Dispersão
Atravessando desertos, mares
e continentes inteiros.
Despertencimento
Retira-se do lugar, da cultura,
das lembranças e principalmente
das origens.
Dispersão.
Atravessando espaços.
Silêncios.
Ritos e rituais.
Então, cantarola um ritmo.
Uso um pandeiro.
Um atabaque.
Tomo banho de ervas
Queimo defumador.
Rezo para os orixás.
Minhas crenças
grudam nas contas do colar.
No colorido das saias.
No turbante
Nos cânticos.
Que perpassam aldeias.
Ultrapassam florestas.
Naufragam nos oceanos.
Esqueletos narram torturas.
Chagas e cicatrizes contam das dores.
E alma cativa a um corpo
esmorecendo.
Apaga-se da memória a infância.
A cantiga de ninar.
A luz da Lua vem e afaga
as lembranças.
Então crescem adultos
infantilizados.
A busca da infância
passada e requentada
nos umbrais.
Roupas viram farrapos.
Vínculos viram anéis
Sapatos viram vestígios.
Somos hoje,
o resto do que sobrou de ontem.
Seremos amanhã,
o resto do que sobrou de hoje.
Somos vestígios ainda vivos.
A tremular sob a batuta dos ventos
e tempestades.
E a repousar nas calmarias
do azul frígido do mar.