Como posso
em poucas
linhas
carregar meu afeto?
Afeto feito de vento.
Feito de lágrimas
Feito de saudades.
Nos trilhos tortos,
a rima se perdeu
e, fugiu do lirismo autoritário.
Refugiou-se do exagero explícito.
Havia um regime disciplinar rígido
da sintaxe e
a patrulha ideológica
da semântica.
Metáforas fogem do entardecer.
Paradoxos se suicidam
Hipérboles tornam-se discretas.
Anacolutos soluçam tristes.
Escondem-se no luto do amor.
A romaria em torno do caixão.
As flores lilases e algumas brancas
O perfume dos lírios de cortejo.
Os olhos dos santos
cândidos perdoavam o bilhete
bizarro.
Escreviam copiosamente
a piedade e compaixão.
Como posso
em silêncio apregoar-lhe
meu pendor,
meu amor
ou desamor?
Como posso expressar
algo tão etéreo?
E traduzir-lhe assim
prosaicamente.
Sem a decência poética.
Como posso destilar esse
sentimento todo?
Com todos os tons
nos perdemos no abismo
da lógica.
Preciso do funil
para filtrar as ideias boas.
Ideias e ismos
Socorra-me a dialética!
Para elaborar o diálogo
perfeito. Ou quase.
Cortar ao meio toda doçura possível.
Partilhar as dúvidas
Estancar as hemorragias
estranhas de indiferença
e pressa.
Individualismo bastardo
que nos transforma em
presas.
Esse bilhete lhe traz
a certeza exata
a equação desigual
a mensura infinita
de tudo,
de todos e de nós.
Há em cada sombra
uma única gota de luz e saudade.
A gota de luz se incandesce
e a de saudade seca.
Transcendental e reta.
Esse é o meu bilhete.
Decifra-me, pois já lhe devorei.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 07/07/2017
Alterado em 21/11/2017