Ainda na minha lembrança está vívida aquela cena, a beira do cais, diante de um vistoso navio. A fumaça saindo-lhe das chaminés e o marulhar sussurrando no casco, a imensidão do oceano e, os mistérios que nos espreitam no futuro. O afeto ou affectus é um estado de alma, um sentimento que opera mudanças simultâneas no corpo e na alma. A afeição é em sua maior extensão e generalidade, toda condição ou qualidade que consiste em sofrer uma ação, sendo influenciado e modificado por ela. Mas quem é afetado, também afeta, de sorte que num contágio progressivo e nada linear, humanizamos tudo a nossa volta. Plantas, animais, pedras obras de arte, palavras, poesias, música e até grunhidos. Pois tudo acontece na alma, reverbera em nossa racionalidade, percorre nos hormônios, músculos e, finalmente, deságuam no infinito que mora em nós. Há afetos por todo canto, em todo ser, do mais simples ao mais complexo e, através deste construímos aprendizagem, autonomia, capacidade e principalmente sobrevivência. Transcendemos o tempo, as intempéries e as vilezas de alguns. Se alguns algozes conhecessem afeto, se permitisse amar e serem amados, talvez fossem outras criaturas e pudessem ser plenos e serenos e, não agressivos, furiosos e infelizes. Talvez apenas enxerguem em nós, tudo que lhe faltou na vida. Um olhar cândido, uma mão acolhedora ou, apenas, um silêncio cúmplice. A força do afeto é tão potente que mesmo sub-reptícia é capaz de alterar a história, de formar outras geografias, de fundar novas filosofias, e redescobrir a vida e a beleza num átomo, num segundo ou, até mesmo, numa reles bactéria.