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Resumo: O legado deixado pela Idade Média para a Idade Moderna e Contemporânea se apresenta cada vez mais comprovado e, ainda, hoje se acredita mais na ruptura do que propriamente no prolongamento das características presentes em toda transição evolutiva.Palavras-Chaves: Idade Média. História. Filosofia. Sociologia. Cultura. Linguagem.
Depois das críticas e detratores exagerados dos séculos XVI e XVII e os entusiastas que exaltaram tanto o século XIX, atualmente, possuímos visão mais equilibrada sobre a Idade Média[1].
Aliás, mesmo fora dos meios acadêmicos, a Idade Média vem merecendo inúmeras publicações, mas nem sempre logrou êxito haver uma melhor compreensão daquele notável período. Mas, todos reconhecem que a Idade média se revela como matriz da civilização ocidental cristão.
E, mesmo diante da crise contemporânea da civilização, cresce o ímpeto de se voltar às origens e, de refazer o caminho para novamente identificar e solucionar velhos problemas. Portanto, conhecer a Idade Média significa conhecer ainda melhor os séculos XX e XXI. E ainda entender a etiologia dos principais problemas contemporâneos.
Há uma velhíssima questão que nos atordoa ao acompanhar a história evolutiva medieval e a presença humana. Afinal, deu-se continuidade ou ruptura? E, ainda, sobre a passagem da Antiguidade para a Idade Média, grande parte da historiografia ainda prefere enfocar somente os pontos comuns e os prolongamentos[2].
Porém, ao estudar o período contido entre a Idade Média e a Idade Moderna, não se hesitou em aceitar predominantemente a ideia de ruptura.
Tal noção está ligada ao próprio conceito da Idade Média. Só mais recentemente, se passou a negar a pretensa oposição medievalidade-modernidade.
No entanto, isso ainda é feito timidamente, mais propriamente em razão do Renascimento, do que aos movimentos históricos ditos modernos. Ainda se titubeia em admitir que as estruturas modernas sejam, no fundo, mesmo medievais.
Frise-se que no período de 1450 a 1550 houve uma sucessão espantosa de mudanças, basta ler o observador da época que escreveu sobre a arte da guerra.
Outro testemunho do século XV, convocando os homens a exaltar a Deus por permitir-lhe ter nascido nessa nova era, tão cheia de esperança e promessa. Afinal, não se percebeu que apesar de o ritmo histórico ter se acelerado, a essência, no fundo, era a mesma[3].
Mas, quatro movimentos que se convencionou serem os inauguradores da modernidade, precisam ser destacados, a saber: o Renascimento, o Protestantismo, os Descobrimentos e a Centralização que foram em grande parte medievais. O primeiro movimento, pertine aos séculos XV-XVI e recorreu aos modelos culturais clássicos, que tanto a idade medieval conheceu e amou.
Aliás, foi por causa deste que os renascentistas entraram em contato com a Antiguidade Clássica.
As principais características do movimento, foram: o individualismo, o racionalismo, o empirismo, o neoplatonismo[4] e o humanismo que estavam presentes na cultura ocidental pelo menos desde o início do século XII. Mas, o Renascimento fora mesmo considerado “o filho ingrato da Idade Média”.
O Protestantismo, ao seu turno, foi apenas uma heresia que deu certo, pois representou o resultado de um processo bem anterior, que na Idade Média tinha gerado diversas heresias, várias práticas religiosas laicas e algumas críticas a um certo formalismo católico.
Nesse contexto, a crise religiosa no século XIV comprovou ser inviável para a Igreja satisfazer aquela espiritualidade mais ardente, mais angustiada e mais interiorizada[5].
Exatamente nesse espaço, se posicionou o Protestantismo. Pois sem haver a possibilidade de ser sufocado pela ortodoxia católica, ao contrário do que ocorrera com as heresias medievais, por este atender às mais profundas necessidades decorrentes das transformações socioculturais que foram verificadas desde os derradeiros anos da Idade Média, o seu sucesso foi garantido.
Os Descobrimentos, por sua vez, ampliaram o mundo e aperfeiçoaram ainda mais as bases medievais calcadas nas técnicas náuticas tais como a construção naval, a bússola, astrolábio e mapas, na motivação (no trigo, ouro e evangelização) e nas metas,
Registre-se que existiam ainda os antecedentes medievais nas viagens normandas ao Oriente e à América, aliás, comprovadamente atingida pelos noruegueses por volta do ano de 1000. Também existiram as viagens italianas à China, como por Marco Polo[6], por exemplo, e as viagens ibéricas à África.
Colombo considerado como o navegador-descobridor mais famoso, era em todos os sentidos o homem mais medieval do propriamente moderno e, já objetivava a maior difusão do cristianismo do que conseguir o ouro, desejava apenas realizar a cruzada a Jerusalém, e sua atração pelo Oriente está sobretudo ligada à crença que lá se situava o Paraíso Terrestre.
A centralização política, era por fim, uma conclusão lógica pois já era um objetivo perseguido por vários monarcas medievais. O Estado Moderno unificado se caracterizou pelo fato do soberano ter jurisdição sobre todo o país, e ter o poder de tributação sobre todos os seus habitantes, exercer o monopólio de força (exército, marinha e polícia) particularmente através das forças armas.
Aliás, a Centralização[7] tinha um tríplice meta de reis, tais como Henrique II na Inglaterra e Luiz IX da França... O sentimento nacionalista que fornecia o substrato psicológico necessário à concretização do poder monárquico centralizado, também era, de origem medieval.
Na contraprova, temos os casos retratados pela Alemanha[8] e Itália, que só nasceriam mais tardiamente como Estados nacionais centralizados no século XIX devido ao fracasso de suas tentativas no período medieval.
De forma geral, pode-se afirmar que aquilo que não se fez na Idade Média, não se poderia fazer na Idade Moderna. Pois aquela gerava, enquanto que esta desenvolvia. Tanto que, superado o momento de transição e, já dentro da Idade Moderna clássica (séc. XVII e XVIII) - o chamado Antigo Regime -, é ainda essencialmente a Idade Média que encontramos.
Aliás, os três elementos que constituem o Antigo Regime (monarquia absolutista, sociedade estamental e o capitalismo comercial) tinham fundas raízes nos séculos anteriores. Mais uma vez, a essência revela-se em ser medieval, enquanto a roupagem é moderna.
O rei vinha, desde a Idade Média, assistindo seu caráter de soberano ultrapassando o papel de suserano e, o aspecto propriamente monárquico (poder único) sobrepujando o feudal, contratual e os vassalos que se tornaram súditos[9].
A crise geral do século XIV reforçara essa tendência ao desestabilizar a sociedade e, ao transferir para o Estado a responsabilidade pelo restabelecimento da ordem. Tornou-se plausível e possível o rei ganhar poderes totais e absolutos.
De outro viés, a sociedade estamental moderna prolongava a medieval, diferenciando-se desta apenas pelo maior peso relativo do Terceiro Estado[10].
Por fim, o assim o chamado capitalismo comercial representava apenas uma intensificação de atividades mercantis medievais, ampliadas no espaço (América e África), na diversidade de bens (produtos tropicais e escravos negros) e na parcela da população envolvida (crescimento da burguesia).
Nos demais setores econômicos, o quadro permaneceu ainda mais medieval: tanto na agricultura através das técnicas, métodos e produtividade, quanto o artesanato (produtores independentes, corporações de ofício[11]) não conheceram alterações expressivas em relação aos séculos anteriores. Mesmo a articulação entre aqueles três elementos, que caracteriza o todo histórico conhecido por Antigo Regime [12], não era nova.
Crescentemente, a partir do século XIII a realeza já intervinha na economia, o mercantilismo ainda que parcialmente, já representou o produto do século XIV. Desta forma, se compensava pelo menos parcialmente o bloqueio que a sociedade estamental promovia (aristocrática, suntuária e pouco produtiva) correspondendo ao pleno desenvolvimento das atividades econômicas.
Para poder desempenha o referido papel, a monarquia se aproximava estrategicamente da burguesia, mas taxando-a e redistribuindo parte dessas riquezas entre a nobreza decadente, considerada como fiel de balança. A realeza mantinha o equilíbrio entre os estamentos.
Enfim, a dinâmica do Antigo Regime já estava esboçada ao fim da Idade Média. E, como ressaltou Jacques Le Goff[13], não seria absurdo estender os séculos medievais até mesmo as transformações então chamadas de “modernas” e provocadas pela Revolução Francesa e pela Revolução Industrial.
A herança medieval no século XX é como um esqueleto escondido dentro do armário, apesar de não refletir inteiramente na nova face, muito de seu conteúdo apenas vem trajar as novas roupagens vestidas pelo Ocidente.
Popularmente a Idade Média ainda é pouco entendida e mesmo percebida, mas está maciçamente presente no cotidiano ocidental, mesmo aqui, na América, que não teve propriamente o período medieval.
É verdade que há tendência a se creditar muitas dessas características a outros momentos históricos (Grécia clássica, Modernidade), mas isso se deve ao enraizamento do preconceito em relação à Idade Média. Ainda agora, na passagem do século XX ao XXI, vivemos o Ocidente muito ligado à herança medieval.
Observa-se que o patrimônio linguístico ocidental[14] é praticamente quase totalmente de origem medieval, com exceção do basco, idioma cujas origens continuam desconhecidas para os especialistas, as demais línguas se formaram na Idade Média.
Uma terça parte da população mundial atual pensa e ainda se exprime com instrumentos linguísticos que foram forjados na Idade Média.
E, realmente, ao lado do latim que fora legado pela Antiguidade e, mesmo durante a Idade Média empregado nos ofícios religiosos, nas atividades intelectuais e na administração, mas se tornou a língua morta no sentido de não ser adotada integralmente por ninguém, como língua materna,
No século XVIII nasceram os idiomas denominados de vulgares e que são cotidianamente falados por todos, quiçá pelos clérigos. Em verdade, os idiomas se formaram a partir da interpenetração em proporção diferente em cada caso, do celta, latim e do germânico.
E, num evoluir de séculos, o substrato celta tendeu ao longo dos séculos III a.C. e o II d.C. a ser substituído pelo latim, que era a língua dos conquistadores romanos e, sobretudo, a língua mais apropriada para manifestações mais sofisticadas do pensamento humano.
No entanto, os traços celtas participaram na formação do latim popular falado na época romana nos territórios atuais da Espanha, França e Inglaterra. E, em regiões não ocupadas por Roma, o celta permaneceu dominante, como é o caso da Irlanda (irlandês), Escócia (gaélico) e Gales (galês).
A chegada dos bárbaros germânicos não destituiu o latim de sua posição, mas acelerou e redirecionou sua transformação naquilo que seriam os idiomas neolatinos, francês, provençal, italiano, castelhano, catação, gaélico e o português. A intensidade de tal influência dependeu do enraizamento anterior do latim em cada localidade.
De modo em geral, pode-se afirmar que quanto mais ao norte dos territórios romanos, maior seria o peso exercido pelos dialetos germânicos. Nas regiões onde os germanos eram originários, as línguas seguiram sua evolução natural, pouco sentindo a ação e influência do latim, como se percebe no alemão, flamengo, sueco, dinamarquês e norueguês.
Assim, mesmo antes de as tribos bárbaras germânicas terem entrado em território romano já haviam adotados os termos latinos que designavam coisas desconhecidas ou pouco relevantes em sua sociedade.
Por exemplo, Kaufmann, mercador, no moderno alemão, deriva de Kanfo no alemão medieval, vindo do latim caupo, taverneiro. Um pouco mais ao sul da Europa, a tribo de francos, por exemplo, legou 520 (quinhentos e vinte) palavras à futura língua francesa, especial no campo da administração, da guerra e da vida agrária. Mais ainda ao sul, os lombardos deram 280 (duzentos e oitenta) palavras ao italiano então em formação.
Enfocando o exemplo relacionado aos visigodos que legaram à língua portuguesa, noventa léxicos, dentre estes: agasalhar, aleive, bando, banir, bradar, escanção, escaramuça, esgrimir, espeto, espiã, espora, franco, galope, gastar, luva, orgulho, roca, roubar, ufano e, etc...
Outra tribo germânica, a dos suevos forneceu muitos poucos vocábulos, caso de britar (quebrar, aparentado do inglês verbo to break).
Mas, além do substrato latino e das contribuições dos celtas (como por exemplo: bizarro, cama, esquerdo, modorra) e germânica, deve-se lembrar da relevante participação vocabular árabe na constituição do português, legando cerca de quatro mil palavras tais como: alcaide, aldeia, algarismo, almoxarife, alqueira, armazém, arroba, azeite, azul, cetim, chafariz, cifra, fardo, fatia, garrafa, marfim, mesquinho, recife, sofá, xarope e outras.
O caso interessante é ainda mais curioso, por sua posição intermediária. O latim pouco penetrara nas ilhas britânicas, pois a Irlanda e a Escócia jamais foram integradas ao império e a Inglaterra que fora conquistada mais tardiamente em meados do século I a.C., fora efetivamente ocupada somente um século depois e jamais de forma integral.
E, nesse contexto, é justificável entender a chegado dos anglo-saxões tenha um significativo aporte linguístico germânico detectável e que provocou grande recuo do latim e mesmo do celta.
A invasão dos vikings[15] dinamarqueses reforçou essa situação, fornecendo mais de noventas palavras como to die (morrer), knife (faca), law (lei , to take (pegar). Assim, nos séculos VIII e IX o inglês era uma língua puramente germânica, que lembrava em diversos aspectos o alemão.
A reintrodução indireta do latim ocorreria no século XI, quando a Inglaterra fora conquistada por um senhor feudal, Guilherme da Normandia[16], cujos homens falavam um dialeto neolatino, aparentado ao francês que estava em pleno processo de formação.
Aliás, até 1413 o francês foi o idioma oficial da corte inglesa. E, apesar desse trilinguismo (latim na Igreja, francês na corte, o anglo-saxão nos campos e ruas), a estrutura da língua inglesa continuou germânica, mas o vocabulário recebeu muitas contribuições de fundo latino.
Surgiram dualidades paradoxais vocabulares, que expressam bem a curiosa situação político-social.
O boi vivo era a única forma conhecida pelos camponeses, e continuou a ser designado em anglo-saxão, ox, enquanto o boi como carne, consumida pelos conquistadores, recebeu a palavra de origem francesa, beef, vindo de boeuf, boi, que por sua vez derivou do latim bos.
O mesmo se deu com sheep (carneiro vivo) e mutton (carne de carneiro, vindo do francês mouton), formado por sua origem do gaulês, isto é, celta local, multo. Os dominadores forneceram compreensivelmente muitos termos militares, caso de castle (de château, do latim castellum) e tower (de tour, do latim, turris).
Em vários casos, há no vocabulário inglês moderno, duas palavras uma de origem latina e outra de origem germânica, ambas com a mesma significação, ainda que com tempo, a primeira viesse a ganhar um tom mais erudito, mais literário e, a segunda fosse mais popular e mais cotidiano. E, o caso, a título de exemplo, de liberty que deriva de liberté, e esta de libertas, freedom.
Esse processo fez com que a língua inglesa tenha cerca da metade de seu vocabulário proveniente do latim, o que um conhecedor mais desavisado não percebe é que já que no inglês contemporâneo, falado e popular, privilegia pelas razões históricas de sua formação, as raízes germânicas.
Entretanto, quanto mais formal, mais erudito e mais tradicional for o inglês lido ou falado, mais ele recorrerá ao seu amplo léxico de procedência latina. Pois a língua inglesa acabou por ter um vocabulário mais extenso do o dos idiomas neolatinos.
O patrimônio político do Ocidente atual também é, em grande parte, medieval. Diferentemente do que a maioria pensa e acredita, a democracia ocidental é muito mais medieval do que propriamente grega[17].
Esta era, em verdade, era produto de pequenas cidades-Estados, de reduzida população em exercício da cidadania, o que permitia uma participação direta no processo político decisório.
Os Estados nacionais contemporâneos, de área e população cidadã muito maiores, baseiam-se no esquema contratual e representativo nascido em plena monarquia feudal.
É sabido inclusive que o rei feudal tinha papel de duplo caráter, de soberano e de suserano; O primeiro caráter de origens antigas, atribuía-lhe os poderes imensos e sagrados. E, o segundo caráter, de origem germânica, implicava na bilateral relação, com o rei estando subordinado ao direito consuetudinário do seu povo e com os vassalos tendo o direito de resistência no caso de ele desrespeitar aquela relação[18].
Um dos aspectos mais relevantes das limitações contratuais dos poderes do rei feudal dizia respeito à cobrança de impostos. Nenhuma taxa[19], além das estabelecidas pela tradição, poderia ser cobrada sem concordância dos vassalos. Quando o contexto de fins do século XIII e de todo o século XIV gerou forte necessidade de recursos, o rei viu-se obrigado a criar assembleias representativas para nelas tentar obter consentimento para cobrar novos tributos.
E, assim, reforçou-se o contratualismo[20] político. Se de forma geral os séculos XV e XVIII com suas constantes guerras nacionais, reforçaram o poder real, resgatando seu caráter soberano, passadas aquelas circunstâncias o contratualismo politico ressurgiu com toda a força.
A resistência ao poder monárquico absolutista centralizou-se nas assembleias representativas: assim foi na Revolução Inglesa de 1688 e na Revolução Francesa de 1789.
Desde então, o poder do monarca e, por extensão, de seus substitutos nos regimes republicanos, viu-se limitado, prevalecendo a ideia de que ele governa em nome do povo. É fácil identificar, trata-se da concepção dos bárbaros germânicos. Influenciada por essa concepção, vieram os juristas medievais, recuperar e interpretar o Direito Romano a partir do século XII destacaram dele o princípio (da época republicana de Roma) segundo o qual o povo é a fonte da autoridade pública.
Em razão desse contexto, João de Salisbury[21] depois de exaltar a figura do rei, lembrava que mater um tirano é não só lícito como também um direito e um dever.
Portanto, países de fortes raízes germânicas puderam manter-se monárquicos e, altamente democráticos, até hoje.
Dos quinze países que atualmente formam a União Europeia, quase a metade, mais precisamente sete, ainda são monarquias (Inglaterra, Holanda, Bélgica, Suécia, Dinamarca, Noruega e Espanha). Dos demais, sete deixaram de ser monarquias apenas no século XX.
Por contraprova do caráter monárquico e democrático dos países germânicos, temos os países de acentuada formação latina e menos intensa feudalização, cuja interpretação medieval do Direito Romano baseava-se no princípio da época imperial de Roma, de o desejo do príncipe tem força de lei.
Entende-se, assim, o terreno por longo tempo favorável ao autoritarismo, e que no século XX desembocou no fascismo, no salazarismo e no franquismo.
Um caso oriental esclarece ainda mais a questão: o Japão dos séculos XIV e XV apresentava diversas semelhanças com o Ocidente feudal, mas ali, a monarquia não entrou no jogo das relações bilateral.
Desta forma, o isolamento do imperador exclui a possibilidade do gênero de legado constitucionalista que o feudalismo europeu transmitiu ao Ocidente. E só após, a derrota na Segunda Guerra Mundial, o imperador japonês foi obrigado a negar seu caráter divino.
É interessante observar como a União Europeia, atualmente formada, baseia-se conscientemente ou não, no modelo na cristandade medieval. Principalmente no reconhecimento de uma identidade europeia profunda, apesar de todas as especificidades locais.
Tanto no século X como no século XX, buscou-se uma harmonia entre o nacionalismo e o europeísmo. E, se percebe que a unidade supranacional permitida por uma história e valores culturais comuns pode fortalecer a Europa diante das demais sociedades humanas. Sejam estas de Bizâncio, do Islã e, mesmo os EUA e o Japão contemporâneo.
O interessante que significativamente, a Comunidade europeia vê nas peregrinações medievais a Santiago de Compostela um primeiro ensaio daquilo que ela própria hoje deseja: todos os europeus, de diferentes idiomas e categorias sociais, dirigindo-se a um mesmo objetivo.
O patrimônio de valores sociais tem muito de medieval conforme os dois exemplos, propositadamente extremados. O primeiro, é o elemento central no Ocidental de hoje, que é o individualismo, a valorização da pessoa em si, independentemente de sua colocação na hierarquia social, política, econômica e cultural.
Indivíduo que, apesar de obviamente fazer parte de diversas coletividades (família, empresa, clube, Estado, etc) não se reduz a esses papéis, mesmo neles mantém sua personalidade conserva os direitos pessoais reconhecidos pela sociedade.
O segundo exemplo, de uma prática cotidiana, é o cumprimento feito com a mão direito (menos no caso dos canhotos) estendida, apertando outra mão direito, gestão mecânico, tão mecânico, tão automático, que poucos percebem estar repetindo o gesto da paz social da época feudal, quando ele demonstrava ao interlocutor a ausência de armas e assim a boa vontade no estabelecimento de uma relação sociável.
O individualismo num afresco pintado por Simone Martini em 1328 no Palazzo Pubblico de Siena retrata o individualista mostrando a figura desse chefe militar sienês, cavalgando sozinho, em primeiro plano, com cidades ao fundo, talvez seja a primeira representação artística do individualismo, indício evidente da valorização daquele sentimento social.
O patrimônio das práticas econômicas deriva em muito de fatores anteriores. O crescente domínio sobre a natureza e a colocação desta a serviço do homem gerou uma postura de busca da riqueza que a partir do século XI foi caracterizando cada vez mais a civilização ocidental.
Tal visão materialista, ao desvirtuar os princípios da sociedade cristã, deu origem a reações tão diversas quanto à exaltação da pobreza (São Francisco) e da igualdade (Marx).
De qualquer maneira, para uma ou outra dessas opções de vida, o pressuposto é a existência de um livre-arbítrio. E, este, aliás, que viabiliza a democracia, vista como o único regime no qual se pode dar o exercício social da razão. E, significativo que a negação da democracia implique a negação da razão e a exaltação de sentimentos e da violência, para grandeza da pátria, do chegue ou de um grupo social.
Para os fascistas italianos, a solução dos problemas nacionais estava na aplicação do lema: crer, obedecer e combater. Para Hitler, "não é a inteligência que tirou a Alemanha da situação angustiosa em que se encontrava, mas nossa fé". Para Stalin, "a ditadura do proletariado é um poder revolucionário que se apoia na violência contra a burguesia".
Foi a mentalidade materialista, justificada religiosamente, que desde fins da Idade Média levou o Ocidente à conquista do mundo. Tanto as Cruzadas[22] contra os muçulmanos quanto a conquista da América aos indígenas tiveram caráter de guerra santa e de obtenção de riquezas.
No século XIX, a colonização da África e da Ásia era considerada o "o fardo do homem branco", ou seja, o dever dos ocidentais de levar a civilização para os povos inferiores.
Era o homem ocidental cumprindo seu destino histórico. Para tanto ele sempre contou com a força das máquinas, desde a Idade Média Central já utilizadas mais do que em qualquer outra civilização este "é um dos fatores determinantes da preponderância do hemisfério ocidental sobre o resto do mundo".
O patrimônio intelectual de origem medieval é impressionante. Dele fazem parte às universidades, que até hoje preservam de suas origens no século XII a pedagogia (aulas expositivas e debates de textos), a concessão de título (tese submetida a uma banca examinadora), a concessão do direito exercício profissional (licentia docendi), a estrutura administrativa (reitor, diretor e divisão em faculdades), o auxílio aos membros necessitados (concessão de bolsas aos estudantes carentes).
Também fazem parte desse patrimônio inúmeras técnicas intelectuais. É o caso da minúscula carolina (século VIII), base da caligrafia moderna e dos caracteres de imprensa. Dos algarismos arábicos (século X), precondição para a matemática moderna e, assim, para as demais ciências exatas.
Do livro, bem mais manejável que os rolos de pergaminho da Antiguidade e, provido de melhores meios de utilização, como os índices (século XII), possibilitadores dos dicionários e enciclopédias.
Da contabilidade de partida dobrada, isto é, de débito e crédito, criada em Gênova em 1340 e difundida em 1494 com a obra de Luca Pacioli.
Dentro do patrimônio científico que é muito ligado ao anterior, explica a superioridade tecnológica e econômica que o mundo ocidental ostenta crescentemente desde o século XII
Na base, está a visão racionalista do universo, que era produto da concepção cristã de Deus. Aceitando a existência de uma Unidade Cosmológica, o homem medieval via todas as coisas ligadas entre si.
Essa conexão, que era percebida por meio de símbolos por todos os indivíduos, independentemente de nível cultural, passou desde o século XIII a ser estabelecida intelectualmente, ao menos nos restritos círculos cultos. Nestes, almejava-se harmonizar fontes à primeira vista antagônicas. Foi o que ocorreu na literatura, por exemplo, com a cristianização de temas folclóricos como o Graal.
Ou no Direito Canônico com a importante compilação de Graciano[23], de meados do século XII, como transparece pelo próprio título: Corcordantia Discordantium Canonum. Ou na filosofia e teologia escolástica em especial com Tomás de Aquino.
Mais precisamente, a visão racional de mundo vinha desde a Antiguidade, com as tentativas de harmonização entre a filosofia grega e o cristianismo. A religião cristã, ao dessacralizar a natureza, não mais vista como um conjunto de divindades, traz em si certa atitude racionalista.
A regularidade dos fenômenos naturais (estações, cheias, vazantes, dia, noite, ciclos de gestação e, etc), faz deles janelas de acesso ao divino.
O homem, feito à imagem e semelhança de Deus, identifica-se com a natureza, também ela imagem do Criador. Daí, porque São Francisco dizia ser irmão dos animais, plantas e dos astros. O texto bíblico, ao cogitar que a realidade invisível de Deus "tornou-se inteligível, desde a criação do mundo, através das criaturas", permite o exercício da razão filosófica como uma revelação natural da Divindade.
Divindade essa que é participante, criadora, ao contrário do Demiurgo de Platão, que apenas modelo o mundo com a matéria preexistente, e ao contrário do Princípio Primeiro de Aristóteles, transcendente, mas também imanente ao universo, que é eterno. Assim, o Deus cristão é racional e cognoscível.
Entende-se, dessa forma, por que o mundo muçulmano medieval, apesar de ter conhecido profundamente a filosofia e a ciência gregas, não desenvolveu uma postura racionalista e cientificista como o Ocidente cristão.
Francis Oakley[24] chamou a atenção, com razão, para o fato de que no islamismo há uma imensa carga religiosa, com o Corão comparativamente ocupando nele "quase o lugar que a figura de Cristo ocupa no cristianismo".
Daí, o texto sagrado muçulmano não ser submetível a uma análise filosófica. Caso o Novo Testamento tivesse para a sociedade cristã o mesmo significado que o Corão para a sociedade islâmica, é pouco provável, por exemplo, que o Direito Romano viesse a ter no mundo ocidental o papel que teve.
Mais ainda, é pouco provável que tivesse podido "se produzir o encontro decisivo entre o pensamento filosófico grego e o ensinamento bíblico que tanto contribuiu para dar forma à tradição ocidental”.
Foi graças a esse encontro que Tomás de Aquino[25] pôde aceitar em Deus a primazia da razão sobre a vontade, vendo na Criação não apenas uma manifestação da liberdade e da onipotência divinas, mas, sobretudo, um ato racional.
Por essa razão, todas as coisas criadas participam da ordem inteligível do universo. Por isso, o homem tem livre-arbítrio, capacidade para forjar seu destino de acordo com o valor possuído, o esforço despendido e o respeito devotado às leis universais.
Enquanto as civilizações asiáticas apesar de tão desenvolvidas em diversos aspectos, concebem Deus como um ser arbitrário e irracional, de cuja conduta não se pode extrair os princípios gerais. O Ocidente aceita a possibilidade de encontrar Deus através da Criação. Observar e questionar a natureza são um exercício religioso e intelectual, sendo gerador do racionalismo medieval bem anterior mesmo à redescoberta de Aristóteles no século XII.
A Iluminura intitulada “O Criador Geômetra” da chamada Bíblia de São Luís, atualmente na catedral de Toledo, foi bem significativo do século XIII, retrata Deus que trabalha cientificamente com um compasso nas mãos, demonstrando que
Nele prevalece a razão sobre a vontade ou poder. Por esse motivo a natureza é mãe da geometria, fabricante de círculos, esferas e hexágonos, espirais perfeitos em astros, flores e colmeias. Por isso, a natureza, segue as leis da busca pela máxima eficiência, isto é, a busca de melhores resultados com o menor dispêndio possível de energia.
A partir da Idade Média Central não se praticou um racionalismo apenas teórico como também se começou a perceber a necessidade da experimentação. Em fins do século XIII o franciscano Roger Bacon[26], professor nas universidades de Paris e Oxford, criticava a excessiva subserviência de alguns contemporâneos seus a Aristóteles e propunha enriquecer o racionalismo com o empirismo.
“Ah, se os homens procurassem estudar o mundo ao seu redor, em vez de mergulhar nos trabalhos da Antiguidade, a ciência ultrapassaria as maravilhas da arte mágica. Poderiam ser construídas máquinas por meio das quais os maiores navios, com um único homem a dirigi-los, vogariam mais rápido do que se estivessem cheios de remadores; poderiam ser construídos carros capazes de correr com incrível velocidade e sem auxílio de animais; máquinas voadoras poderiam ser fabricadas [...]; máquinas tornariam possível ir ao fundo dos rios e dos mares [...]”.
Em síntese, a cientificidade pautada na observação, matematização, experimentação e conceituação resulta de acordo com Alexandre Kojève, do único dogma cristão que é exclusivo dessa religião - a Encarnação.
Especificidade reconhecida por Santo Agostinho[27], que representou uma das maiores autoridades medievais, ao ver na obra de Platão toda a doutrina cristã, exceto a Encarnação.
A riqueza científica dessa ideia está no fato de representar o ponto de encontro e intersecção de homem/Deus, particular/geral, empírico/abstrato, histórico/ eterno.
A essa constatação fundamental poder-se-ia somar que a modalidade ocidental de cristianismo deve ser considerada: os cristãos bizantinos, mais inclinados ao misticismo e à contemplação da Encarnação do que à observação objetiva desta, não tiraram desse conceito todas as suas implicações científicas.
O patrimônio psicológico ocidental também deve muito à Idade Medieval.
No século V, com Santo Agostinho, o conceito de um tempo pessoa íntimo, de ritmo variável conforme as emoções sentidas pelo indivíduo em certas circunstâncias da vida. E, do século VI, o conceito de tempo irreversível, contabilizado pelo número de anos que se seguem ao nascimento de cristo.
É apenas no século XII, o conceito de amor enquanto relação igualitária, física e espiritual entre duas pessoas que surge. É do século XIII a noção de confissão individual e renovável, corolário de uma longa formação anterior, o estabelecimento da prática cotidiana na interiorização, da autoanálise, verdadeira pré-história da psicanálise.
Não há nenhuma contradição no fato de esta técnica ter sido formulado por um judeu, Sigmund Freud, pois se tratava também de grande conhecedor da Bíblia, inclusive o Novo Testamento, e, enquanto cientista ocidental, de pessoa inconscientemente embebida naquele comportamento introspectivo peculiar da Idade Média.
O patrimônio imaginário também devedor da Idade Média, com a memória coletiva adaptando os dados medievais aos momentos de sua manifestação. No século XIII, as cores do esquema trifuncional dos indo-europeus (branco, preto e vermelho) foram substituídas na preferência ocidental pelo azul, a mais usada até hoje e, a cor oficial da União Europeia.
Em diversas manifestações ocidentais encontramos elementos medievais tão amalgamados à nossa cultura contemporânea que nem sequer lembramo-nos de sua total inspiração medieval.
Vejamos o caso da literatura de “Argila e cinzas” (Oldenbourg, 1946), “O senhor dos anéis” (Tolkein, 1954-1956), “Os reis malditos” (Druon, 1955-1957), “A obra em negro” (Youcernar, 1968), “A pedra do Reino” (Suassuna, 1971), “O quarto das senhoras” (Bourin, 1979), “O Nome da Rosa” (Umberto Eco, 1980), “As Brumas de Avalon” (Bradlwy, 1982).
Tal é o caso do cinema de “O sétimo selo ergman”, 1956), “Vikings, os conquistadores” (Cardiff, 1958), “Camelot”, (Logan, 1967), “Perceval, o galês” (Rohmer, 1978), “Excalibur” (Boorman, 1981), “O incrível exército de Brancaleone” (Monicelli, 1985), “Feitiço de Aquila” (Donner, 1985), “Em nome de Deus”(Donner, 1988), “Rob Roy”, “A saga de uma paixão” (Caton, 1994), “Coração valente” (Gibson, 1995).
Outras vezes, a influência medieval é menos evidente mas não menos verdadeira. É o que vemos na escultura de Auguste Rodin (1840-1917), na pintura impressionista de Paul Cézanne (1839-1906) e Paul Gauguin (1848-1903), na expressionista de Max Beckmann (1884-1950) e James Ensor (1860-1949).
Na literatura e no cinema, é o que mostra “O Golem” (Meyrink, 1915), “Viagem a São Saruê”(Santos, 1947), “Crônicas marcianas” (Bradbury, 1951), “Grande sertão: veredas” (Guimarães Rosa, 1956). No cinema, “A ameaça veio do espaço” (Arnold, 1953), “A noite do lobisomem” (Fisher, 1961), “2001, uma odisseia no espaço” (Kubrick, 1968), “O fantasma do Paraíso” (DePalma, 1974), “Guerra nas estrelas” (Lucas, 1977), “Os caçadores da arca perdida” (Spielberg, 1981), “O padre” (Bird, 1994), “Highlander3”, “O feiticeiro” (Morahan, 1994).
Lembremos que no Brasil que vivia em plena pré-história enquanto que a Europa estava na chamada Idade Média, muitos elementos medievais continuam presentes. A colonização portuguesa introduziu práticas que, apesar de já então superadas na metrópole, foram por aqui aplicadas com vigor, inaugurando o clima de arcaísmo que marca muitos séculos e em muitos aspectos da história brasileiro.
Há quem tenha detectado a pertinência da herança medieval no Brasil, mas limitou sua presença apenas até o século XVII. E, na realidade, ela continua viva ainda hoje nos traços essenciais.
Os dois elementos culturais que enquadram a consciência de nacionalidade são de origem medieval. O próprio nome de nosso país vem da "ilha afortunada" chamada O'Brasil[28], identificada nos séculos XIV e XV com as Canárias, antes de sê-lo com a América. A tradicional associação da terra descoberta por Cabral com a madeira tintorial que foi encontrada e chamada de pau-brasil, desconsidera que a própria madeira tirara seu nome da mítica ilha medieval.
O idioma obviamente é aquele introduzido e impostos pelos colonizadores, idioma que, como todos os do mundo ocidental, nascera na Idade Média.
Na vida política, a duplicidade de um poder central teoricamente forte e a realidade dos poderes locais atuantes ainda permanece. O que deixou profundas raízes, foi o sistema de capitanias que era o mesmo sistema usado pelas comunas italianas medievais nas suas colônias do Oriente Médio e nas ilhas mediterrâneas, mais especificamente por Gênova, que nos séculos XIV e XV mantinha íntimas relações com Portugal.
As primeiras capitanias portuguesas, nas Ilhas Canárias foram, entregues em 1370 a um capitão genovês. O funcionamento do sistema foi o mesmo na Idade média, e nos séculos XVI e XVII: cada donatário tinha o usufruto das terras e nelas poderes regalianos como arrecadar, aplicar a justiça, convocar milícias. Intermediária privilegiada entre o poder monárquico e os colonos, a figura do donatário gerou no Brasil o personalismo típico das relações medievais, responsável pela fraqueza de instituições políticas brasileiras dos séculos seguintes.
O aspecto social, por longo tempo, e ainda hoje, em certas regiões prevaleceu a família patriarcal, que dificulta a transformação do indivíduo em cidadão, dos interesses particulares em interesses gerais e, por consequência, a consolidação do Estado.
O patriarca, um termo correspondente linguística e funcionalmente ao senior feudal (o mais velho) constituída em suas amplas terras uma espécie de micro-Estado que produzia quase tudo que era necessário para a vida e para a população.
O patriarca detinha o poder de vida e morte sobre os seus familiares. Que eram dependentes de riquezas e da proteção fornecida pelo patriarca, os demais habitantes daquela terra também estavam subordinados ao seu poder.
Era essa a organização colonial e imperial e se transferiu para a República, por longo tempo, chamada de aristocracias regionais. Mesmo a recente democratização recente do país, não eliminou o resistente clientelismo e seu pressuposto, que se explica o lema "que é dando que se se recebe".
No aspecto jurídico, as normas formalmente derivadas do Direito Romano não escondem a força de um direito consuetudinário informal e paralelo, e também de um conjunto de ilegalidade socialmente aceitas e toleradas.
Essas quase sempre são praticadas em detrimento do Estado que cotidianamente assaltado em suas prerrogativas, e muitas vezes, por dentro, por parte de seus altos funcionários e dos próprios governantes.
Tal qual na época feudal, o Estado brasileiro não conhece a chamada coisa pública, ou res publica, é sempre propriedade dos mais fortes e espertos. Ao longo de nossa história brasileira, pouso se distinguiram as noções de público e privado, da mesma forma que ocorria na sociedade feudal, na qual tudo é privado e ao mesmo tempo, tudo se orna público.
No plano econômico, a situação brasileira é fundamentalmente agrária até meados do século XX denuncia o passado medieval transplantado pelos portugueses e prolongado pelo sistema colonial mercantilista e pelo neocolonialismo industrial.
Da mesma forma que o sistema de valores medievais exaltava a aventura dos cavaleiros andante, o destemor religioso do cruzado, o espírito de risco e aventureiro do mercador que partir para locais distantes, por muito se desprezou no Brasil, o trabalho cotidiano e rotineiro.
A ocupação do solo e a exploração de riquezas naturais deram-se no chamado Brasil moderno e contemporâneo, de forma predatória e semelhante à praticada na Europa medieval.
E, ao caráter agrário soma-se à urbanização europeia fora tênue até o século XI, particularmente a brasileira, até fins do século XIX.
No contexto cultural, a presença da globalização neste início de milênio contém ainda alguns elementos medievais ainda são visíveis. O Rei Arthur e Carlo Magno estão presentes com frequência na literatura nordestina de cordel, cuja temática e transmissão são essencialmente orais e tratam de prologar a poesia europeia da Idade Média, em pleno Brasil do século XX.
E, mesmo as criações eruditas do Nordesta presentes nos textos de Ariano Suassuna inspiraram-se fundamentalmente em fontes medievais. Há no calendário brasileiro a presença de quatorze feriados oficiais, enttre os quais onze são de origeme medieval.
Festas como o Carnaval, no Rio de Janeiro e, no Nordeste, o Bumba-meu-boi, a Procissão de Círio em Belém do Pará tem nítidas raízes medievais.
Igualmente na religiosidade brasileira, sincrética e muito informal tem em seu bojo diversos traços medievais, tais como as irmandades, o culto a santos não canonizados ou não, como é o caso do Padre Cícero, a visão mágica de sacramentos (furtar hóstias consagradas para fazer amuletos fora comum na Europa medieval e também no Brasil colonial), o sentimento messsiânico e milenarista, como o sebastianismo, Canudos e determinados eventos políticos recentes, várias superstições (como a de espelho quebrado, a saliva que cura e mata e o entrar com o pé direito).O processo de formação do catolicismo brasileiro também lembra o fenômeno na Idade Média. Percebe-se que ocorreu uma cristanização do paganismo e uma paganização do cristianismo, no Brasil deu-se a cristianização do culto africano e, simultaneamente, uma africanização do cristianismo.
É verdade que o há de mais vivo no presente é mesmo o passado, e no caso da civilização ocidental não é raro identificar tal passado com a Idade Média. Mas, assiste razão ao escrito tcheco Milan Kundera que afirmou que a atualidade é um acontecimento destinado a ser esquecido rapidamente.
Enfim, o mundo com obsessão pelo presente é um mundo fadado ao esquecimento.
ReferênciasFRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média. Nascimento do Ocidente.2ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 2001.COSTA, Ives Leocelso Silva. A transição da Idade Média para a Idade Moderna: uma análise crítica. Disponível em: http://revistatempodeconquista.com.br/documents/RTC19/IVESCOSTA.pdf. Acesso em 20.2.2017.M. -D. CHENU, Lèveil de la conscience dans la civilisation médiévale, Montreal-Paris: Institui d'études médiévales – Vrin, 1969. C. G. CRUMP e E. F. JACOB, El legado de Ia Edad Media, Madri: Pégaso, 1944.J.LE GOFF, “Pour un long Moyen Áge, Paris: Gallimard, 1984 ________L'imaginaire médiéval, Paris: Gallimard, 1985. A, KOJÈVE, L'origine chrétienne de la science moderne”, vol.II em Mélanges offerts à Alexandre Koyré, Paris: Hermann, 1964.L. WECKMANN, La herencia medieval del Brasil, México: Fondo de Cultura Económica, 1993.OLIVEIRA MARQUES, A. H., Guia do estudante de História Medieval portuguesa, Lisboa: Estampa, 1979.ESPINOSA, F, Antologia de textos históricos medievais, Lisboa: Sá da Costa, 1972.BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, GIanfranco. Dicionário de Política. Volume 1, 11ª edição. Brasília: Editora UnB, 1998.
[1] É quase automático quando se cogita de Idade Média lembrarmos como sendo a "idade das trevas". Esse tipo de conceituação pretende dar uma perspectiva negativa ao tempo medieval. Tamanha depreciação, é necessário que investiguemos os responsáveis pela crítica à Idade medieval, é preciso entender que durante o Renascimento, o movimento intelectual do período moderno que observamos a progressiva consolidação desta visão histórica.
Assim, para os renascentistas, o intenso fervor religioso dos medievais representava um grave retrocesso para a ciência.
A visão da Idade Média é simplificada para ser o mero oposto aos ditames e valores que dominaram a civilização greco-romana. Por isso os renascentistas se deram ao trabalho de sequenciar o conjunto de traços culturais, estéticos e científicos que foram primados ainda na Antiguidade Clássica e melancolicamente abandonados entre os séculos V e XV.
Porém, um olhar mais atento sobre o mundo medieval nos revela que estas considerações estão distantes de vários acontecimentos dessa época.
[2] As permanências faze, com que a presença medieval ao longo dos séculos. Sobre a passagem da Antiguidade Clássica para a Idade Média a maior parte da historiografia preferete apenas enfatizar os pontos comuns. Somente muito recentemente é que se passou a recusar a pretensa oposição havida entre medievalidade e modernidade.
Mas, é forçoso admitir que as estruturas modernas são, no fundo, muito medievais.
Lembremos que a Idade Média fora definida pela historiografia do século XIX como período entre o fim do Império Romano do Ocidente, em 476 e, o fim do Império Bizantino em 1453. Sua denominação foi utilizada pela primeira vez pelo poeta italiano Francesco Petrarca, no século XIV, para se referir aos séculos que julgava ser de barbárie entre a Antiguidade Clássice e seus dias.
A Idade Média foi muito criticada pelos iluministas e por outro lado fora idealizada pelos românticos, mais sem dúvida, foi o período que mais passou por reavaliações e ressignificações.
[3] A complexidade em torno da Idade Média foi terreno fértil para os pesquisadores e teóricos do século XX, especialmente da Escola dos Annales, que lhes conferiram atualidade.
O início do medievo tornou-se ponto pacífico na historiografia com o desenvolvimento de um conceito atualmente consagrado: o de Antiguidade Tardia e rompeu com a visão eventualista da periodização clássica e abandonou a ideia de ruptura com o fim do Império Romano, enxergando, em seu lugar, uma série de continuidades e lentas transformações que aconteceuram do século III ao século VIII.
[4] O neoplatonismo é o termo que define o conjunto de doutrinas e escolas de inspiração platônica que se desenvolveram do século III ao século VI, mais precisamente da fundação da escola alexandrina por Amônio Sarcas (232) ao fechamento da escola de Atenas imposto pelo Edito de Justiniano, de 529.
É direcionado para os aspectos espirituais e cosmológicos do pensamento platônico, sintetizando o platonismo como a teologia egípcia e judaica. No entanto, os neoplatônicos se consideravam simplesmente platônicos e, a distinção moderna é devido à percepção de que sua filosofia continha interpretações suficientemente originais a Platão apra torná-la substancialmente diferente do que Platão escreveu.
Tais pensadores da escola neoplatônica relacionaram seus pensadores com outras escolas intelectuais como as vertentes de cristãos como Agostinho, Boécio, João Escoto Erigena e Boaventura de Bagnoregio, enquanto que o pensamento cristão influenciou e as vezes converteu filósofos neoplatônicos como pseudo-dionísio, o aeropgita.
Na Idade Média, os argumentos neoplatônico foram considerados seriamente por pensamentos islâmicos e judeus medievais como al-Farabi e Moisés Maimônides e despertou interesse novamente no Renascimento com a aquisição da tradução de textos neoplatônico em grego e árabe.
[5] O século XIV em decorrência da Peste Negra e da guerra dos cem anos (entre França e Inglaterra) deu-se uma franca redução da produção agrícola que ocasionou a falta de alimentos e aparecimento da fome por grande parte da Europa feudal.
Por conta disso, os senhores feudais passaram a aumentar as taxas de impostos para os camponeses, situação que levou a diversas revoltas camponesas que promoveram ataques aos senhores feudais. Tais acontecimentos ficaram conhecidos como Jacqueries, o que significava Jacques bom homme, ou Jacques, o simples, apelido pejorativo dado aos camponeses pela nobreza.
Os servos estavam insatisfeitos com a pequena quantidade de produção que lhes restava, logo iniciaram movimentos de revolta contra as relações de servidão. Assim os senhores na tentativa de evitar as revoltas, por exemplo, em França e na Inglaterra em 1381.
A revolução camponesa de 1358, em França, foi palco de uma imensa brutalidade, tanto por parte dos camponeses quanto pela violência para coibir a revolta, realizada pelos senhores feudais.
A verdade que as sublevações camponesas no século XIV contribuíram para a posterior formação das monarquias europeias pois vários governantes formaram exércitos comandados por um monarca para proteção do seu reino.
[6] Marco Polo (1574-1324) foi mercador, embaixador e explorador. Nasceu na República de Veneza na Idade Média. Juntamente com o seu pai e seu tio, Nicolau Polo e Matteo Polo que foram os primeiros ocidentais a percorrer a Rota da Seda. Partiram no início de 1272 do porto de Laiasso (Layes) na Armênia. O relato detalhado de suas viagens pelo Oriente incluindo a China fora durante muito tempo uma das poucas fontes de informação sobre a Ásia no Ocidente.
A data e o local de nascimento exatos de Marco Polo são desconhecidos, e as teorias atuais são na sua maioria conjecturais. No entanto, a data específica mais citada é em algum lugar "em torno de 1254",e é geralmente aceito que Marco Polo nasceu na República de Veneza. Embora o local de nascimento exato seja desconhecido, a maioria dos biógrafos apontam para a própria Veneza como cidade natal de Marco Polo. Seu pai Niccolò era um mercador que comerciava com o Oriente Médio, tornando-se rico e alcançando grande prestígio. Niccolò e seu irmão Matteo partiram em uma viagem para comércio antes de Marco nascer.
Em 1260, Nicolau e Matteo estavam residindo em Constantinopla quando previram uma mudança política; liquidaram seus ativos em jóias e se mudaram.
De acordo com “As Viagens de Marco Polo”, eles passaram por grande parte da Ásia, e se encontraram com Kublai Khan. Entretanto, a mãe de Marco Polo morreu e ele foi criado por uma tia e um tio. Marco Polo foi bem educado, aprendendo assuntos mercantis incluindo moeda estrangeira, avaliação e manutenção de navios de carga, embora tenha aprendido pouco ou nada de latim.
[7] Portugal foi o primeiro caso de poder centralizado, desde seu desmembramento do Reino de Castela em 1139, os reis da dinastia Borgonha jamais renunciaram o controle das leis e dos tribuais e nem da exclusividade na cunhagem de moedas.
As terras concedidas a novres aliados nas guerras, durante a formaçaõ do território lusitano, em última instância eram parte integrante do patrimônio real. Basicamente são tais motivos que nos levaram a afirmar que o Reino de Portugal foi o primeiro Estado centralizado da Europa Ocidental, desde a fragmentação do Império carolíngeo.
[8] Nos séculos XII e XIII a Alemanha e a Itália estiveram imersas na rivalidade existente entre duas famílias principescas: os Hohenstaufen da Suábia, denominados gibelinos na Itália, e os Welfs da Baviera e da Saxônia, conhecidos como guelfos na Itália.
Com a morte de Henrique V os príncipes elegeram imperador Lotario II, duque da Saxônia, que tentou converter e dominar o leste. Depois de seu falecimento, os príncipes elegeram Conrado de Hohenstaufen, duque da Suábia e a guerra civil explodiu novamente (guelfos – gibelinos) enquanto Conrado dirigia a desafortunada Segunda Cruzada, que se desenvolveu de forma paralela ao conflito guelfo-gibelino na Itália.
[9] Na sequência do estatuto político ocidental identifica-se: na Grécia (cidade-Estado) o polites, o cidadão que era o homem libre habitante da cidade; em Roma ( Imperium): civis, o cidadão que era o homem livre habitante do Império; na Idade Média, no feudo há o servo ou o vassalo que era dependente do senhor feudal ou suserano; na Idade Moderna: monarquia nacional havia o súdito, o homem livre vivendo num reino; na Idade Contemporâneo, na República, o cidadão emancipado do Estado nacional. E, no futuro, preconiza-se uma república universal: o cidadão do mundo num governo mundial.
[10] O terceiro Estado em francês tiers état indicava as pessoas que não faziam parte do clero (Primeiro Estado) e nem da nobreza (Segundo Estado). Assim, o Terceiro Estado constituía a maioria da população, o que correspondia aproximadamente a noventa e oito por cento, havendo assim, cortesãos, burgueses e camponeses.
A função do Terceiro Estado era sustentar a sociedade e o Estado. E, pagavam, ao contrário do clero e da nobreza, os impostos ao Estado e também os direitos senhoriais.
O Terceiro Estado era bastante heterogêneo e dele faziam parte a alta burguesia composta de banqueiros e grandes empresários, a média burguesia tais como profissionais liberais, a pequena burguesia composta de artesãos e lojistas e os sans-culottes que eram trabalhadores, aprendizes e marginalizados urbanos.
[11] A burguesia uniu-se ao rei e formou o Estado-nação. A resistência das corporações de ofício, que reuniam os artesãos de cada cidade, contra a entrada de produtos que vinham de fora e concorriam com as suas mercadorias, a cunhagem e circulação de moedas restritas respectivametne aos senhores e seus feudos, a autonomia de novbre na cobranã de pedágios sobre a passagem por seus domínios, daí a intransigente defesa do direito de ir e vir realizada pela burguesia nos séculos posteirores, a vigência de inúmeros sistemas de pesos e medidas, e a falta de legislação uniforme que protegesse os interesses dos comerciantes, constituem os mais importantes dos entraves ao comércio.
[12] O Antigo Regime foi um sistema aristocrático, político e social que surgiu na França no fim da Idade Média. Esse regime começou com a formação dos Estados Nacionais.
Foi caracterizado pelo absolutismo expressão oferecida pelos iluministas, na qual o rei tem poder sem limitações jurídicas.
O termo "Antigo Regime" foi criado pelo historiador francês Alexis de Tocqueville (1805-1859) para se referir ao sistema público, econômico e social que se originou na França e, posteriormente se difundiu ao longo dos séculos XVI ao XVIII pela Europa Ocidental, abrangido suas colônias nas Américas e no restante do mundo.
Foi marcado pela forte centralização do Estado na mão do rei, algo conhecido como monarquia absolutista, a qual teve como grande modelo o rei Luís XIV de França e na economia se nota a substituição da economia basicamente rural pela ascensão do comércio e, junto a este, o capitalismo.
[13] O historiador francês Jacque Le Goff em dois livros sobre a Idade Médica, veio estudar a Idade Média sem preconceito trazendo uma obra muito ilustrada, sob o título A Idade Média de o Dinheiro e Homens e Mulheres da Idade Média.
[14] O nosso país figura entre os países de maior diversidade linguística e se estima que são atualmente faladas mais de duzentas línguas. A partir dos dados do Censo IBGE de 2010, especialistas calculam a existência de pelo menos cento e setenta línguas ainda faladas por populações indígenas.
A historiografia do país demonstra que foi necessário considerável esforço do colonizador português em impor sua língua pátria em um território tão extenso. Trata-se de um fenômeno político e cultural relevante o fato de, na atualidade, a língua portuguesa ser a língua oficial e plenamente inteligível de norte a sul do país, apesar das especificidades e da grande diversidade dos chamados “sotaques” regionais.
Esse empreendimento relacionado à imposição da língua portuguesa foi adotado enquanto uma das estratégias de dominação, ocupação e demarcação das fronteiras do território nacional, sucessivamente, em praticamente todos os períodos e regimes políticos. Da Colônia ao Império, da República ao Estado Novo e daí em diante. ( In: GARCIA, Marcus Vinícius Carvalho.A diversidade linguística como patrimônio cultural. Disponível em: http://desafios.ipea.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3053&catid=28&Itemid=39 Acesso em 22.02.2017).
[15] Os vikings são uma antiga civilização originária da Escandinávia que hoje abrange o território de três países europeus a Suécia, a Dinamarca e a Noruega. Também conhecidos como nórdicos ou normandos e estabeleceram uma rica cultura que se desenvolvera devido à atividade agrícola, artesanato e notável comércio marítimo.
O processo de invasão à Bretanha aconteceu nos fins do século VIII. No ano de 865, um poderoso exército de vikings dinamarqueses empreendeu uma guerra que resultou na conquista de grande parte das terras britânicas. Com isso, observamos a consolidação do Danelaw, um extenso território viking que englobava as regiões Centro-norte e Leste da Bretanha. Na mesma época, os vikings continuaram sua expansão em terras escocesas.
[16] Em francês Guillaume Longue-Épée, em latim: Willermus Longa Spata,traduzido por Guilherme Espada Longa, foi filho de Rollo e de Poppa de Bayeux, senhora de Bayeux.
Foi considerado como o segundo duque da Normandia, apesar de que o título não existisse em sua época.
Guilherme I também chamado de Guilherme o Conquistador ou Guilherme o Bastardo nasceu por volta de 1028 em Falaise na Normandia, onde hoje é o norte da França. Também era sobrinho neto da Rainha Emma, esposa do Rei Eheired o imprudente e, mais tarde, esposa do Rei Canuto da Inglaterra. Tornou-se duque da Normandia com apenas sete anos de idade, quando seu pai morreu em 1035. Possuiu um bom número de tutores como também de possíveis assassinos. Quando tinha quinze anos, o Rei Henrique I da França o sagrou cavaleiro e, com 19 anos, ele teve sucesso ao lidar com as ameaças de rebelião e invasão.
[17] Basta lembrar que mulheres, escravos e estrangeiros e seus descendentes não tinham direito a voto.
[18] Na Idade medieval a noção basilar era que todo poder vem de Deus. E se desenvolveram diversas correntes e ideologias diversas. A teoria da origem imediata do poder previa que o governante recebia diretamente de Deus o poder, tal tese favoreceu o desabrochar do direito divino dos reus e a apoteose da monarquia;
A teoria da origem imediata em que as opiniões se subdividem, o governante recebi o poder de Deus através do Sumo-Pontífice, tal tese muito favoreceu a especial concepção teocrática do poder, onde se identificava a superioridade do sacerdotium sobre o imperium.
O governante recebia o poder vindo de Deus através do povo ou da comunidade, assim tal tese favorecia a concepção anti-hierocrática do poder, disseminando a noção de soberania popular.
Além dos desenvolvimentos específicos de cada uma delas, há uma consequência básica e comum, a ideia da ligação do poder a Deus e a ideia de que o rei é o vigário de Deus, ideia que aparece muito cedo nos documentos portugueses, ligados à ideia de um fim a cumprir. Os reis encontram-se limitados pelo fim para que Deus os pôs no seu lugar e apresenta dessa forma a sua actuação, com as seguintes limitações:
O rei é obrigado a prosseguir os fins para que Deus lhe outorgou (concedeu) o poder, cumprindo o direito e a justiça.
Para que isso aconteça, deve de actuar a contento do Senhor e não a seu belo prazer.
Também como desempenhar esses fins, assim dará contas a Deus.
Com a ideia de vicariato, está associada a noção de officium, que designa o poder político como uma função, um dever a cumprir. Essa função tem como objectivo final a realização do bem comum, para que os homens possam alcançar a felicidade eterna.
Quanto à tarefa da salvação eterna, é ao governante que tem por obrigação assegurar a justiça e manter a paz. A justiça, é o fim do poder político, pela qual se alcança a paz (ordem).
[19] A famosa Magna Charta Libertatum, do “João sem Terra” (Rei John.1199-1216), com júbilos e evidente orgulho pelo povo e governo britânicos. Foi negociada e assinada entre os dias 1º e 10 de junho de 1215, quando os barões estavam na posse de Londres. Nesta data histórica não podemos, pois, deixar de nos associar a esta meritória celebração, por tudo o que ela significou para os avanços das civilizações na construção da cidadania e do Estado de Direito em matéria tributária.
[20] Entre os séculos XVI e XVII uma das principais questões que tanto orbitaram nos debates filosóficos foi exatamente quanto ao surgimento da sociedade civil, o que levou os homens a formarem os Estados e qual a origem da legitimidade de seus governos.
Dentro desse contexto, surgiram as teorias contratualistas que postula um estado de relações humanas que é livre de qualquer ordem social estruturada, então chamada de estado de natureza, anterior ao surgimento da sociedade civil. Nesse estado de natureza não havia leis ou normas sociais, governos ou obrigações políticas entre os governantes e governados.
Em certo momento os homens sentiram a necessidade de criar um acordo, um pacto social, ou contrato social, através do qual reconhecem uma autoridade (governante) um conjunto de regras e um regime político dando origem assim, a sociedade.
A ideia de contrato social aprece teorizado por filósofos como J. Althusius, Thomas Hobbes, B. Spinoza, S. Pufendorf, John Locke, Rousseau, Kant.( In: MATTEUCCI, Nicola. Contratualismo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, GIanfranco. Dicionário de Política. Volume 1, 11ª edição. Brasília: Editora UnB, 1998).
[21] João de Salisbury ( Old Sarum) viveu entre 1115 ou 1120 até 1180 foi um dos mais brilhantes pensadores do seu tempo. Ao longo da sua vida desempenhou importantes cargos na Igreja Católica. Foi também autor de relevante pensamento político, registrado em obras como Policraticus e Metalogicon, assim como foi teorizador do ensino.
Os escritos de João de Salisbury são excelentes para esclarecer o estágio literário e científico da Europa Ocidental do século XII. Embora ele tivesse o domínio total da nova lógica e da retórica da arte do raciocínio adquirido na universidade, os pontos de vista de Salisbury apresentam uma inteligência cultivada e brilhantemente aquinhoada em assuntos práticos, opondo-se aos extremos tanto do nominalismo como do realismo considerando-os senso prático comum. A sua doutrina se constitui numa espécie de utilitarismo, com forte inclinação para o aspecto especulativo em relação ao cepticismo literário de Cícero, por quem ele tinha incontida admiração e em cujo estilo se espelhou para criar o seu próprio.
A sua visão de que o objetivo da educação era moral, e não apenas intelectual, tornou-se uma das principais doutrinas educacionais da civilização ocidental, mas a sua influência será mais perceptível, não em seus contemporâneos imediatos, mas na visão de mundo do humanismo renascentista.
[22] •Primeira Cruzada (1096-1099) (Cruzada dos Nobres): Chefiada por nobres como Godofredo de Bouillon, Roberto da Normandia, Balduino de Flandres e Raimundo de Toulouse, essa Cruzada conquistou a cidade de Jerusalém, onde se fundou um Reino Cristão. Para manter-se nos territórios ocupados, os cruzados fundaram várias ordens: Templários, Hospitalários, Cavaleiros Teutônicos.
•Segunda Cruzada (1147-1149): Chefiada pelo imperador Conrado III, da Alemanha, e por Luis VII, da França. Tentaram ocupar Jerusalém, que estava sendo ameaçada pelos muçulmanos, mas seus esforços foram em vão. O sultão do Egito, Saladino, reconquistou Jerusalém em 1187.
•Terceira Cruzada (1189-1192) (Cruzada dos Reis): Chefiada por Frederico Barba Roxa, da Alemanha, e por outros reis como Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, e Filipe II, da França. Os líderes dessa Cruzada conseguiram estabelecer um acordo com o sultão Saladino, que se comprometeu a permitir as peregrinações dos cristãos a Jerusalém.
•Quarta Cruzada (1202-1204) (Cruzada Venezianal): O Papa Inocêncio III fez um grande apelo aos príncipes europeus, para que organizassem uma Cruzada contra o Egito. Mas a cidade de Veneza, que deveria ceder os navios, tinha interesses comerciais voltados para a destruição de Constantinopla. Assim, foi para lá que se dirigiu essa Cruzada, que pilhou e saqueou Constantinopla em 1204, desorganizando o Império Grego lá sediado (fundaram o Império Latino do oriente, que teve curta duração).
•Quinta Cruzada (1217-1221): Foi orientada contra o Egito, mas não conseguiu obter sucesso. Os cruzados foram forçados a regressar, em meio às inundações do Nilo.
•Sexta Cruzada (1228-1229): Foi chefiada por Frederico II, da Alemanha, e conseguiu obter do sultão do Egito, El Kamil, a entrega das cidades de Jerusalém, Belém e Nazaré.
•Sétima Cruzada (1248-1250): Chefiada por Luis IX (São Luis), da França, voltou-se contra o Egito, mas o fracasso foi total. O rei foi preso com todo o seu exército e somente libertado mediante o pagamento de um elevado resgate.
•Oitava Cruzada (1270): Novamente organizada por Luís IX, a expedição desembarcou no norte da África. Vitimada por uma epidemia de peste, a expedição se desfez, após a morte de seu líder, Luís IX.
[23] Graciano também conhecido como Franciscus Gracianus ou Johannes Gratianus foi monge e jurista camaldulense e professor de teologia bolonhês.
Infelizmente suas datas de nascimento e morte são desconhecidas, apesar de que se sabe que sua vida transcorrera entre os séculos XII e XIII, sendo considerado o pai do Direito Canônico graças a sua obra Concordia discordantium canonum que permaneceu em vigência até 1917.
[24] Francis Christopher Oakley ou Edward Dorr Griffin professor de História das Ideais no Williams College. Presidente Emérito do Colégio Williams, Presidente do Conselho Americano de Sociedade Aprendizes em Nova York. Oakley tem escrito extensivamente sobre temas relacionados com a história medieval e do início da história moderna intelectual e religiosa e com a educação superior americana, e é co-editor de três volumes, bem como o autor de quinze livros. Proeminente entre estes últimos são a sua onipotência , Aliança e Ordem: Uma excursão na História das Idéias de Abelard para Leibniz , (1984), Comunidade de Aprendizagem: O American College ea Tradição Liberal Arts (1992), e A Tradição conciliarista: Constitucionalismo na Igreja Católica 1300-1870 (2003), que recebeu o Prêmio Bainton Livro Roland H. em 2004. Durante dez anos, Oakley trabalhou em uma trilogia com o título geral de o Surgimento do pensamento político ocidental no latim Idade Média , publicado pela Yale University Press , entre 2010 e 2015, e para o qual ele recebeu o 2016 Medalha Haskins da Academia medieval da América .
Membro honorário do Corpus Christi College , Oxford, ele também é membro da Academia Medieval da América (Presidente dos Fellows, 1999-2002) e da Academia Americana de Artes e Ciências . Ele é formado honorário, LL.D., LHD e Litt.D., de Notre Dame , da Northwestern University , Universidade Wesleyan , Massachusetts College of Liberal Arts , Sacred Heart University, Amherst College , Bowdoin College , Southern Methodist University , e Williams College .
[25] Tomás de Aquino, ou em italiano Tommaso d'Aquino (1225-1274) foi um frade da Ordem dos Pregadores, dominicano, italiano cujas obras tiveram enorme influência na teologia e na filosofia principalmente na tradição conhecida como Escolástica, e que, por isso ficou conhecido como Doctor Angelicus, Doctor Communis, Doctor Universalis.
Foi o mais relevante proponente clássico da teologia natural e pai do tomismo. Sua influência no pensamento ocidental é considerável e muito da filosofia moderna fora concebida como desenvolvimento ou oposição de suas ideias, particularmente na ética, lei natural, metafísica e teoria política.
Ao contrário de muitas correntes da Igreja na época. Abraçou diversas ideias de Aristóteles a quem ele se referia como "o Filósofo" e tentou sintetizar a filosofia aristotélica com os princípios do cristianismo.Suas obras mais conhecidas são a Suma Teológica, a Suma contra os Gentios.
E seus comentários sobre as Escrituras e sobre Aristóteles também são parte importante de seu corpus literário. Também é venerado como santo pela Igreja Católica e considerado como professor modelo para os que estudam para o sacerdócio por ter atingido a expressão máxima tanto da razão natural quanto da teologia especulativa.
[26] Roger Bacon ou Rogério Bacon (1214-1294) conhecido também como Doctor Mirabilis ou doutor admirável em latim, foi um dos mais famosos frades de seu tempo. Foi padre e filósofo inglês que deu ênfase ao empirismo e ao uso da matemática no estudo da natureza. Estudou nas universidades de Oxford e Paris e contribuiu em áreas importantes como Mecânica, Filosofia e Geografia e também a Ótica.
[27] Santo Agostinho de Hipona (354-430) Em latim era conhecido como Aurelius Augustinus Hipponensis, foi um dos mais relevantes teólogos e filósofos dos primeiros anos do cristianismo cujas obras foram influentes no desenvolvimento do cristianismo e da filosofia ocidente. Era o Bispo de Hipona, uma cidade na província romana na África. Escrevendo na era patrística, é considerado o mais importante dos Padres da Igreja no Ocidente. E, suas obras-primas são "A Cidade de Deus" e "Confissões", ambas ainda estudadas atualmente.
Agostinho restabeleceu a antiga fé. Foi inicialmente influenciado pelo maniqueísmo e, logo depois, pelo neoplatonismo de Plotino.
Agostinho desenvolveu uma abordagem original à filosofia e teologia, acomodando uma variedade de métodos e perspectivas de uma maneira até então desconhecida.
Acreditando que a graça de Cristo era indispensável para a liberdade humana, ajudou a formular a doutrina do pecado original e deu contribuições seminais ao desenvolvimento da teoria da guerra justa.
Quando o Império Romano do Ocidente começou a ruir, Agostinho desenvolveu o conceito de "Igreja Católica" como uma "Cidade de Deus" espiritual (na obra homônima) distinta da cidade terrena e material de mesmo nome. "A Cidade de Deus" estava também intimamente ligada ao segmento da Igreja que aderiu ao conceito da Trindade como postulado pelo Concílio de Niceia e pelo Concílio de Constantinopla.
Preocupações epistemológicas permearam o desenvolvimento intelectual de Agostinho. Seus primeiros diálogos (" Contra academicos", 386; " De Magistro",389), ambos escritos logo depois de sua conversão, refletem o uso que ele fazia de argumentos céticos e demonstram o desenvolvimento de sua doutrina da iluminação interior.
Agostinho também propôs o problema das outras mentes em diversas obras - mais famosamente talvez em "Sobre a Trindade" (VIII.6.9) - e desenvolveu o que viria a ser uma solução padrão: o argumento a partir da analogia a outras mentes. Ao contrário de Platão e outros filósofos anteriores, Agostinho reconheceu a centralidade do testemunho para o conhecimento humano e argumentou que o que os outros nos contam pode nos trazer novos conhecimentos mesmo se não tivermos razões independentes para acreditar em seus relatos testemunhais.
[28] As raízes etimológicas do termo "Brasil" são de difícil reconstrução. O filólogo Adelino José da Silva Azevedo postulou que se trata de uma palavra de procedência celta (uma lenda que fala de uma "terra de delícias", vista entre nuvens), mas advertiu também que as origens mais remotas do termo poderiam ser encontradas na língua dos antigos fenícios.
Na época colonial, cronistas da importância de João de Barros, frei Vicente do Salvador e Pero de Magalhães Gândavo apresentaram explicações concordantes acerca da origem do nome "Brasil".
De acordo com eles, o nome "Brasil" é derivado dessa forma, bem antes de "pau-brasil", designação dada a um tipo de madeira empregada na tinturaria de tecidos e também na construção do cérebre Cruzeiro da denominada por Pedro Álvares Cabral de "Terra do Santo - Cruzeiro de Brasil" armados nos altares nas duas missas celebradas na época da conquista portuguesa aos piratas, com apoio de nativos - amigos e de soldados e artilharias de terra e mar presentes na batalha, e em frota de treze navios fortalezas e a consequente descoberta para o mundo civilizado conforme a verdadeira História do Descobrimento em livro de Armador (Capitão-mor ou Marechal de Armada) Pedro Álvares Cabral publicado em Editora da Biblioteca Real de Lisboa da Imprensa Régia, em 1501.
Na época dos descobrimentos, era comum aos exploradores guardar cuidadosamente o segredo de tudo quanto achavam ou conquistavam, a fim de explorá-lo vantajosamente, mas não tardou em se espalhar na Europa que haviam descoberto certa "ilha Brasil" (em vez de Terra - continental) no meio do oceano Atlântico, de onde extraíam o conhecido desde antiguidade o pau-brasil (madeira cor de brasa).
A Ilha Brasil, ou mais comumente a Ilha do Brazil; Ilha de São Brandão; Brasil de São Brandão ou Hy Brazil, é uma ilha fantasma do Oceano Atlântico ligadas à tradição de São Brandão das terras afortunadas sitas a oeste do continente europeu.
A cartografia medieval europeia inclui com grande constância a Ilha do Brasil, a par da Antília, da Ilha de São Brandão, das Sete Cidades e das Ilhas Afortunadas, entre as ilhas que existiriam no mar oceano. A posição e as dimensões da ilha variam de carta para carta, mas a partir de meados do século XIV a ilha começa consistentemente a ser colocada no Atlântico Norte centro-ocidental.
A presença desta ilha mítica na cartografia fixa o topônimo em data muito anterior a 1500, a data da descoberta "oficial" das Terras de Santa Cruz, o atual Brasil, e invalida de todo a teoria de que o nome estaria ligado ao vermelho do pau-brasil. Na realidade, àquela data, o Brasil como lugar mítico já estava presente no vocabulário dos povos do ocidente europeu há muitos séculos.
A procura da Ilha do Brasil foi uma constante nas navegações renascentistas do Atlântico até 1624. Desde o oeste da Irlanda, seu lugar inicial, a posição da suposta ilha migrou para oeste, primeiro para os Açores, onde a atual ilha Terceira aparece por vezes com esta designação e onde, muito antes de 1500, já a península fronteira à cidade de Angra ostentava o nome de Monte Brasil, que ainda hoje mantém. Dos Açores deslocou-se para sudoeste, primeiro para as Caraíbas, para depois se fixar no litoral do atual Brasil.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 28/02/2017
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