou a Mannheim, onde deu início em 1919 e foi nomeado para a jovem fundação da Universidade de Frankfurt e se tornou o sucessor de Ernst Delaquis, de Liszt, em seu cargo extraordinário. A única publicação importante do período de Frankfurt e, ao mesmo tempo, a última publicação independente de Mayer é "Rechtsphilosophie", cuja publicação em 1922 cumpre um sonho muito esperado.
 
[24] Karl Ludwig Lorenz Binding (1841-1920) foi um jurista alemã conhecido como promotor da teoria da justiça retributiva. Sua obra mais relevante Die Freigabe der Vernichtung lebensunwerten Lebens (Permitindo a destruição da vida indigna de viver) escrito junto com o psiquiatra Alfred Hoche e que foi usado pelos nazistas para justificar seu Programa de Eutanásia T-4. livro foi dividido em duas partes, a primeira escrita por Binding, a segunda por Hoche. Binding discutiu as consequências que o status legal do suicídio teria na eutanásia e a legalidade de matar os doentes mentais. Hoche concentrou-se na relação dos médicos com seus pacientes e com os doentes graves.
 
[25] Cezar Roberto Bitencourt é advogado criminalista, professor do programa de pós-graduação da PUC-RS, doutor em Direito Penal pela Universidade de Sevilha, procurador de Justiça aposentado. Autor de várias obras de referência no Direito Penal brasileiro.
 
[26] Houve modificação da natureza da ação penal também para os casos de estupro previstos no artigo 213, que até então se processavam mediante autorização da vítima (representação) e que agora passam a se processar mediante ação penal pública incondicionada.
A questão sempre foi controversa, mas a despeito de todas as justificativas relacionadas à autonomia da mulher (maioria dentre as vítimas desse tipo de crime) e necessidade de combate à sua revitimização, em todas as esferas, não parecia razoável admitir a exigência de sua autorização para a ação penal apenas nesses casos, e não para o estupro de vulnerável (mesmo quando a vítima é adulta) nem para a lesão corporal praticada no contexto de uma relação doméstica, familiar ou de afeto, dentre outros crimes.
A distinção nesse caso parecia não ter outra justificativa que não a relação direta com a concepção discriminatória do strepitus judicis
— escândalo do processo —, ou seja, a avaliação de que o ajuizamento da ação provocaria na ofendida mal maior que a impunidade do criminoso.

 
 
[27] O tráfico de pessoas passou a integrar o rol de crimes do artigo 83, V do Código Penal. Portanto, para haver o livramento condicional nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, terrorismo e tráfico de pessoas, exige-se o cumprimento de mais de dois terços da pena (2/3).
 
[28] A Lei 13.330/2016 incluiu o sexto parágrafo do artigo 155 do Código Penal que aduz in litteris: “A pena é de reclusão de dois a cinco anos se a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou divido em partes no local da subtração. Criou-se, portanto, um novo furto qualificado, consistente na subtração de semovente domesticável de produção. A pena mínima é a mesma do furto qualificado previsto no quarto parágrafo (dois anos). A pena máxima é de cinco anos, por outro lado, é ainda menor do que a pena do quarto parágrafo que é de oito anos. A Lei 13.330/2016 também inseriu o artigo 180-A no Código Penal, constituindo uma nova receptação.
 
[29] Cumpre mencionar, ainda, que a Lei 13.964/2019, ao modificar o artigo 112, inciso VI, alínea a, e inciso VIII, da Lei de Execução Penal, passou a vedar o livramento condicional para os condenados por crime hediondo ou equiparado, com resultado morte. O artigo 2º, § 9º, da Lei 12.850/2013, introduzido pela Lei 13.964/2019, passou a vedar o livramento condicional para o condenado expressamente em sentença por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização criminosa, se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo.
 
[30] BETTIOL, Giuseppe.  Político e jurista italiano ligado ao movimento antifascista católico em 1945, foi delegado à Consulta Nacional do Partido da Democracia Cristã, pela qual realizaria atividades parlamentares ininterruptas de 1946 a 1976. A frase com a qual ficou conhecido no curso de filosofia  jurídica realizado na Universidade de Trieste no período de 1944-45 é: “direito penal é uma filosofia” parece apoiar o mal-entendido que, chamando de tempos em tempos, visando o neoescolasticismo, o kantismo, a filosofia de valores, atribuiu uma qualificação especulativa ao pensamento desse jurista. Costumava dizer que, sem o positivismo de Filippo Grispigni, contra quem havia lutado, sua lei criminal não teria sido escrita.
 
[31] Mapa da Violência é uma série de estudos publicados desde 1998, inicialmente com apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), do Instituto Ayrton Senna e da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), entre outras entidades, e, mais recentemente, publicados pelo governo brasileiro. O sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz é o responsável pela pesquisa.  
O levantamento mais recente corresponde ao ano de 2014. Contém a evolução das taxas de mortalidade nos estados e municípios brasileiros com mais de dez mil habitantes e as mortes causadas por homicídio na população total e na população jovem (de 15 a 24 anos); mortes causadas por acidentes de transporte e suicídios.  
Desde 1999, a violência no Brasil deixou de se concentrar nas grandes cidades e atingiu também o interior dos Estados.  Além dele, há o Anuário do Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Este contabiliza, por outro lado, a  violência letal com base nos registros feitos pelas polícias em boletins de ocorrência.[3] Fora isso, secretarias estaduais de segurança pública  também publicam seus números em cada unidade da federação, entretanto, elas divergem na metodologia sobre o que considerar parte da taxa de homicídios.  Por exemplo, as secretarias de São Paulo e Rio de Janeiro utilizam respectivamente o número de casos de homicídios e o número de vítimas de homicídios, o que gera números diferentes frente a chacinas, por exemplo.

 
[32] É a chamada violência urbana, que vitimiza milhares de pessoas em todo o mundo. Este tipo de violência é a mais visível modalidade que existe. A violência menos visível continua escondida e pouco reconhecida. Por exemplo, a diferença salarial entre homens e mulheres, entre pessoas brancas e negras, a prática da violência doméstica que está escondida no que se chama de senso comum.
 
[33] Entre 100 e 140 milhões de mulheres sofreram ablação de clitóris no mundo todo, especialmente na África Subsaariana, segundo um relatório do Instituto Nacional de Estudos Demográficos da França (Ined) divulgado na segunda-feira, 22. O documento aponta que a mutilação do clitóris também acontece em países da Europa e América do Norte, onde o total chega a 6,5 milhões. O relatório rompe com a ideia de que a mutilação genital feminina é uma prática vinculada à religião muçulmana. "O principal fator é o étnico, e não o religioso", ressaltam as autoras, Armelle Andro e Marie Lesclingand. A prática, observam, tem a ver com os ritos de iniciação e de entrada na idade adulta de alguns povos.
Andro e Lesclingand explicam que a ablação de clitóris era praticada na África muito antes da chegada das religiões monoteístas. A incidência geográfica corrobora que "não há relação entre a difusão do Islã num país e a proporção de mulheres afetadas pela mutilação", concluem. Como exemplo, elas apontam o fato de que na Etiópia três quartos das mulheres sofreram a operação, mas os muçulmanos não passam de um terço da população. Já no Níger, só 2% foram mutiladas, quando o país é quase inteiramente muçulmano. Nos países do norte da África, onde a população é também quase 100% muçulmana, a cisão não existe.
Um caso interessante que confirma a tese das especialistas é o do Senegal, também majoritariamente muçulmano. A ablação não é praticada na população mais numerosa, a wolof, mas é relativamente frequente em grupos minoritários, como os peul, os toulouleur, os soninké e os malinké. Nos outros continentes, os principais focos nos quais a mutilação feminina é uma prática tradicional são certas partes do Oriente Médio e do sudeste asiático.
Os índices mais altos são em países como Iêmen, Indonésia e Malásia. A imigração levou a ablação a países europeus, como a França. Segundo as estimativas do Ined, de 42 mil a 61 mil mulheres francesas sofreram a extirpação do clitóris. As autoras do relatório constataram que a prática está retrocedendo na maior parte dos países.
A tendência, avaliam, tem muito a ver com "o grau de mobilização dos Estados" e as recomendações internacionais explícitas contra a ablação nos anos 90. Em 2003, todos os países-membros da União Africana assinaram um protocolo que condena oficialmente e proíbe as mutilações sexuais. (In: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,mutilacao-de-clitoris-atinge-140-milhoes-no-mundo,69178 Acesso em 21.03.2020).
 
[34] Em matéria penal, a exigência de proporcionalidade deve ser determinada no equilíbrio que deve existir na relação entre crime e pena, ou seja, entre a gravidade do injusto penal e a pena aplicada.
 
[35] Há quem usa as palavras do título como se fossem sinônimas. Parecem, mas não são:
· Legal: que está previsto em lei.
· Legítimo: que emana da vontade popular, baseando-se no direito, na razão e na justiça.
· Lícito: que não é proibido por lei; não é objeto de lei.
· Permitido: que é autorizado por lei.
Disponível em: https://www.espacovital.com.br/noticia-26828-diferencas-entre-legal-legitimo-licito-e-permitido Acesso em 22.03.2020.
 
[36] Nelson Hungria Guimarães Hoffbauer (1891-1969) foi um dos mais importantes penalistas brasileiros, com diversas obras publicadas. Foi desembargador do Tribunal de Justiça do Antigo Distrito Federal, delegado de polícia e, culminando, em Ministro do Supremo Tribunal Federal (1851 a 1961). Lecionou durante anos na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, atual Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como professor de Direito Penal.  Foi um dos revisores do anteprojeto do Código Penal de 1940 (Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940), e um dos seus principais comentadores (Comentários ao Código Penal, Revista Forense, Rio de Janeiro, publicados na década de 1950). É conhecido pelo epíteto de Príncipe dos Penalistas Brasileiros.  Foi autor de um anteprojeto de reforma do Código Penal de 1940, que teve boa influência na reforma penal portuguesa e foi bastante elogiado pelos juristas brasileiros.
   
[37] É a forma que o Estado se utiliza com a finalidade de combater o crime, sendo um dos meios mais eficazes, pois é empregada a estratégia para amenizar a criminalidade que assola o país. A doutrina, ainda, não tem uma definição acerca da Política Criminal a política criminal é o conjunto sistemático de princípios e regras através dos quais o Estado promove a luta de prevenção e repressão das infrações penais. Em sentido amplo, compreende também os meios e métodos aplicados na execução das penas e das medidas de segurança, visando o interesse social e a reinserção do infrator. Quanto a estes dois últimos aspectos, pode-se falar em política de execução penal e política penitenciária. Compete à Política Criminal fornecer e avaliar os critérios para se apreciar o valor do Direito vigente e revelar o Direito que deve vigorar; cabe-lhe ensinar-nos também a aplicá-lo nos casos singulares em atenção a esses fins.
 
[38] Jacques Derrida (El Biar, Argélia, 15 de julho de 1930 — Paris, 9 de outubro de 2004) foi um filósofo franco-magrebino, que iniciou durante a década de 1960 a Desconstrução em filosofia. Esta "desconstrução", termo que cunhou, deverá aqui ser compreendido, tecnicamente, por um lado, à luz do que é conhecido como "intuicionismo" e "construcionismo" no campo da metamatemática, na esteira da obra de Brouwer e depois Heyting, ao qual Derrida irá adicionar as devidas consequências dos teoremas da indecidibilidade de Kurt Gödel e, por outro, a um aprofundamento crítico da obra de Husserl, Heidegger e Levinas na ultrapassagem da metafisica tradicional que ele vai apresentar como sendo uma "metafisica da presença".  Depois de ter lecionado na Sorbonne (1960-1964) e na École Normale Supérieure de Paris (1964-1984), Derrida foi Diretor de Estudos da École des Hautes Études em Sciences Sociales de Paris (1984-2003). Foi ainda membro fundador do Collège international de philosophie de Paris, sendo o seu primeiro diretor eleito. Esteve no Brasil três vezes: em 1995, na Universidade de São Paulo (USP) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; e em 2001, no Rio de Janeiro, e em agosto de 2004, em evento organizado na Maison de France, no Rio de Janeiro. 
Esteve em Portugal em 2003 na Universidade de Coimbra onde lhe foi outorgado um Doutoramento Honoris Causa, a 16 de novembro, participando de um colóquio internacional em torno do conceito de soberania política com o título "A Soberania. Crítica, Desconstrução. Aporias. Em torno do pensamento de Jaques Derrida" e que decorreu de 17 a 19 de novembro nesta Universidade. 
 
[39] Guilherme Nucci aponta três significados principais de legalidade, a saber: o político, que o posiciona como garantia constitucional dos direitos fundamentais; o jurídico lato sensu, traduzindo pelo artigo 5º da Constituição Federal brasileira vigente e, ainda, o jurídico stricto sensu, consoante o qual os tipos penais incriminadores apenas podem ser criados por leis em sentido estrito, produzidas pelo Poder Legislativo e em conformidade com o processo legislativo constitucionalmente disciplinado. (IN: NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 43.).
 
[40] Leciona Brandão: “Com efeito, para que o papel do bem jurídico cumpra a sua função de legitimar a intervenção penal, é imprescindível interpretá-lo à luz da sociedade, como pretende a atual dogmática alemã.
A ideia de bem jurídico é precisamente o valor protegido pela norma penal, mas esse valor cumpre a função de resguardar as condições de convivência em sociedade de um determinado grupo humano (...) Bem jurídico deve ser definido, pois, como o valor tutelado pela norma penal funcionando como um pressuposto imprescindível para a existência da sociedade. (In: BRANDÃO, Cláudio. Teoria Jurídica do Crime. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pp. 09-10).
 
[41] Para essa corrente não importava que na prática a sociedade era injusta e desigual, porquanto a busca da igualdade se contentava com a generalidade e impessoalidade das normas, que garantia a todos um tratamento igualitário, ainda que apenas teórico.
Capez assim caracteriza o Estado Formal de Direito: “(...)  a) a submissão de todos ao império da lei;  b) a divisão formal do exercício das funções derivadas do poder, entre os órgãos executivos, legislativos e judiciários, como forma de evitar a concentração da força e combater o arbítrio,  c) o estabelecimento formal de garantias individuais;  d) o povo como origem formal de todo e qualquer poder;  e) a igualdade de todos perante a lei, na medida em que estão submetidos às mesas regras gerais, abstratas e impessoais;  f) a igualdade meramente formal, sem atuação afetiva e interventiva do poder público, no sentido de impedir distorções sociais de ordem material”.

 
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 15/09/2020
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