"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos



 
 
Completados os cento e trinta anos da abolição da escravatura. A Princesa Isabel de Bragança[1] assinou a Lei Áurea, a Lei Imperial 3.353 posto que fosse mesmo inevitável. Aliás, as circunstâncias históricas que gravitavam ao redor da assinatura da lei libertadora são bem conhecidas, e o Palácio Imperial já se encontrava cercado por mais de dez mil pessoas eufóricas E, após quatro dias, fora celebrada uma missão campal no Campo de São Cristóvão.
 
Nessa ocasião, o país se tornava o derradeiro país do Ocidente a abolir a escravatura. Porém, questiona-se se a Princesa Isabel merece crédito por essa abolição, apesar de que a família imperial brasileira tenha participado das disputas políticas da época.
 
Cabe recordar que a Lei Áurea não fora de autoria do Poder Moderador pois era um projeto de lei apresentado pelo então ministro de Agricultura Rodrigo Augusto da Silva que igualmente assinou seu texto final. A Câmara Geral, correspondente à Câmara dos Deputados da época, aprovou o texto ainda no dia 10 de maio e a votação de primeiro turno contou com apenas nove votos contrários e contraste com 83 votos de assentimento, entre os quais registram-se os votos de dois futuros presidentes da República, Rodrigues Alves e Afonso Pena.
 
Já no segundo turno, nem mais se contabilizou a posição de parlamentares, posto que o projeto fora aprovado por aclamação, com um adendo que integrou o texto final, ao acrescentar o desde a data desta lei, o que impediu que os escravocratas ganhassem tempo até a lei ser divulgada em cada uma das províncias.
 
Depois o texto seguiu para o Senado Imperial quando começou a ser debatido no dia 11 de maio, e no dia seguinte, acabou aprovado por todos, tornando assim, uma lei aprovada para todo o país.
 
Afinal, o fim da escravidão se tornou efetivamente uma aspiração coletiva devido à propaganda e as ações desses abolicionistas. E, mesmo em algumas regiões conheceu-se paliativos contra a escravidão, anteriormente a 1888. É o caso de Rio Grande do Norte, em Mossoró, em 30 de setembro de 1883, que se tornou a primeira cidade a declarar formalmente o fim da escravidão em seus domínios.
 
Depois, veio a província do Ceará que aboliu mesmo antes da Lei Áurea, já em 25 de março de 1884, e Amazonas, Bahia Goiás e Pernambuco também.
 
Aliás, não fora a primeira vez em que houve proposta de libertação de escravos, em 1884, os deputados já haviam recusado proposta semelhante, apresentada pelo governo... E mesmo a Lei do Ventre Livre[2] fora debatida a exaustão por nove meses, antes de ser finalmente aprovada.
 
A votação na ocasião foi acelerada para a Lei Áurea pudesse ser assinada em dia específico, marcado pelo simbolismo, pois 13 de maio era um domingo quando se celebrava também o aniversário do falecido imperador Dom João VI.
 
A bem dos livros didáticos toda honra ficou mesmo com a princesa. Assim, conclui-se que a abolição não fora decidida no palácio imperial, apesar de que a nobreza brasileira de fato participou ativamente das disputas políticas.
 
O que impulsionou o fim da abolição da escravatura conforme destacou a historiadora Walmyra Albuquerque, foi que outro projeto de abolição, apresentado pelos paulistas em abril, já tinha sido solenemente ignorado.
 
Ele previa que os escravos permaneceriam em seus postos por mais de dois anos, recebendo como salário, uma módica retribuição.
 
Era um acordoo parecido com o que muitos fazendeiros, já vinham buscando, individualmente, com seus escravos.
 
Semelhantes iniciativas haviam sido apresentadas, começando pelo projeto de José Bonifácio de Andrada e Silva, em 1823, que previa acabar com o tráfico negreiro até cinco anos, para facilitar a alforria e eliminar os castigos físicos e entregar pequenos lotes de terras para os negros começaram a cavar a própria sobrevivência. O que seria uma preambular reforma agrária.
 
Porém, a iniciativa não progrediu, até porque a Assembleia Constituinte foi dissolvida por Dom Pedro I, que não deseja ver seu posto reduzido a uma mera função cerimonial, sem poder, conforme queriam os liberais, incluindo o próprio José Bonifácio. A Princesa Isabel, nessa ocasião, nem havia nascido ainda. E, nem o pai dela também.
 
O truculento debate a respeito do fim da escravatura no Brasil atravessou toda a monarquia. Mas, particularmente, foi na Regência, que o período foi mais agudo em razão da indefinição política ocasionada pela ausência de rei. Pois Dom Pedro I renunciou em 1831 e somente dez anos depois é que Dom Pedro II assumiu.
 
Tal período é relacionado com os movimentos liberais radicais, tais como a Guerra dos Farrapos. E, os escravos também se mobilizaram e, na fatídica noite de 24 de janeiro de 1835, aconteceu a chamada Revolta de Malês, que colocou Salvador em estado de guerra, pois sessenta rebeldes, nagôs islâmicos entraram em confronto direto com as forças militares imperiais.
 
A Revolta dos Malês[3] pretendia tomar o centro de Salvador quando boa parte da cidade se dirigia para a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim. Porém, com a denúncia dos planos na véspera. Quem não tombou morto no tiroteio, acabou preso e condenado à morte ou então ao exílio.
 
Durante a Balaiada, de 1838 até 1841, no Maranhão, o negro liberto Bento das Chagas aproveitou a confusão para reunir três mil escravos num quilombo no interior do Ceará. E, tal grupo fora caçado e, Cosme acabou preso em 1841. E, executado no ano seguinte. Um pouco antes, já se registrava o massacre do Quilombo de Malunguinho, em 1835 nos arredores de Recife.
 
E, mesmo antes, em 1833, a Revolta de Carrancas[4] existiu, onde o escravo Ventura Mina liderou grupo que massacrou a família Junqueira, proprietária da fazenda Bela Cruz, em Minas Gerais. E, adiante, em 1838, cerca de oitenta escravos na região de Vassouras, Rio de Janeiro fugiu de seu proprietário, o capitão Manuel Francisco Xavier, para então formar um quilombo. E, todos foram cruelmente caçados resultando em prisões e mortes.
 
Tais revoltas eram radicais na busca da liberdade, mas não de todos os negros. E, tais rebeliões escravas ocorreram até o fim do século XIX, a quantidade de rebeliões se multiplicou e fez surgir quilombos itinerantes, formados por negros que fugiam em grandes quantidades.
 
Em 1880, a tensão estava no auge no oeste paulista que contava com fugas em massa, e o uso extremos de violência contra feitores e senhores, diz Maria Helena Pereira Toledo Machado, especialista em história social da escravidão.
 
Há registros de que grupos organizados de escravos, particularmente em São Paulo, atuavam no resgate de escravos com a finalidade definida de minar essa fonte de mão de obra. E, tal grupo ganhou um apelido público, os Caifazes[5], em referência ao sumo sacerdote Caifás, o líder do Sinédrio, o judeu que condenou Jesus à morte. Indo contra a lei, estariam traindo o escravagismo.
 
O referido movimento foi liderado por um juiz chamado Antônio Bento de Souza e Castro e que logrou em organizar uma rede vasta, incluindo caixeiros-viajantes, que se comunicavam com os escravos das fazendas de café em São Paulo, e ainda, com funcionários de ferrovias, dispostos a esconder negros em seus vagões.
 
As fugas tinham como destino principal a cidade de São Paulo, onde um grupo ajudava os foragidos a encontrar ocupação e sobrevivência, e, em Santos, onde se escondiam no Quilombo de Jabaquara, que chegou a contar com dez mil habitantes.
 
Existiu também uma organização similar, nos arredores de Recife, o Clube do Cupim, especializado em acelera o fim da escravatura, por meio de estimular as fugas organizadas. Muitos dos envolvidos também dirigiam ações à Justiça, requerendo a alforria de grupo de escravos.
 
Na década de 1880, enquanto os escravos abertamente se rebelaram, começava a surgir um movimento civil organizado. E, o país fora assolado por inúmeras manifestações populares. A massiva desobediência civil dos escravos era evidente, e muitos fazendeiros davam alforria em massa e depois orgulhosamente anunciava tal fato nos jornais. E, os compositores como Carlos Gomes e Chiquinha Gonzaga e, ainda poetas como Castro Alves escreviam obras em crítica ferrenha à escravatura.
 
Referências:
CORDEIRO, Tiago. Conquista da Abolição. In: Revista Aventuras na História, Edição 179, abril de 2018.
 
[1] Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bourbon e Bragança (1846-1921) apelidada de a Redentora, foi a segunda filha, a primeira menina, do Imperador Dom Pedro II do Brasil e sua esposa a imperatriz Tereza Cristina das Duas Sicílias. Era a herdeira presuntiva do Império brasileiro, e recebeu o título de Princesa Imperial.

A morte de seus dois irmãos homens a tornou a herdeira do trono. A própria personalidade de Isabel a distanciou da política e de quaisquer confrontos com o pai, ficando satisfeita com a vida pacata e doméstica. 

Apesar de educação esmerada, jamais fora preparada para assumir o trono. Casou-se em 1864 com príncipe francês Gastão, chamado de Conde D'Eu com quem teve três descendentes: Pedro Alcântara, Luís e Antônio. Atuou por três ocasiões como regente do império enquanto seu pai viajava para o exterior. Ficou famosa por promover a abolição da escravidão durante a terceira e última regência, quando assinou a Lei Áurea em 1888.

O fato de ser mulher, seu forte catolicismo e casamento com um estrangeiro foram vistos como impedimentos contra ela, juntamente com a emancipação dos escravos, que gerou descontentamento entre ricos fazendeiros. A monarquia brasileira foi abolida em 1889 e ela e sua família foram exilados por um golpe militar. Isabel passou seus últimos trinta anos de vida vivendo calmamente na França.
 
[2] A Lei do Ventre Livre, também conhecida como “Lei Rio Branco” foi uma lei abolicionista, promulgada em 28 de setembro de 1871 (assinada pela Princesa Isabel).

Esta lei considerava livre todos os filhos de mulher escravas nascidos a partir da data da lei. Como seus pais continuariam escravos (a abolição total da escravidão só ocorreu em 1888 com a Lei Áurea), a lei estabelecia duas possibilidades para as  crianças que nasciam livres. Poderiam ficar aos cuidados dos senhores até os 21 anos de idade ou entregues ao governo.

O primeiro caso foi o mais comum e beneficiaria os senhores que poderiam usar a mão-de-obra destes “livres” até os 21 anos de idade.  A Lei do Ventre Livre tinha por objetivo principal possibilitar a transição, lenta e gradual, no Brasil do sistema de escravidão para o de mão-de-obra livre.
 
 
[3] A Revolta dos Malês foi um levante de escravos em Salvador, capital da Bahia, que aconteceu na noite de 24 para 25 de janeiro de 1835. Foi a revolta de maior relevância naquela província. Ganhou tal denominação devido aos negros de origem islâmica. O termo "malê" tem origem na palavra imaiê e que significa muçulmano, no idioma iorubá. Porém não contou com a participação de cerca de seiscentos homens, os chamados crioulos, que eram nascidos no Brasil.

Os nagôs tinham o costume de registrar grande parte dos acontecimentos, e as anotações encontradas viraram documentos para entender os motivos e circunstâncias do levante. Tendo como religião o Islã, eles liam e escreviam em árabe. A revolta estava planejada para acontecer logo pela manhã do dia 25, porque era nessa parte do dia que a maioria da população da época ia para a Igreja do Nosso Senhor do Bonfim, esvaziando o centro da cidade.

Em termos gerais, a ideia inicial era começar o levante quando os escravos saíssem para pegar água das fontes públicas, ficando mais fácil reunir parte dos envolvidos.

Depois, quando a revolta tivesse início, surgiriam vários incêndios em diversos pontos da cidade para distrair a atenção da polícia.  No entanto, a revolta não saiu como o planejado. O levante foi denunciado na noite anterior e as autoridades se prepararam para impedir o ataque.

O episódio principal da revolta e, que desencadeia o fim da mesma, aconteceu quando oficiais chegaram na região da Ladeira da Praça, onde um dos grupos dos rebeldes estava reunido.

Ao tentar entrar em uma casa da região, cerca de 60 homens negros africanos saíram da residência às pressas e improvisaram um ataque. Uma batalha se desenrolou no local e os rebeldes seguiram para Câmara Municipal, que fica no mesmo lugar até hoje em Salvador.
 
[4] A Revolta de Carrancas ou Levante de Bella Cruz foi rebelião escrava que aconteceu em 13 de maio de 1833, mas propriedades da família Junqueira, ao sul da província de Minas Gerais. E, a revolta teve começo na Fazenda Campo Alegre, propriedade de Gabriel Francisco Junqueira, tendo continuidade na Fazenda Bella Cruz.

A província de Minas Gerais era muito dependente da reposição da mão de obra escrava pelo tráfico internacional e entre 1825 e 1833, adquiriu 48% da população africana que aportava no Brasil. A circunstância da primeira metade do século XIX foi marcada por um aumento da população escrava, mais precisamente, no Sudeste do Império.

Além disso, essa época também foi caracterizada pelos planos de insurreição que acabaram sendo concretizados pelos escravos de diferentes localidades, principalmente Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Nesse período ocorreram diversas rebeliões escravas que aterrorizaram o governo das Regências. Alguns exemplos dessas revoltas são Revolta de Carrancas (MG), Revolta dos Malês (Salvador - BA) e a Revolta de Manuel Congo (Vassouras - RJ).
Esses eventos foram duramente reprimidos. A província de Minas Gerais, no período regencial, foi marcada por conflitos entre liberais e restauradores. O movimento mais conhecido foi a Sedição Militar de 1833, também conhecida como a Revolta do Ano da Fumaça. Foi nessa situação de oposição e disputas que ocorreu a Revolta de Carrancas.
 
[5] Antônio Bento era membro de uma família abastada da sociedade paulista e formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo.  Foi ainda delegado, promotor e juiz, mas acabou, com sua atuação, criando vários desentendimentos com os proprietários de escravos, já que favorecia os escravos.

Um exemplo eram as ações judiciais em que Bento indicava abolicionistas para determinar o valor de alforrias, o que tornava o preço baixo e acessível aos escravos, ou mesmo com os despachos em que apontava a ilegalidade de manter no cativeiro escravos ingressados no país em 1831 e 1850.

Posteriormente, Antônio Bento tornou-se jornalista, com o jornal A Redenção, divulgando os posicionamentos abolicionistas. Um dos locais em que o grupo se organizava era a irmandade católica de Nossa Senhora dos Remédios. Os caifazes eram formados principalmente por tipógrafos, artesãos, pequenos comerciantes e ex-escravos.

A atuação do grupo consistia em organizar e planejar em conjunto aos escravos das fazendas e das cidades fugas em massa, garantindo ainda condições para os deslocamentos dos fugidos. Uma das figuras que se destacaram nesse tipo de ação foi Antônio Paciência, que, como seu nome mesmo revela, era utilizado principalmente na observação das condições propícias às fugas.

As ações dos caifazes representavam a entrada do abolicionismo dentro das senzalas e eitos, aproximando, dessa forma, a insatisfação dos trabalhadores escravizados com a agitação proporcionada também pelo movimento abolicionista nas cidades. Com essas ações populares, atacava-se o principal pilar de sustentação do Império.

Segundo Maria Helena Toledo Machado, “o cimentar de solidariedade entre escravos, libertos, plebe e abolicionistas radicalizados, mesmo como virtualidade, foi percebido e combatido pelas autoridades, como um dos maiores desafios à superação controlada e conservadora da ordem escravista”
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 09/02/2020
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