Avisaram pelo telefone que ele tinha sido encontrado morto no banheiro. E que estava sozinho no apartamento. Jamais pude entender como conseguiram entrar sem arrombar a porta. Cheguei lá, encontrei-o nu e de braços abertos, com uma expressão de dor congelada no rosto bem no meio da sala. Havia uma algaravia intensa, pois muitas pessoas ao redor, falando em contralto. Mil olhares crivaram minha figura.
Vizinhos, conhecidos e até amigos. Eu, era a viúva. E, minha filha chocada com a cena chorava copiosamente. Então, tratei de vestir o defunto. E tive que fazê-lo sozinha. Todos somente olhavam e comentavam... E, isso secretamente dava-me certa ira.
Consegui a duras penas, vestir o jeans... Mas, a camisa... era impossível, pois já havia rigor mortis. Então, ficou seminu. Tinha-se que providenciar o enterro e as exéquias. Preocupava-me os valores expostos e propostos. Exorbitantes.
Enfim, tudo ficou muito caro e, o enterro foi em cemitério próximo. No dia seguinte, eu iria sentar-me na cadeira de número trinta e sete que pertencera a Lima Barreto, talvez pela minha insistente ironia fina feito talco de bebê. E, depois, noutro dia, haveria um enterro para ir. Não tive coragem de ir, ademais minha hipertensão arterial tratou de inviabilizar-me ao feito. Fiquei no pronto-socorro, até que a pressão estabilizasse... Afinal, meu metabolismo já tinha premonições. Encomendei missas futuras. Preocupei-me com pobre espírito.
Queixaram-se de minha ausência. Afinal, não tinha prestado a última homenagem ao defunto. Um defunto pré-morto pelas circunstâncias da vida.
Eis o paradoxo.