"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos


Eu aqui cheia de dores
Diante de uma tatuagem enigmática.
Uma letra japonesa.

O ruído em minha volta 
parecia a trilha sonora 
do inferno.
Chego ouvir o barqueiro a remar 
para me levar 
para o mundo de Hades.

Não trouxe as moedas.

Lateja-me a alma.
Não quer mais o corpo.
Não quer o planeta.
Não quer o jogo.
Não quer.
O desejo morreu.
Sobrou uma lucidez ácida.
Corrosiva.

Que queima retinas.
Que incendeia cidades.
E faz pouco de humanidades;

Eu aqui ruminando
poesias caóticas.
Sem rimas,
sem nexo,
 e sem lógica.

A soma aponta-me para subtração.
A multiplicação me dá dormência
E, a raiz quadrada
achata minha autoestima.

Tudo se resolve numa inequação.

Na mão, a senha esquizofrênica.
Que devo perseguir.
Olho o painel.
Ouço vozes a chamá-la.

A enfermeira me olha.
O médico me olha.
Faz perguntas.
Faz suposições.
Mas, minhas dores são concretas.
Sólidas.
Monumentos da sobrevivência.
Pernas tremem.
Olhos embaçam.

O homem da tatuagem japonesa
Também está doente.
Pálido e meio pardocente.

Não resisto, e lhe pergunto
o que significa a letra asiática.
Lépido, ele me informa que significa
saúde e virtude.
Internamente rio.
Seria ironia ou fatídico dia?

Inscrições mentirosas
sobre pele humana e mortal.


O cardiologista fala 
de minha pressão alta.
Seu tom é grave e monocórdio.

Olho para o alto, 
como se pudesse contê-la.
E, a tontura aparece.
Firme e oscilante.
Taquicardia.
Rimas superpostas 
que não sabem se combinar.

São mosaicos que 
brincam de caleidoscópio.

A enfermeira busca a medicação
Que vem dentro de uma seringa.
Uma picada.
Uma cura rápida.

Um segundo.
E tudo desaparece.
Odeio injeções.
Odeio o branco profundo de hospitais.
Durmo ou desfaleço.
Nem sei.

Durmo quase tão profundamente
que esqueço da dor.
Esqueço da tatuagem
e o braço que me aparece
é gentil.

Não posso recusar gentilezas
quando doente.
Tudo que queria 
era sair correndo,
suando e
segredando tudo.

Para no fim, chegar
a um paraíso mental.
De não pensar em mais
em nada.

Uma pílula.
Uma pomada.
Uma injeção.
E, a morte afinal é adiada.
Para um futuro indefinido.

Poesia é um remédio.
Adiamos para sempre
a sensação do fim.
Ainda que nos aproximemos
cada vez mais intimamente
dos paradoxos todos.
 
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 20/08/2017
Alterado em 12/03/2018
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