Estou inscrita na tragédia diária em existir e sobreviver. Mas a existência humana requer essências. Essência que está na placidez de águas estagnadas. Na chuva torrencial regada por raios e trovões. No silêncio peripatético e semântico onde afetos e signos dormitam e trafegam incoerentemente.
Estou inscrita na tragédia. Mas, me recuso a ser trágica. Há mortes, abandono e tristeza. O solitário hábito de existir enquanto a sua volta tudo perece continuamente. Tudo é tão provisório e precário. Tudo é deletável, editável e mutante. Somos seres em mudança ambulante. Somos parte da lápide em pedra fria a marcar o final de tudo. Devo dizer alguma coisa aos olhos que pingam mudos e as palavras borram a tela do presente.
Trago no peito a inscrição genética, histórica e cultural que conspira contra o livre arbítrio. Deixe-me ao acaso. A ter sangrias desatadas, a cultivar velhas feridas. A rejeição reiterada e, por fim, a sombra da noite a encobrir tudo. A fazer desaparecer os passos e o caminho.
Quem nos perdoará? A quem poderemos perdoar? Essa é a tragédia destilada no ódio cotidiano de ter justificativas para tudo.