Estou chovendo
Gotas de lágrimas,
gotas de suor,
gotas de saliva
e mágoas,
gotas do sangue
encruadas
na consciência.
Latente.
Doída.
Cãimbra.
Estou chovendo
Lentamente
Gotículas multiplicáveis.
Ventos imperceptíveis
a lavar-me
de fora para dentro
E, de dentro para fora.
Sentimentos.
Emoções.
Micro-afetos
Indiferenças.
Ódios.
Ascos.
Micro-raivas.
A gota se esvai lentamente
percorre corpos
e superfícies
atrai-se por calor e
poros.
E, transfere-se ao
infinito.
Todas as gotas se encontram
juntas com as paralelas
no infinito.
Todas as gotas
em símbolo
percorrem a curva
da eternidade.
E, esquadrinham um mundo
perfeito, hídrico.
Singular em paralelo,
paradoxal na transversal.
E reto no horizonte.
Todas gotas universais
conspiram.
Sussurram e confidenciam.
A da chaleira conspira.
A do orvalho conspira.
A da chuva é pura rebeldia
E molha indistintamente a todos.
E a tudo.
Poderosos e vassalos.
Gênios e idiotas.
E quando acompanhada de vento
É igual chibata
a demonstrar
a força da natureza.
A limar corpos e almas.
Contundente.
Inesperadamente.
E nós, pobres mortais.
Diante de lágrimas.
Diante de orvalhos.
Diante de raios e dos incêndios.
Calamos.
Ignoramos.
Contemplamos as cinzas.
E, prosseguimos em direção
da angústia nossa de cada dia.
Silêncio.
Uma gota atravessa a existência.
Transpassa tendões, nervos
e ossos.
Gotas transcendentais.
Transpassam barreiras inexpugnáveis.
A muralha da China.
Os seus olhos de menina
E a inocência imaculada
das crianças que já morreram.
O olhar cândido dos idosos.
Eu estou chovendo.
E a cada gota
de sentimento ou de poesia.
De ironia ou galhardia
Despreendo-me dessa crosta
existencial.
Líquida
Salgada
Insossa
Transbordando egos e superegos.
Peneirando o inconsciente
com o lirismo ácido
da maturidade.