Eis que de repente do silêncio veio a chuva. Inicialmente fininha e mansa. Depois arrebatadora e intensa. E, o barulho estalado da água no chão, faziam os sapos coaxarem. Eu tomada de súbito pela chuva, sem capa e guarda-chuva, fui banhada pelos pingos mornos da chuva de inverno. Corri até uma marquise e ensopada assistia contemplativa o temporal se avolumar. Logo a água começou a subir. O bueiros não davam vazão a quantidade de água. Meus sapatos pretos de verniz perderam o brilho e ostentavam um fosco molhado quase roto... No bolso da blusa um papel colorido começou a depreender suas cores, primeiro amarelo, depois o laranja e, finalizando o rosáceo... que no branco da camisa pintava um quadro abstracionista bem em cima de meu tórax. Envergonhei-me. Mas, pensei baixinho: ninguém há de notar essa bobagem! Esperei por duas horas as chuvas amainar... e aos poucos, como uma orquestra que silencia aos poucos, ela foi suavizando... Sai a procura de um ônibus para sair do lugar... mas o trânsito após a borrasca estava um caos inerte, com filas indianas infinitas... Resolvi caminhar até achar um caminho livre para voltar para casa... caminhei por quase meia hora. E, então, comecei a ver espaço suficiente para chegar em casa. Entrei no ônibus, eu literalmente pingava... e a blusa abstracionista chamava atenção. Enrubescia. Se vergonha matasse, eu estaria em óbito. Quando finalmente cheguei em casa, minha avó, com sua habitual gentileza, declarou: - Filha, troque logo de roupa. Já trazia a toalha branca e felpuda. E, a propósito, sua camisa é lindamente colorida. Bom gosto, hein? Herdou de quem? Eu sorri amarelo. E, confessei contrariada: ela era só branca, vó"! No ensaio misterioso de cores e atribulações descobri a capacidade de sobreviver em uma tempestade na cidade populosa. Só algum tempo depois, percebi que estava embevecida com a beleza da chuva, com o balé engraçado das pessoas tentando em vão se safar da chuva e, da peregrinação até chegar em casa. No deserto poético de minhas emoções ecoava em minha consciência: - nunca mais saio sem guarda-chuva. Por essa razão, uso bolsas robustamente enormes...onde cabem literalmente de tudo desde guarda-chuvas, capas e, até se duvidar um lirismo prêt-à-porter capaz de trazer poesia ao invés de aflição. No fundo, depois de tirar a blusa manchada, realmente conclui que estava bela mesmo manchada, mas isso foi pura sorte. E, nada mais...