Quando desejamos aludir a uma situação de todo irreversível, ao um triste destino de certa nobre de Portugal. Seu nome era Inês de Castro e sua história de um impossível amor, nos lembra em muito Romeu e Juileta.
A diferença é que Inês realmente existiu e teve um affair com o oitvao rei de Portugal, Pedro (que reinou de 1357 a 1367).
Pedro quando ainda era um príncipe, em 1340, se casou com Constança, a Princesa de Castelo devido a um acordo político muito comum na época. Porém, Pedro e Inês, que era dama de companhia de Constança mantiveram um fervoroso romance por anos a fio e, chegaram a ter quatro filhos.
Aliás, eram rumorosos e triviais os casos de adultério ocorridos entre reis e nobres e incluindo até a criadagem conforme noticiou o historiador Jaime Corêa da Universidade de Lisboa. Porém, o dito romance jamais encontrou apoio da parte do pai de Pedro, D. Afonso IV e ne do clero que foram fiadores fiéis no acordo entre o reino de Castela e de Portugal.
Logo após a morte de Constança, no entanto, o relacionamento entre o referido casal se tornou mais íntimo, e a nobreza receosa de que um dos filhos de Inês reivindicasse o trono português, atingiu um clímax.
Em 1355, quanto Pedro estava caçando, o Rei Dom Afonso IV ordenou a morte de Inês que fora executada por Pero Coelho, Álvaro Gonçalves e Diogo Lopes Pacheco que cortaram-lhe a garganta.
Assim que recebeu a notícia, Pedro avançou em rumo ao Porto com o objetivo de enfrentar o seu próprio pai. Porém, fora demovido de tal ideia por sua mãe Dona Beatriz e também por seu primo, o Bispo de Braga. Quando então, arfando de tristeza teria balbuciado a famosa frase até hoje repetida: "Agora, Inês é morta".
Pouco tempo depois do assassinato de Inês, Dom Afonso vem a falecer e deixar o trono para seu filho.
Mas, como um verdadeiro amor é inesquecível, assim que Pedro ser tornara rei, mandou prender os assassinos. Pacheco escapou para França enquanto que Coelho e Gonçalves foram capturados em Castela e depois de torturados com requinte, pois ambos tiveram seus corações arrancados, bem na presença do rei.
A segunda providência ordenada por D. Pedro fora ainda mais sinistra. Alegando ter se casado secretamente com Inês, fez que ela fosse coroada rainha. E, seu corpo fora desenterrado e colocado no trono. E, durante toda a
cerimônia,
D.Pedro teria ordenado que toda a nobreza e membros do clero presentes à cerimônia, ajoelhassem diante do cadáver e ainda beijassem os ossos da mão de Inês.
A triste história de Inês de Castro ficou conhecida e imortalizada por Camões no Canto III de Os Lusíadas, uma das melhores e mais famosas obras literárias da língua portuguesa. Aconteceu da mísera e mesquinha, que depois de ser morta foi rainha...".
Resta apenas uma única dúvida: qual das tortura fora a mais eficaz?
P.S.
Episódio de Dona Inês de Castro
(Os Lusíadas, Canto III, 118 a 135)
Passada esta tão próspera vitória,
Tornado Afonso à Lusitana Terra,
A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra,
O caso triste e dino da memória,
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que despois de ser morta foi Rainha.
Tu, só tu, puro amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano.
Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuito,
Aos montes insinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.
Do teu Príncipe ali te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
Que sempre ante seus olhos te traziam,
Quando dos teus fernosos se apartavam;
De noite, em doces sonhos que mentiam,
De dia, em pensamentos que voavam;
E quanto, enfim, cuidava e quanto via
Eram tudo memórias de alegria.
De outras belas senhoras e Princesas
Os desejados tálamos enjeita,
Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas,
Quando um gesto suave te sujeita.
Vendo estas namoradas estranhezas,
O velho pai sesudo, que respeita
O murmurar do povo e a fantasia
Do filho, que casar-se não queria,
Tirar Inês ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho que tem preso,
Crendo co sangue só da morte ladina
Matar do firme amor o fogo aceso.
Que furor consentiu que a espada fina,
Que pôde sustentar o grande peso
Do furor Mauro, fosse alevantada
Contra hûa fraca dama delicada?
Traziam-na os horríficos algozes
Ante o Rei, já movido a piedade;
Mas o povo, com falsas e ferozes
Razões, à morte crua o persuade.
Ela, com tristes e piedosas vozes,
Saídas só da mágoa e saudade
Do seu Príncipe e filhos, que deixava,
Que mais que a própria morte a magoava,
Pera o céu cristalino alevantando,
Com lágrimas, os olhos piedosos
(Os olhos, porque as mãos lhe estava atando
Um dos duros ministros rigorosos);
E despois, nos mininos atentando,
Que tão queridos tinha e tão mimosos,
Cuja orfindade como mãe temia,
Pera o avô cruel assi dizia:
(Se já nas brutas feras, cuja mente
Natura fez cruel de nascimento,
E nas aves agrestes, que somente
Nas rapinas aéreas tem o intento,
Com pequenas crianças viu a gente
Terem tão piedoso sentimento
Como co a mãe de Nino já mostraram,
E cos irmãos que Roma edificaram:
ó tu, que tens de humano o gesto e o peito
(Se de humano é matar hûa donzela,
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a quem soube vencê-la),
A estas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens à morte escura dela;
Mova-te a piedade sua e minha,
Pois te não move a culpa que não tinha.
E se, vencendo a Maura resistência,
A morte sabes dar com fogo e ferro,
Sabe também dar vida, com clemência,
A quem peja perdê-la não fez erro.
Mas, se to assi merece esta inocência,
Põe-me em perpétuo e mísero desterro,
Na Cítia fria ou lá na Líbia ardente,
Onde em lágrimas viva eternamente.
Põe-me onde se use toda a feridade,
Entre leões e tigres, e verei
Se neles achar posso a piedade
Que entre peitos humanos não achei.
Ali, co amor intrínseco e vontade
Naquele por quem mouro, criarei
Estas relíquias suas que aqui viste,
Que refrigério sejam da mãe triste.)
Queria perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das palavras que o magoam;
Mas o pertinaz povo e seu destino
(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.
Arrancam das espadas de aço fino
Os que por bom tal feito ali apregoam.
Contra hûa dama, ó peitos carniceiros,
Feros vos amostrais e cavaleiros?
Qual contra a linda moça Polycena,
Consolação extrema da mãe velha,
Porque a sombra de Aquiles a condena,
Co ferro o duro Pirro se aparelha;
Mas ela, os olhos, com que o ar serena
(Bem como paciente e mansa ovelha),
Na mísera mãe postos, que endoudece,
Ao duro sacrifício se oferece:
Tais contra Inês os brutos matadores,
No colo de alabastro, que sustinha
As obras com que Amor matou de amores
Aquele que despois a fez Rainha,
As espadas banhando e as brancas flores,
Que ela dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam, fervidos e irosos,
No futuro castigo não cuidosos.
Bem puderas, ó Sol, da vista destes,
Teus raios apartar aquele dia,
Como da seva mesa de Tiestes,
Quando os filhos por mão de Atreu comia !
Vós, ó côncavos vales, que pudestes
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,
Por muito grande espaço repetistes.
Assi como a bonina, que cortada
Antes do tempo foi, cândida e bela,
Sendo das mãos lacivas maltratada
Da minina que a trouxe na capela,
O cheiro traz perdido e a cor murchada:
Tal está, morta, a pálida donzela,
Secas do rosto as rosas e perdida
A branca e viva cor, co a doce vida.
As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram.
O nome lhe puseram, que inda dura,
Dos amores de Inês, que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água e o nome Amores.