Sou eu ali naquela mesa, nas madeiras, na engenharia dos nós...na parte escura e, também, na parte clara.Sou eu ali, naquele mármore, com veias verdes e abertas sobre um rosa enigmático.
Sou eu ali, naquela caneta, no azul da tinta, no misterios índigo a decifrar a caligrafia sensível e laboriosa, a questão, a palavra ou mesmo a irremediável poesia que orbita dentro e fora de nós.
Sou eu novamente, na cadeira, um tanto torta, de rodinhas ágeis... estou também na almofada, no suspiro ínfimo e diário.
Sou ali, em lugares inóspidos e populosos. Repletos de almas vazias a trançar um crochet complexo entre "ser" e "estar".
Tudo é pertencimento. Estamos em muitas coisas. E, em muitas pessoas,
facetas e personagens. Ora somos Capitu, ora Esmeralda, ora somos Medeia
e, ora somos Antígona, ora somos Helena de Tróia ou Joana D'Arc, ora somos simplesmente nós mesmos, perdidos em encruzilhadas de decisões diárias, cruciais ou banais.Ora somos muitas e únicas. Ora somos unas e múltiplas.
Estamos embaixo dos tapetes, nas soleiras expostas ao sol e a chuva.
Estamos no cume das capelas, no sinos das igrejas, no silêncio solene dos
mosteiros. Na moeda que tilinta ao encontrar o chão. E, principalmente,
na prosa enviesada e disléxica dos elevadores, dos corredores, no fórum e
no desencontro promovido pelos paradoxos cotidianos.
Pertenço ao infinito. Passeamos a beira do abismo e rumamos na direção do caos. A cada dia, novos objetivos, novas esperanças, novas tarefas, novos enigmas a desafiar a memória e a sabedoria traçam nossos pertencimentos.. Quando nada mais parecer novo, estamos finalmente provectas...decompondo-se publicamente sob as retinas cansadas dos transeuntes.
Como também pertenço a você que me lê, humildemente, lhe peço, guarde-me carinhosamente na melhor parte das suas memórias. A de um dia chuvoso mas feliz e pródigo, a de uma primavera perfumada e a de um inverno que aguarda ansioso apenas por uma xícara de chocolate quente. Saiba que também guardo vocês todos docemente na minha biografia.