Lisboa revistada (Paródia de Fernando Pessoa).
Sim, eu quero tudo
Absolutamente tudo.
Não tenho vergonha
de minha ambição.
Nada menos que tudo.
E, por favor, não me tragam ilusões.
Quero tudo antes de morrer.
Por favor, não me amofinem com estéticas.
Nem com eletroestáticas
Retirem daqui a física.
E a metafísica também
Retirem urgentemente
a pós-física daqui.
Não quero saber dos quânticos.
Não quero ouvir cânticos.
Nem descobrir fórmulas.
Basta de sistemas completos
a respeito de tudo.
De justificativas lógicas
a respeito de tudo.
Arre. tudo, enfim,
é plenamente justificável.
Tudo é mensurável.
Até o infinito e o eterno.
A ciência dominou tudo.
Deus e o universo.
O que sobrou realmente livre
nesse pobre mundo ?
E se existirem mil deuses?
Quem velará pela verdade?
Por mim, guardem-na em segredo.
Tudo é tão perverso.
Quanto a mim, sou um técnico
viciado em procedimentos, lógicos e cursivos.
Fora da técnica, só há a inércia e o caos.
Enlouquecemos com o pleno direito de
fazê-lo.
Esquizofrenia, eis um direito fundamental!
Não me aborreçam.
Casei, procriei e sou tributável.
E também fui o contrário disto,
o contrário de qualquer coisa.
Atendi as expectativas
Decepcionei a ortodoxia
Tenham paciência.
Quem se compadece de minhas decepções?
Se eu fosse outra pessoa.
Se ao invés de animal, fosse eu um vegetal.
Um cogumelo ou samambaia
Se eu fosse outra pessoa, talvez,
fizesse a todos a vontade
Seria cordato e submisso
Mas, tenham paciência!
Pois não sou assim
nem assado
deixem-me sozinho
em minha solidão de cristal
Não quebrem-me o silêncio.
Não peguem-me pelo braço
Não preciso de guia nem bússola
estou sozinho,
sou sozinho
A fora isto, tenho minhas lembranças
da infância fugaz,
da adolescência arredia,
da maturidade perfeita e vazia.
Trago no peito a mágoa revistada
do que existe hoje e outrora.
Por favor, deixe-me em paz
Eu nunca tardo.
Sou infalivelmente pontual.
Não tardo nem para o abismo,
nem por estar sozinho.
Esqueçam-me nessa visita.
Pois, tudo é provisório
e lascivo.