Atravesso todos os dias
um mar de pensamentos revoltos
a desenhar um tiro em testas,
vinganças fascínoras
e justiciamentos ortodoxos.
Atravesso sem cais esse oceano
Vendo o destino arrebatador
polir ossos, carcomer siluetas
e destruir resistências.
Em silêncio medito.
A primeira luz da manhã
é um enigma
A última luz da tarde
é a resposta.
Tão paradoxal
Tão passageira e sangrenta.
Envelhecemos diantes de fótons
e células.
De olhos fechados.
De alma aberta.
No livro diário
há registros:.
Sentimentos.
Sensações.
Arrepios.
Insultos.
Humilhações arquivadas
na consciência
dormente.
Sobreviventes esculpem o caminho.
Desistentes o abortam.
Nem todos são sobreviventes.
Nem todos são desistentes.
Nem todos são frutos de aborto.
Inexoravelmente seguimos.
Existimos diante da essência.
Para futuro risível
Antes de ser plausível.
Para a projeção de um segundo.
Quando o pensamento acabou
em metáforas.
Na ilusão de expressar tudo.
Impossível.
Atravesso o mar revolto de pensamentos.
Vingativos.
A querer repor uma ordem
universal e uníssona.
Que não vale para todos.
Seria mesmo possível ser diferente?
Sob a chibata da genética.
Sob a batuta da história.
Ou pior, refém da cultura
incutida, incrustrada.
Como um câncer.
Seria mesmo possível ser diferente?
Ou tudo que somos e sentimos
já estava inscrito,
inserido, enraizado...
no solo do abismo ou do plano
traçado.
Pelo mar de pensamentos
que estava aqui, mesmo antes de
surgir o primeiro ódio.
O primeiro amor.
O primeiro arrependimento.
Que envergonhado.
Nega-se mil vezes
só pela soberba de não desistir.
Tem dias que o sol não nasce.
Tem dias que o cinza o céu
contamina o pensamento
que goteja tintas
na esfera azul do planeta.
E, no chão cravamos os passos
que passeam no labirinto.
Perder-se.
Encontrar-se
Encontrar-se perdido.
Achar-se numa imensidão
incompreendida.
Ser tão pequeno
e irrisório
que a dor sentida
então desaparece.
E fenece diante da ciência.
Da verificabilidade irresistível.
Pois são muitas travessias.