Perdoem-me
Não posso ser feliz.
Há gente lá fora morrendo
de fome e de sede.
E, há também os que morrem
de falta de afeto.
Morrem a míngua...
Diariamente e habitualmente.
Diante da indiferença.
Da negligência e porque não dizer
da elegância discreta
de fingir que eles não existem.
São apenas ressalvas
do cenário.
Perdoem-me
Não consigo ser feliz.
Quando existem crianças sentenciadas
pela subnutrição e privadas de educação,
do direito de ter infância...
E, já em tenra idade,
retiram das pedras
a sobrevivência diária,
em meio a miséria e excrescência.
Perdoem-me.
Não posso fingir tão bem.
Ser a atriz de cenas memoráveis.
Sorrir de tudo e para todos...
Apresentar um semblante
plácido enquanto as águas revoltas
enchem de lama, morte e medo
os caminhos,
Insultam os passos com as
vantagens da inércia.
Que jogam nossos jovens no
descaminho das drogas e
prostituição.
Desculpe-me.
Não consigo alienar-me tão
perfeitamente...
E, acreditar que existe salvação
pelo menos para a maioria
dessas pessoas.
Que são sublimadas.
Que estão contadas estatisticamente
Para serem números em planilhas.
Em programas sociais com intuitos
políticos-partidários...
O que eles têm são direitos.
E, os oferecem como se fossem
migalhas e esmolas.
O que eles têm são garantias.
Mas dormem ao relento.
Mas pernoitam em rodoviárias.
Em aeroportos.
São vítimas contumazes da
estatística fria de óbitos prenunciados.
Perdoem-me o semblante
etruscamente pesado.
A caminhar tristonha com
olhar pousado no horizonte.
Querendo saltar no fundo...
Mergulhar no torvelhinho.
Bem que queria ter maiores
esperanças,
mas envelhecer, as fazem
cair como folhas de outono.
E, o dejá-vu?
Scripts repetidos.
Papéis e vilões reprisados.
Situações falsamente enigmáticas.
A esconder apenas o óbvio:
a avareza de quem sempre
quer ganhar mais...
Lucrar mais..
Ter o luxo sustentado
pelo lixo humano.
Ter centenas e milhares.
Cifras, valores, jóias e
prestígio.
Enquanto que muitos sequer
tem o mínimo...
Nem dignidade.
Nem reconhecimento.
Nem teto e nem alma.
Tenho vergonhas impublicáveis.
Tenho textos censurados.
As vezes, cometo lições impróprias.
Pois o realismo é amargo.
É cruel...
Mas, como posso ensinar a
sobrevivência, se navego
num mar de amenidades
e mentiras?
Como posso salvar o náufrago?
Se ele negligencia o respirar.
O oxigênio.
E a necessidade continua
de ser humano.
Demasiadamente humano.
E, capaz de humanizar a
tudo e todos.
Perdoem-me
A minha tristeza é
catedrática.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 13/08/2017