Recolho as palavras lavadas e secas para pendurá-las no varal da prosa. É verdade, por vezes, a conversa é sub-reptícia. Há fonemas óticos passando
por olhares, há semânticas sutis em gestos e nas mãos. O quão as mãos podem ser expressivas! O quão podem ser receptivas, mesmo quando não se tocam. Mesmo, em estado de agonia ou desespero agarram um fiapo de vida, como se fosse a última atitude possível. Recolho as palavras sangrentas para pendurá-las ao vento. Que venha o sudoeste uivante a levá-las e, a libertá-las da mágoa e dos vestígios humanos de sofrimento. Recolho, novamente, pequenas palavras poéticas, tal como mãe. Ou pão e afã... E, nessas, preciso de mais de um pregador. É a delicadeza de tentar resguardar essências mesmo sabendo que são tão voláteis. Mas, a sina da essência é disseminar-se. É perder-se no infinito congruente de nossa consciência paradoxal. Recolho, por derradeiro, os lenços lavados que como cofres guardaram as lágrimas secretas. Aquelas mais recônditas e, talvez, mais sinceras. Depois de pendurar os lenços. De lhe cheirar o odor do amanciante ou de mágoas guardadas. Percebi a longevidade de vestígios que deixamos. Seja no varal, seja na sola de sapatos, no bloco de anotações e nas almas encriptadas que orbitam em nossa volta e integram a nossa história. Quem me dera, por um dia, não precisar mais dos pregadores do varal. Como concluir, afinal, que ser sobrevivente fosse sempre com alguma dignidade. E, tendo ainda a praticidade de um varal mágico.