Não posso marchar.
Meus passos foram subtraídos pelo chão.
Não posso sonhar.
Meus sonhos e devaneios escorreram pelo ralo.
Ralo da memória.
Ralo da alma
que desagua em solidão.
Não há liquidez suficiente.
Naufragamos em pleno sólido.
Colidimos com líquidos.
que competem em dinâmica
e adaptabilidade.
Você é duro.
Você é incontornável.
Você tem a facilidade contida.
Numa vírgula ou poesia.
Não há tolerância.
Não há entretenimento.
Há uma graça exata na desgraça.
Há um riso embutido na ironia.
Há uma gargalhada presa no canto da boca.
No canto do olho
A vigiar cenas bizarras.
A denunciar o escárnio silencioso
que desce ladeira abaixo.
Que cai fundo em silêncio náufrago.
Há uma fresta a denunciar o conteúdo.
Há um conteúdo vazando.
Minando.
O líquido se entranha.
O líquido contamina tudo.
O líquido esmorece...
Denunciando o vácuo.
Faltou afeto.
Faltou infância.
Faltou a mão estendida
Em completa solidariedade.
O tempo passou.
O vento passou.
O medo passou.
E, agora, só restou uma coragem
insólida.
A de encarar a névoa.
A encarar o improvável.
A alma que vença a lama.
A lama que vença a calma.
A margem que engole o rio.
O rio que se entrega ao mar.
O rio continua.
A margem se apagou.
E minhas cartas mancharam o
papel de azul...
Como se quisessem ser um pedaço
do céu.
Céu imerso em palavras.
Não posso marchar
As botas machucam os pés.
Não posso caminhar
Os caminhos e os espinhos sangram
a existência.
Resistir é preciso.
Existir não é preciso.
Quero um mantra hipnótico
Para enganar a dor.
Para ludibriar a cor.
E passar como se fosse um pássaro
em busca do horizonte.
O horizonte não é encontrado.
O pássaro é abatido.
E, sobreviver é a arte de transfigurar-se.
Sombras que vêm da luz.
Silêncios que vêm da semântica.
Música que vem da dança.
E, tudo que quero...
é ter a insegurança de continuar
tentando, tentando...
atentando.
Atentando ao ciclo da tarde
contemporânea.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 17/04/2017
Alterado em 17/04/2017