E, o despejo prosseguia. Até que um dos serviçais informou ao senhorio já irritado que não conseguiria retirar os pesados móveis de madeira da inquilina. O senhorio bufou de raiva. E, com sua bengala cravejada de marfim, esbravejou: - Então fica por conta dos alugueres não pagos! Os vizinhos solidarizando-se com a pobre senhora foram recolhendo e guardando suas coisas já despejadas na calçada. E, tentavam em vão, acalmá-la.
Então, alguém perguntou ao senhorio: então, o senhor vai deixar a viúva ao deus dará? Logo o senhor, tão católico e religioso... que acredita em Deus e prestegia tanto à Santa Madre Igreja? Isto irritou ainda mais o velho senhorio. Vociferando que havia outros lugares que a senhora poderia morar de graça: - Como debaixo da ponte, por exemplo...
A senhora ouvindo tal coisa, logo se interessou... - Qual ponte e onde fica? Um silêncio ensurrecedor se instalou imediatamente.. A pobre senhora não conhecia a metáfora.
E, o engraçado é que a ponte é justamente uma construção humana que permite interligar ao mesmo nível pontos distantes e separados por rios, vales ou outros óbices naturais ou artificiais. Frequentemente, a ponte simboliza a superação de peculiaridades pessoais e ansiedades. Ao atravessar uma ponte, vencemos os desafios encontrados. Vencemos nossos medos e insegurança para chegar ao desconhecido e prosseguir evoluindo, na busca de sobrevivência digna.
Então, o senhorio estranhamente ao ver a ignorância patente, lhe fez outra proposta: - se a senhora se tornar minha empregada, cozinhando e limpando minha casa três vezes por semana, eu lhe permito morar nesse casebre em troca. O que achas?
A senhora soluçando entre lágrimas. Balbuciava a resposta que teimava em não sair. Acenava com a cabeça e com as mãos postas, como se fosse fazer oração, agradeceu.
Não é comum que a ignorância ou inocência salve pessoas de seus infortúnios. Mas, nesse caso, por não conhecer a metáfora e nem a ponte. Conseguira, finalmente, atravessar a borrasca, e obter algum lugar para ficar. O senhorio ainda ratificou que poderia alimentar-se em sua casa, cuja fartura era muito conhecida. Apesar de sua avareza e apego as posses fossem bem mais célebres.